Segredos de Sumatra

Session no paraíso deserto

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Gabi Cadore desfruta a direita mágica com o sorriso no rosto. Foto: DreamDeliver.com.

Fim de setembro na Indonésia e mais uma temporada chegando ao fim. Quero dizer, isto era o que eu pensava até ser convidada para ir a Sumatra a bordo de um barco alucinante, em busca de uma direita misteriosa e perfeita.

 

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Convite aceito e lá fui eu. Eu só precisava arrumar uma passagem até Padang, porto de onde o barco sairia.
Fui para o aeroporto na esperança de conseguir algum vôo. Devido ao Ramadhan (mês sagrado para os muçulmanos), estava tudo lotado.


Não sei porquê, mas algo me dizia que tudo iria dar certo. Afinal, era o meu sonho em jogo. Vinte minutos antes do último avião partir e lá vem o gerente da compania gritando: bagus, bagus.


Capitão Ashton exibe sintonia e tranqüilidade sob o lip. Foto: DreamDeliver.com.

Saí praticando aquele famoso cooper de aeroporto, coração na mão e tudo certo. Desembarquei às nove da noite. Peguei mais um ônibus e

às dez e meia lá estava eu diante de um veleiro de mais de 100 pés, dois mastros, quatro velas e motor ligado me esperando.


A cada segundo que se passava, eu me dava conta do quanto sortuda eu sou. Primeiro pelo convite da viagem, segundo pelo vôo de última hora e terceiro que eu iria viajar em um barco clássico. Para completar, a tripulação seria composta por seis surfistas, em um barco onde normalmente viajam de 12 a 14 pessoas, o que significa menos stress na hora do surf.


Na primeira noite rolou aquela socialização seguida de um sono chacoalhado pelas ondas do mar. Acordei, fui lavar o rosto e quando olhei pela janelinha do banheiro vi a cobra fumando. As ondas estavam perfeitas, tubulares e pouco crowd. Água, ação, barrels e mais barrels.

 

A trip só estava começando e o sorriso na cara da galera já era outro. O capitão Ashton, um garotão com seus 30 anos, que além de tudo é um ótimo fotógrafo, vem de uma família de velejadores. Junto com seu pai e seu irmão Carrick fazem charters há 8 anos.

 

Ele é conhecedor exímio da região e resolveu tocar em frente rumo ao próximo destino. Mais uma vez opção certa. Fim de tarde surreal, o pôr-do-sol mais dourado que eu já vi e só o nosso barco no pico.

Por três dias ficamos surfando ondas perfeitas, sem nenhum sinal de outras embarcações e de noite nos divertíamos escutando as histórias de velejador, mas que fique claro: de velejador e não de pescador.


Não podia acreditar, aquilo parecia um filme. Mar glass, altas ondas, surf com amigos no meio do oceano Indico, comida de primeira qualidade (muitas vezes peixes que pescávamos durante a navegação) e um capitão que além de surfar muito sabe exatamente a melhor decisão para cada session, um herói.


Duas histórias me impressionaram muito. Uma foi a da própria vida do Ash, um australiano de Adelaide, que desde 1999 se divide entre os dois barcos da família Bintang, que significa estrela em indonesiano e o Navistar, um veleiro menor mais cheio de estilo, pilotado por ele e por seu irmão.


Que diga-se de passagem, mostram serviço quando o mar sobe de verdade. O pai deles, Daryl, um coroa simpático e lendário. Incansável na arte de ensinar todos macetes do mar. E até hoje aos 60 anos continua botando pra baixo sempre que pode. Quando não estão na Indonésia, estão na Tailândia.


Numa dessas idas à Tailândia, (esta é a outra história que me chocou) Ash acordou com seu pai ligando e pedindo para ele dar uma olhada no barco, que estava passando por um check-up. Chegando lá, ele resolveu subir no mastro para ver o andamento da reforma de cima.


O inesperado. Lá do alto, a uns quinze metros do chão, pois o barco estava suspenso a uns 5 metros, mais o tamanho do mastro, ele avista uma massa d’água monstruosa, branca, que veio invadindo e destruindo tudo sem piedade.


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Carrick dropa atrás do pico. Foto: DreamDeliver.com.

Era o tsunami de 2005, a maior catástrofe natural da história da humanidade. Ele viu tudo e ainda teve tempo de fugir e sair ileso, para sorte dele e da população, já que nos dias seguintes ele e seu pai doaram duas toneladas de querosene, óleo usado em lampiões e para cozinha), além de roupas. Se mantiveram firmes e fortes ajudando os milhares que foram afetados por esta tragédia no norte da Sumatra.

 

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Bom, já no meio da viagem, alegria geral. Mas uma pulga atrás da orelha que não parava quieta, me lembrava a todo instante da tal direita misteriosa.


Fui conversar com o capitão e decidimos seguir viagem e tentar a

Direitas secretas e solitárias passam sozinhas pela bancada. Foto: DreamDeliver.com.

sorte, já que as condicões pareciam ideais para o nosso próximo destino. Navegamos por horas e horas. Dessa vez o mar estava

tranqüilo, lisinho e o vento a nosso favor. Chegamos antes do previsto.


Tomamos café da manhã ancorados bem na frente do pico. O mar estava pequeno. Hum, será que foi pra isso que eu viajei todos estes dias? Mesmo assim fomos pro surf. Pensando agora, vejo como fui precipitada ao sair da água frustrada, achando aquela onda ruim logo na primeira queda.


A condição não estava boa. Vento maral, maré cheia, onda balançada e a maioria fechava. Em todos os casos, eu estava amarradona, o visual ao redor era inigualável. Ilhotas com areia branquíssima, coqueiros e a água do mar mais azul turquesa já vista. Mergulhos e visitas aos vilarejos locais, completavam a trip.


Foi escurecendo e resolvemos dormir cedo para ver se no outro dia entrava o tal swell, que mais cedo ou mais tarde teria que chegar. A previsão era muito boa, 18 segundos de período e com o tamanho entre 2,8 e 3 metros.

Na mosca! Amanheceu com ondas bem maiores e bem mais perfeitas. Era claro, a onda tinha um potencial incrível, era rápida, longa, tubular e difícil de ser surfada, mas com algum treino prévio ou com surf no pé, dava pra calcular que ali poderia ser o tubo de direita da vida.


Mais um dia chegando ao fim, cansada mas cheia de vontade de surfar botei uma pilha em três tripulantes. Estávamos ancorados bem longe do pico, num lugar seguro, já que o mar estava crescendo. Pegamos o ding (barquinho inflável) e fomos “voando”, não tínhamos idéia do que encontraríamos por lá.


Sim! Era o motivo da nossa trip quebrando perfeito na nossa frente, sem ninguém na água! Uma máquina de ondas incansável, constante e quebrando só para mim e mais três fissurados.


Ondas grandes e pesadas quebravam sem parar. O vento terral segurava o lip, proporcionando tubos longos e profundos.


A vontade era de parar o relógio e surfar até não agüentar mais, chamar o fotógrafo e registrar cada segundo daquele acontecimento.


O reef estava mágico e colorido. A água era tão translúcida que dava para ver até demais o quanto raso e cheio de cavernas eram os corais bem embaixo dos meus pés. Peixes exóticos, golfinhos e o paraíso só para nós.


A direita misteriosa deu o ar da graça e quebrou por dois dias, lavando a alma da galera, que voltou agradecendo e com a certeza de que a vida é uma grande surf trip (palavras de um dos tripulantes). Que o caminho é longo, cheio de dúvidas e certezas. Que sonhos são para serem realizados. E ondas perfeitas e sem crowd ainda existem “in somewhere”.


Keep searching!