Mar doce lar

Saquá, sweet Saquá

Stephan Figueiredo, Saquarema, julho de 2005

Praia da Vila, Saquarema, julho de 2005. Foto: Rick Werneck.
“O tempo passa, o tempo voa, e as ondas de Saquarema continuam muito boas.”

 

Parafraseando um conhecido anúncio de banco da TV, quero falar de recordações que foram despertadas num belo sábado de sol, em julho de 2005, na praia da Vila, Saquarema.

 

Embora as imagens daquele dia já tenham sido amplamente divulgadas no Waves, não tenho como deixar de relatar minha visão de um dia que relembrou tantos outros do passado. Dias que estavam esquecidos em um canto da memória, já gasta.

 

Stephan Figueiredo: estilo e calma na hora da verdade. Foto: Rick Werneck.
Enquanto a disputa pelo título do SuperSurf rolava solta na praia de Itaúna – com um show particular de Pedro Henrique, que faturou o título pegando o único tubo do evento e obtendo a única nota dez – a praia da Vila, do outro lado da famosa igreja de Nossa Senhora de Nazaré, cartão postal e padroeira da cidade, servia de palco para um show de tubos.

 

Ainda na sexta-feira, enquanto Marcelo Trekinho dava uma aula de manobras nas marolas que surgiram na Vila após dois dias de flat, me peguei pensando que já nem me recordava da última vez que estive em Saquarema para acompanhar um campeonato e não presenciei um dia clássico.

 

Dadazinho no olho do furacão na Vila. Foto: Rick Werneck.
Este ano, no entanto, parecia que as coisas seriam diferentes. O primeiro dia do evento fora adiado por falta de ondas e as previsões. Bem, as previsões não eram boas mas, felizmente, as previsões estavam erradas.

 

Foi simples assim. No dia seguinte as ondas amanheceram bombando e assim ficaram o dia todo, amparadas por um insistente vento terral. Fazia tempo que não eu via a Vila quebrar daquele jeito.

 

Ali, parado, vendo as ondas rodando atrás da laje, voltei 30 anos no tempo, quando arriscava minhas primeiras braçadas naquele canto de praia, na minha primeira prancha, uma JL, shapeada pelo local Jorge Luis, que viria a morrer queimado, quando sua oficina de prancha pegou fogo.

 

Selmo, com seus longos cabelos louros, se atirava da pedra e inspirava todos a irem mais para o fundo. Nunca consegui entender como um cara com a coragem dele poderia se matar por amor, mas foi exatamente esse seu destino. Ainda assim, sua clássica foto, tirada pelo saudoso Nilton Barbosa e publicada na revista Brasil Surf, continuou inspirando quem surfava ali.

 

É, os anos setenta foram alucinantes. Até porque, não tinha crowd. Mas como não sou saudosista e nem estou aqui para fazer análise de gerações, voltemos àquele sábado de sol que mencionei no segundo parágrafo.

 

Apesar da aparente calmaria entre as séries, quando as linhas entravam, formavam largos canudos de água marrom e fria, devido à corrente de leste que invadia o litoral.

 

Muita gente entrou no mar e pegou onda, mas para resumir o dia, vou falar dos três que, na minha opinião, dominaram o pico: Bruno Santos, Dadazinho e Stephan Figueiredo.


Bruninho, treinado nos canudos de Itacoatiara, estava à vontade. Botava pra dentro dos tubos, saía e puxava belos cutbacks. Onda após onda.

 

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Reprodução da revista Brasil Surf. Foto: Rick Werneck.
Dadazinho pegou as maiores e mais quadradas. O cara tava com muita vontade. Mesmo as que fechavam, proporcionavam a ele vários segundos de pura adrenalina e velocidade dentro de verdadeiras cavernas d’água que se formavam à sua frente.

 

Já  Stephan Figueiredo, o Phan… Bem, o que posso falar de um cara reconhecido como um dos melhores e mais destemidos tuberiders brasileiros? O sujeito entuba muito!

 

Ali, na cara de todo mundo, ele simplesmente completou um tubo que ninguém acreditou.  Ainda bem que não foi no campeonato, senão teriam que dar nota 11.

Bruno Santos aplica a experiência conquistada em Itacoatiara nos tubos de Saquarema. Foto: Rick Werneck.

 

Ele acelerou por dentro de três seções de tubo, até escapar pela porta. A galera na praia foi ao delírio, urrando e batendo palmas. Surfe assim é a coisa mais bonita de se ver. Eu acho.

 

 

Vai ter gente que vai me achar bairrista, mas não existe, no Brasil, um lugar com ondas tão boas, fortes e acessíveis como Saquarema.

 

Que outro lugar tem ondas como a da Vila e de Itaúna separadas por uma distância que se pode percorrer a pé? Sem falar nas ondas da Barra e do Boqueirão. Estou falando de onda oca e perfeita com bastante volume d’água.

 

 

Visual da praia da Vila, Saquarema. Foto: Rick Werneck.
Ondas tão sólidas que, em certos dias, até os melhores do país podem se sentir intimidados. Ondas que separam os garotos dos homens, ou, muitas vezes, que transforma garotos em homens.

 

Ondas que não exigem dinheiro para comprar um jet-ski. Que podem ser surfadas no braço, por qualquer um que tenha disposição e que, ainda assim, impõem respeito.

 

Porém, quero deixar bem claro que esta é apenas minha opinião. Quem achar que estou errado que aponte outro lugar com ondas tão boas e poderosas, eu gostaria muito de conhecer.

 

A molecada que pretende seguir carreira de surfista profissional e não tem dinheiro para viajar ao Peru, deve passar as férias em Saquá e se acostumar com ondas pesadas. No futuro, pode fazer muita diferença.

 

Surfar ondas com pressão é fundamental para quem, um dia, vai querer disputar um título em Pipeline, Teahupoo, Cloudbreak, Grajagan ou qualquer outro lugar de ondas poderosas.

 

Coincidência ou não, a final do SuperSurf em Itaúna foi decidida, no dia seguinte, por dois surfistas, Pedrinho e Léo Neves, que elegeram Saquarema como lar – e só fizeram evoluir depois de tomarem esta decisão. Raoni Monteiro é cria de lá e carrega essa vantagem.

 

Quanto ao nome da matéria, apesar de não gostar de estrangeirismo, eu peguei emprestado de um texto que o Fedoca escreveu para a Brasil Surf, e que tinha uma foto do Ian Robert surfando uma “bomba” na Vila, clicada pelo Mucio Scorzeli.

 

Ela mostra que, apesar do tempo, nada mudou. Decididamente, preciso voltar a freqüentar Saquarema.

 

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