Leitura de Onda

Rockstar

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O que Filipe Toledo vem fazendo no circuito mundial – seja em Snapper Rocks, na Barra da Tijuca ou no QS10000 de Trestles – é elevar o surfe de alta performance a um novo patamar. Foto: Henrique Pinguim / Waves

 

Os mais céticos se limitarão a dizer que Filipe Toledo é hoje, de longe, o melhor surfista do mundo em ondas pequenas. Pode parece muito, um elogio legal, mas não. Plínio Ribas, lá no início dos anos 90, já ostentava esse status.

O que o ubatubense vem fazendo no circuito mundial – seja em Snapper Rocks, na Barra da Tijuca ou no QS10000 de Trestles – é elevar o surfe de alta performance a um novo patamar. Seu índice de aproveitamento em manobras de alta complexidade é de praticamente 100%, o que leva os adversários ao limite.

Seria mais justo dizer que Filipinho é, hoje, um surfista revolucionário em todas as ondas afeitas ao surfe moderno. Suas atuações no primeiro semestre de 2015 contribuirão, com certeza, para modificar o esporte. Seu espírito competitivo parece inquebrável. Ele parece ter gosto por oprimir adversários nos primeiros minutos de bateria, com manobras de risco e notas altas mesmo em ondas ordinárias. O adversário fica sem ter para onde correr, acuado em seu córner.

A vitória na Barra o posicionou colado ao líder Adriano de Souza na corrida pelo título mundial. Depois do Brasil, o circo da WSL viaja para a famosa perna de ondas prime, com paradas em Fiji, África do Sul e Taiti.

Filipinho precisa de uma grande apresentação num dos três picos para pulverizar os últimos traços de resistência a seu surfe. Assim fez Gabriel Medina, e deu certo.  Do jeito que ele tem surfado, no entanto, pode vencer a temporada mesmo sem brilhar muito nessas ondas. O detalhe assustador é que Filipe tem apenas 20 anos, ou seja, tem tempo de sobra para tentar ser o melhor em todas as arenas.

Mineiro já venceu em J-Bay num ano que a prova foi da série QS e, ano passado, surfou muito bem em Fiji. Mas, como seu conterrâneo, precisa de um grande resultado num dos três picos em provas da elite, em condições clássicas, para seguir confiante rumo ao título mundial. Parece pronto para isso.

De volta à Barra da Tijuca, o surfista número 77, barbada máxima da prova, não tomou conhecimento de seus oponentes. Enfileirou Kolohe Andino, Adam Melling, Wigolly Dantas, John John Florence, Matt Banting, Ricardo Christie, Ítalo Ferreira e, na final, o constante Bede Durbidge. Em condições variadas, fez duas notas 10 (uma delas na final), dispensou as repescagens, venceu quase todos os adversários por combinação e hipnotizou o público.

Para além da competição, o evento do Rio revelou ao mundo uma nova face do esporte, especialmente no Brasil, terra do campeão mundial de 2014 e dos líderes de 2015. A WSL, os surfistas e o público fiel de iniciados imaginavam que o evento pós-título de Gabriel seria um sucesso. Mas nada perto da multidão de mais de 20 mil pessoas, em contas conservadoras, que ocupou cada pedaço da faixa de areia da Praia do Pepê. Não há termo de comparação com outros anos – Teco, em 1991, venceu para um público superestimado em 10 mil pessoas na mesma praia. Eu estava lá. Nada perto do que se viu em 2015.

Ontem, ambulantes vendiam camisetas falsificadas de surfistas a R$ 50 (“essa o Filipinho usou, gritavam), um mar de adolescentes disputavam a tapa uma foto, um autógrafo ou mesmo uma beliscada nos ídolos brasileiros. Muita gente assistia ao evento pela primeira vez. As ruas da Barra entraram em colapso, não havia onde parar o carro. A TV Globo conseguiu que a final fosse realizada no domingo, para exibir parcialmente a final da prova, ao vivo, para milhões em todo o Brasil.

O cara de pavor do campeão, ao tentar sair da água após a final e se deparar com uma multidão ensandecida, é um retrato do susto que todos levaram com a incontrolável popularidade do esporte no Brasil. Deu a sensação de que o surfe jamais será o mesmo em Pindorama.   

A prova foi um sucesso absoluto, mas ajudou a revelar a falência do Governo do Estado na área de saneamento. Depois da desistência de um palanque alternativo em São Conrado por causa da contaminação diária de esgoto, as baterias foram realizadas apenas na Praia do Pepê, onde os indicadores de qualidade da água também têm sérios problemas. Alguns surfistas passaram mal. Não é possível estabelecer uma ligação entre os casos e a água poluída, mas de todo modo é uma vergonha expor os melhores do mundo ao contato primário com o esgoto. Aliás, é uma vergonha expor qualquer cidadão a essa contaminação.

Em 2016, além de nova etapa do surfe, teremos provas de iatismo nos Jogos Olímpicos na contaminada Baía de Guanabara. Mais vergonha à vista. O Rio precisa reagir. No WCT do Rio, foi criado o movimento “Saneamento Já – Água Limpa é a Onda”, liderado por entidades como Instituto E, SOS Mata Atlântica e Gota d’água, além do apoio de associações de surfe do Rio, para pressionar pelo saneamento dos rios, lagoas, praias e baías do Estado do Rio. Participem.

Para finalizar com surfe, o ranking mundial jamais deu tanto orgulho aos brasileiros. Pela primeira vez na história, o país ocupa as duas primeira posições na corrida pelo título da elite. E isso porque o campeão de 2014 ainda não entrou no jogo. Além disso, seis dos sete brasileiros que disputam o CT estão entre os 20 primeiros. A tempestade brasileira parece ter se transformado em tempo estável, firme, não sujeito a mudanças de curto prazo.

Claro, convém sempre ficar alerta. A próxima etapa, Fiji, é afeita às consagradas lendas do esporte, vindas da Austrália e dos Estados Unidos. Não devemos esquecer que eles inventaram isso tudo e querem recuperar o reinado.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".