O Rio de Janeiro é um exemplo de cidade litorânea cercada por favelas – uma das consequências da miséria no sertão nordestino. Foto: Luis Henrique Leitão. |
Na semana passada, José Graziano, Ministro da Segurança Alimentar, cometeu uma gafe durante encontro com empresários da FIESP, em São Paulo, ao afirmar que “enquanto nordestinos continuarem vindo teremos de mandar blindar nossos carros”.
Graziano foi bastante preconceituoso e não atingiu o âmago da questão: a miséria que assola parte da população brasileira.
Poucos dias antes, o professor Aldo Rebouças, um dos mais respeitados da Universidade de São Paulo, deu uma entrevista sobre o tema, mas com outro ponto de vista. Não poderia ter sido mais lúcido.
De acordo com o professor, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva levou os ministros ao sertão do Piauí, e não a uma favela do Rio ou de São Paulo, justamente para mostrar onde a miséria de nosso país se inicia: nos grotões esquecidos por Brasília.
A falta total de condições de sobrevivência e expectativas faz com que as pessoas deixem suas terras em busca do mínimo para ao menos continuar existindo. Esse é principal motivo que faz pessoas partirem de seus locais de origem (como ocorreu com os imigrantes italianos, japoneses, espanhóis e tantos outros que vieram para o Brasil no início do século XX).
E assim elas acabam procurando as periferias das grandes cidades. Porém, ao chegarem, geralmente não encontram fartura ali, pois as grandes cidades há muito tempo não comportam a leva de multidões que chega diariamente. Portanto, os fluxos migratórios apenas acabam espalhando a miséria.
Como se não bastasse, o inchaço das cidades acaba criando fluxos migratórios secundários, gerados pela falta de emprego, violência, condições precárias de habitação, etc. Enfim, se olharmos a fundo, veremos que a miséria, após espalhar-se entre nordestinos, sulistas, paulistas, cariocas, brasilienses e outros tantos, gera violência, entre outras coisas.
Às vezes, o surfe pode ajudar a comunidade carente a ter algum tipo de evolução social, como acontece no Favela Surfe Clube (FSC), no Arpoador. Foto: Fernando Gaspar. |
A miséria chega sim às nossas principais praias, na forma de favelas em áreas de encosta e de mananciais, em ocupações dentro de unidades de conservação e áreas de proteção ambiental, e fatalmente nos atinge, seja pela violência seja pela poluição. Você acha que não? Preste atenção em como as regiões litorâneas cresceram nos últimos dez anos, sem a devida infra-estrutura.
É mais que urgente quebrar esse círculo vicioso, onde miséria apenas leva a mais miséria. O professor Rebouças afirmou que é preciso, mais do que dar comida, fornecer condições para os flagelados usarem a água, que sim, cai no sertão, mas é mal aproveitada.
Segundo o professor, é preciso adequar a agricultura ao clima e solo da região, que são ideais para o cultivo de frutas, flores e certos tipos de algodão. A rentabilidade seria cerca de 1000 vezes maior que o cultivo de arroz e feijão, que ainda por cima consomem excessivos volumes de água.
Por que isso não foi feito até hoje? Porque contraria interesses de políticos, fazendeiros e de outros grupos de poderosos, que preferem manter as pessoas sob seu domínio… A miséria só interessa aos que a exploram.
Mas a partir do momento que essa mudança começar, o sertão e o agreste vão se desenvolver e trazer riqueza (mais do que merecida) a seus moradores, e o ciclo migratório irá se inverter, sendo gerado dessa vez por riqueza e não por miséria. Se isso acontecer, será o fim da fome e então finalmente estaremos no caminho de sermos desenvolvidos de verdade.
E de quebra poderemos preservar alguns de nossos picos de surfe, pois, como apregoa o famoso fotógrafo Sebastião Salgado, preservação ambiental e justiça social andam de mãos dadas.
O governo Lula tem a faca e o queijo na mão. Rezemos para que consigam peitar e vencer os coronéis e seus podres poderes. É o futuro do Brasil que está em jogo.