Surfutebol

Seleção canarinho das ondas

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Eu sei, eu sei. Aliás, todo mundo sabe. Não é novidade, nem precisa dizer. Waves é surfe! E afinal o futebol já tem aí seus milhares de sites especializados na grande rede. Mas é que estamos em ritmo de Copa do Mundo, no astral da maior festa do planeta que reúne os povos em torno da bola. E antes que você torça o nariz, reclame e nem queira continuar lendo o texto já vou logo avisando: “Não há nada que um bom dia de surfe não cure”.

 

Dias desses, enquanto voltava pra casa depois de uma manhã de boas ondas, pelo rádio no carro, acompanhava o noticiário da convocação da seleção canarinho feita pelo técnico Dunga. Jornalistas e cronistas esportivos de todas as partes do país comentavam sobre os 23 convocados, a surpresa Grafite, e as ausências de Adriano, de Ganso e Neymar.

 

Ainda no carro, fiquei pensando como seria uma “Copa do Mundo de Surfe”, onde cada nação estivesse representada por sua seleção. E nessa viagem de surfe e futebol, copa do mundo, ondas, pensei em formar uma “seleção” só que com os surfistas brasileiros mais influentes de todos os tempos.

 

Da diversão sem compromissos dos paulistas Osmar Gonçalves e Thomas Richtter nas praias de Santos no longínquo verão de 1939, até os dias de hoje muitos tubos já foram surfados. Fui buscar no túnel do tempo alguns nomes, relembrar performances, tanto dentro como fora d’água, para montar o escrete verde-amarelo. Confesso que foi extremamente complicado para se chegar aos onze titulares. Depois de relacionar vários nomes, de épocas e momentos distintos, usei um critério subjetivo.

 

Em destaque às atitudes, comportamentos e principalmente a colaboração de cada um para a evolução do surfe em nosso país. Confira abaixo a escalação da seleção dos surfistas brasileiros mais influentes de todos os tempos.


Tito Rosemberg O surfista mais aventureiro do país não poderia jamais ficar de fora dessa lista. Tito preferiu o surfe como elemento de diversão e prazer e correu o mundo. Foi shaper na época das monoquilhas. Com amigos desbravou e desfrutou como poucos as praias do nosso litoral. A sua casa é a Terra. Nunca teve residência fixa. Parece que hoje descansa o esqueleto na praia da Pipa no Rio Grande do Norte. Fonte de inspiração para qualquer surfista das primeiras gerações, suas viagens instigaram pioneiros. Estórias e reportagens no continente africano publicadas na Surfer ainda nos fazem sonhar…

 

Tinguinha Lima Esse já passou dos 45 e continua no rip. Um master na concepção da palavra. Inúmeras vezes ouvi locutores em campeonatos dizer em alto e em bom tom que Tinga era como um vinho: quanto mais velho, melhor ficava o seu surfe. Foi bicampeão nacional com performances arrasadoras. Teve uma passagem rápida pelo tour da ASP. Atualmente mora em Portugal e por lá comanda uma escolinha onde repassa um pouco da sua experiência. Tinguinha já voava alto – muito alto – lá no início dos anos 80. Os aéreos nos anúncios das marcas Costa Norte e Op estampados nas revistas da época comprovam que Tinguinha sempre andou muito a frente do seu tempo…

 

Cauli Rodrigues Um cara de temperamento forte e de uma linha de surfe extremamente radical. Suas batidas eram verdadeiras patadas. As de backside impressionavam. Velocidade e precisão. Precisão e força. Referência de radicalidade por mais de uma década. Em ondas cavadas não aliviava e a cada manobra muita água pro alto. Como bem escreveu Júlio Adler no seu blog Goiabada,“…numa época em que rolava muita crocodilagem, a Véia – apelido carinhoso que recebeu dos amigos – dormia cedo, treinava muito e não dava bola para as tentações da vida mundana do surfe profissional. Foi pra Austrália aprimorar seu surfe. Foi um dos primeiros a investir e acreditar na carreira de competidor. Queria surfar no mesmo nível dos melhores do mundo em qualquer tipo de onda…”. 

 

Fred D’Orey Muitos sonham. Alguns falam. Poucos realizam. D’Orey pertence a essa última categoria, escreveu Giuliano Cedroni recentemente numa matéria sobre Fred na revista Trip. Ex-surfista profissional, top do circuito nacional por longos anos, hoje empresário de sucesso no mundo da moda. Sem dúvida alguma o melhor jornalista especializado em surfe do país. Criou os jornais Surf News e Staff que nos mantinha sempre bem informado e, como editor, produziu algumas das melhores matérias já publicadas na revista Fluir. Ácido ferrenho seus textos polêmicos sugerem sempre uma reflexão. Um viajante inveterado ainda com muito surfe no pé. Fred entende que o surfe significa muito mais que uma simples onda é um elemento catalisador, que forma personalidades e condutas. Da sua maneira crítica, Fred tenta dar um norte aos seus leitores.

 

Carlos Burle Quase ninguém apostaria lá nos anos 80 que um brasileiro poderia fazer parte de um seleto grupo de surfistas com prestígio internacional em ondas grandes. Embora nomes como Renan “De Crab” Pitanguy, Vargas, Valério, Bocão, Resende, Taiu fizessem bonito com atuações memoráveis nos outsides de Sunset, Waimea e Pipeline. Burle saiu de Recife, celeiro de surfistas extremamente talentosos, enfrentou preconceitos e nas dificuldades pensou até em abandonar tudo. Porém não desistiu dos seus sonhos e foi ganhar a vida botando pra baixo nas maiores da série. Hoje Burle desfruta de um título de campeão mundial do primeiro Big Wave World Tour, resultado de horas de treinamento e profunda dedicação.

 

Pepê Lopes Fez doutorado com apenas 17 anos nas esquerdas de Pipe. Foi sexto colocado no Pipeline Master de 76 enfrentando Rory Russell, Gerry Lopez e Mark Richards na final e venceu o Waimea 5000 no Arpoador numa época em que “cachorro” se amarrava com “linguiça” e quando gringos estavam anos luz a nossa frente em termos de equipamentos. Pepê ainda garoto era sempre o primeiro a chegar para surfar no Píer durante a década de 70. Educado, atencioso, no melhor estilo carioca gente-fina, deixou sua marca também em outros esportes como no vôo livre e hipismo. Foi dono de uma barraca de sanduíches naturais, promoveu e organizou eventos. O apelido transformou-se em marca. Viveu para o surfe e através dele fez uma rede enorme de amigos. Um lugar entre os mais influentes é mais que merecido.

 

Dadá Figueiredo Talento puro. Muita gente parou para assistir esse cara surfar. Lembro que em 91, no Brasil Surf / Renner, em Torres no Rio Grande do Sul, o público lotava os molhes de pedras e um burburinho se formava para acompanhar suas baterias. As ondas no meio da Barra da Tijuca eram o seu reduto seu parque de diversões, seu campo de treinamento. Aliás, treinar nunca foi muito o seu forte. Improvisar era o que fazia de Dadá um surfista diferente, inovador. Venceu etapas do circuito nacional aqui e acolá. Se dentro d’água Dadá estava acima do bem e do mal, fora dela algumas atitudes impensadas, talvez pela imaturidade e o envolvimento com drogas e álcool abreviaram a tão promissora carreira. Com um estilo inconfundível, único, de manobras de vanguarda, Dadá influenciou e foi copiado por quase todos. Bom saber que Dadá deu a volta por cima.

 

Adriano de Souza Mineirinho teve muita sorte pois ainda garoto encontrou pessoas com bagagem e estrutura para organizar e administrar sua vida de atleta profissional. Desde muito cedo já dava pistas que iria alçar vôos bem maiores. Competindo nas categorias amadoras teve poucos adversários. Campeão paulista Iniciante, Estreante, com 12 anos, Mirim e Brasileiro Estreante com 13, 14 anos. Campeão de uma etapa do brasileiro profissional aos 15 anos, o mais jovem a entrar no SuperSurf com 16 e campeão mundial Pro Jr antes de completar 18 anos. Com o suporte da Oakley, uma marca internacional e, assessorado pelo Pinga, trilha uma carreira promissora, e se torna um exemplo a ser seguido. Humilde, dedicado, interessado em aprender, Mineirinho é respeitado por suas conquistas e é a principal referência para essa molecada que chega em busca de oportunidades, fama e dinheiro. Com ele deixamos de ser meros coadjuvantes no Tour da ASP.

 

Teco Padaratz O cara certo na hora certa. O loirinho do sul que educado, articulado e falante soube passar ao público uma imagem mais limpa e profissional de um esporte até então discriminado. Padaratz foi um competidor voraz desde os tempos de criança nos campeonatinhos promovidos pela Anocas nos fins de semana em Balneário Camboriú e região. Preparado desde garoto para o tão sonhado título mundial, cedo caiu na estrada. Morou na Austrália, na América, competiu na NSSA, subiu em muitos pódios mundo afora. Venceu inúmeras etapas do WQS onde sagrou-se bi-campeão em 1992 e 1999. Mas o título tão almejado infelizmente não veio. Valeu por ter metido junto com Gouveia o pé na porta da melhor maneira possível…

 

Picuruta Salazar A irreverência em pessoa. Uma figuraça. Picuruta ganhou tudo e de todos por aqui. Pena que o circo da ASP tenha chegado um pouco tarde para esse santista. O campeão dos campeões. O que não deve faltar em sua casa são estantes para acomodar uma infinidade de troféus e taças. Foram mais de 140 títulos. Ou seriam 150? Ou será que já passou dos 160, somados nesses mais de 30 anos em cima de uma prancha de fibra? O filho do sêo Alexandre completa 50 anos em 2010 e pensa em se aposentar das competições depois do mundial de longboard. Diz que vai em busca de mais um caneco e assim fechar com chave de ouro, como se precisasse… Picuruta nasceu pra isso. Competir é o que mais sabe fazer. O dia em que o “Gato” parar de usar uma lycra de competição fará muita falta nos pódios com o seu astral e carisma. 

 

Fábio Gouveia De Bananeiras na Paraíba para o mundo. Nas direitas de Baía Formosa poliu sua linha de surfe. Se os Istaítes tinham Curren nos tínhamos Fabinho, o Fabuloso, um sujeito arretado, cabra da peste com areia salgada nas sobrancelhas. Escreveu Brasil com S nas ondas mundo afora. Estilo bonito, inconfundível, limpo. Uma referência nacional! Nos fez vibrar de felicidade com a conquista até então impensável em Porto Rico. Bi-campeão brasileiro profissional. São seus os melhores resultados de um brasileiro no Tour. Venceu no Japão, Austrália, França, Espanha e por onde passou. E foi o único dos nossos a vencer no Hawaii. Dizer mais o quê que ainda não tenha sido dito desse surfista genuinamente vitorioso?

 

Quem chamar para ficar na boca do túnel e comandar esse timaço? Para tal função precisaríamos de experiência e muita quilometragem rodada.

 

Ricardo Bocão O homem da mídia. Eterno representante e a voz dos competidores nos veículos de comunicação. Batalhador ao extremo. Bocão foi shaper, criador das quatro quilhas, exímio big rider, produtor, cinegrafista, manager e sócio-proprietário do canal Woohoo. Já fez de tudo um pouco: uma revista para o segmento jovem de moda e comportamento em 79, programa de TV – o Realce em 83 que nos embalava nas tardes de sábado, o Vibração, o Ombak em 91 na MTV, campeonatos amadores com organização e estrutura de profissional.

 

Conclusão Os cariocas dominaram a lista. São cinco ao todo: Tito, Fred, Cauli, Pepê e Dadá. Três são paulistas: Tinguinha (paranaense de nascimento), Picuruta e Mineirinho, além de dois nordestinos: Fabinho e Burle e ainda o catarina Teco Padarataz.

 

Outros bons nomes poderiam também figurar nesse timaço. Ficam as sugestões: Rico de Souza tem a experiência. Rodrigo Resende e Taiu Bueno também são boas opções. Peterson Rosa e Neco Padaratz são sempre nomes fortes para um time que precisa de garra e muito go for it. Isso sem falar no “Russo” Roberto Valério que gostava de botar pra baixo nas maiores e colaborou imensamente com o crescimento do surfe nacional tanto dentro como fora d’água. Tem também o Paulo Tendas, Valdir Vargas, Jojó, Victor Ribas e o Jadson André como o mais novo representante dessa novíssima geração…

 

Como é normal, toda lista causa discussões e gera controvérsias.

Então, faça a sua…

 

Máurio Borges é surfe-repórter desde 87. Apresenta o Boletim Nas Ondas da Pan na Jovem Pan em Santa Catarina. Editor do Surf Guia Brasil. Seu blog é o Alohapaziada.


Murilo Graf é designer gráfico. Pega onda desde a época em que os dinossauros viviam na Terra. Desenhista, cartunista, um apaixonado pelas coisas do mar.