Sonho e realidade nas Mentawaii

Eduardo Zilinsky em Thunders, Mentawaii

Visual da Candy Island, nas ilhas Mentawaii. Foto: Daniel Arena/Liquid Trips.
Graças ao meu trabalho tive a oportunidade de conhecer em julho deste ano o arquipélago das Mentawaii, destino tão sonhado por quase todos os surfistas que já viram suas ondas incríveis em fotos ou vídeos de surf. Acompanhei um grupo de oito surfistas de Santa Catarina, a maioria de Blumenau e região, todos animadíssimos com a possibilidade de ficar 16 dias em um barco explorando a região.

 

Para quem não sabe, as Mentawaii ficam na costa de Sumatra, na Indonésia. Sumatra, ao contrário de Bali, tem população de religião muçulmana e é uma cidade com pouquíssima vocação para o turismo. Para falar a verdade é uma cidade sem belezas naturais, mas com um povo extremamente simpático e feliz.

 

Parece que quanto mais humilde o povo e o lugar que moram, mais felizes eles são. Tenho certeza que em vários lugares do mundo isso se repete, mas ali em Padang (cidade de onde saem os barcos, a 300km de navegação da primeira ilhas das Mentawai), nos nossos dois dias de espera antes de embarcar, pudemos sentir isso. Andando nas ruas, crianças e adultos fazem questão de cumprimentar todos nós, sorrindo e tentando treinar o inglês aprendido na Escola Básica.

 

Line up de Thunders, um dos picos mais cascudos da região. Foto: Daniel Arena/Liquid Trips.
“Hello mister”, é a frase que mais se ouve nas ruas. Sem dúvida é uma sensação muito boa, que te faz sentir feliz e bem, com mais empolgação para a aventura que segue…

A realidade, no entanto, é outra. A Indonésia é um país pobre, que fica muito a dever ao Brasil, e se você prestar atenção, o exótico e a pobreza se misturam constantemente. O surf nas Ilhas Mentawaii com certeza é a principal fonte de riqueza para aquela região, tanto para os donos de barcos, quanto para o governo local.

 

O arquipélago foi descoberto para o surf, em meados dos anos 90, quando um mergulhador-surfista australiano passou por ali para fazer um resgate de um navio madeireiro encalhado. Esse é um capítulo à parte, pois diversos navios madeireiros de Cingapura e Tailândia devastam as matas virgens das ilhas, sob vista grossa das autoridades locais…

 

Em nossa viagem cruzamos com esses enormes navios, algumas vezes carregados de troncos. Voltando ao australiano, ele resgatou o navio e descobriu as ondas.

Desde então, o local vem sendo mapeado e explorado para o surf. Em uma de minhas conversas com o capitão do barco, Tom Plummer, um australiano com mais de 40 trips às Mentawaii nas costas e que mora na Indonésia há mais de 10 anos, ele me confessou que praticamente tudo já foi mapeado para o surf, com todos as bancadas de qualidade já conhecidas.

 

O barco Naga Laut levou a galera em todos os picos do arquipélago. Foto: Daniel Arena/Liquid Trips.
As ondas mais divulgadas são com certeza Macarronis (esquerda) e Lance’s Right (direita), mas a quantidade de picos é muito grande, e as chances de você pegar sozinho é muito grande.

 

Saindo de Padang, em Sumatra, geralmente à noite, a maioria dos barcos se dirige a região de Lance’s Left / Right, pela constância das ondulações. Em caso de swell grande, pode-se ir direto mais ao norte (precisa de mais swell para rolar).

 

O nosso barco, Naga Laut, que a Liquid Trips representa aqui no Brasil, nos levou direto para Lance’s Left. Após quase 8 horas de viagem noturna, a expectativa era imensa. Uma boat trip é uma sensação que todos os surfistas devem experimentar pelo menos uma vez na vida. Nos faz sentir mais “homens do mar”, ligados com a natureza e sincronizados com as próprias ondas.

 

Chegamos perto das 8 horas da manhã, e após uma passada por Lances Right, que estava pequeno, chegamos a Lances Left. As ondas tinham pouco mais de um metro, com dois barcos na área, e caímos no mar algum tempo depois, sempre respeitando a prioridade dos barcos, e nunca caindo todos de uma vez.

 

Eduardo Zilinsky em Thunders, a onda do trovão. Foto: Daniel Arena/Liquid Trips.
Sem dúvida essa é uma aula de respeito para todos, pois a grande maioria espera sua vez para surfar, não rabeia e se seu barco está no pico, aguardam um pouco antes de cair. E nunca em grupo. É óbvio que existe gente mal educada no mundo todo e às vezes tem um mala na água… Às vezes dentro do seu próprio barco!

 

O primeiro surf em Lances foi muito bom, deu para tirar o mofo. O André, tripulante do nosso barco, deu azar em sua primeira onda, caiu depois de uma batida e foi de encontro ao reef, cortando os pés seriamente. Botinhas ali são muito importantes, pois o inside de Lances é afiado. O drop e a onda em si não são muito difíceis, mas ela não pára de abrir e você quer surfar até o final. É onde começa o perigo. Eu também senti o reef nas canelas e nas costas, e mais alguns surfistas do nosso barco. Quanto ao André, ficou uns quatro dias sem surfar, depois se recuperou e pegou altas ondas (de botinha é claro).

 

Próxima parada: Macarronis. Chegamos lá com a expectativa a mil por hora. Havia um barco com profissionais da Califórnia, todos com os logotipos expostos. Esperamos antes de cair no mar e pudemos experimentar um dia de ondas pequenas, mas muito perfeitas, no intervalo da queda dos pros…

 

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O paraíso certamente é muito parecido com isto… Foto: Daniel Arena/Liquid Trips.
Tom Plummer, nosso mais que experiente capitão, cantou a bola da vez e com a previsão de um swell, dormimos na baia de Maccas esperando pelo amanhã.
Durante a noite, o barco balançou, o que indicava a entrada do swell, e o berço gigante causou enjôo em alguns e adrenalina em outros, coisas de boat trip.

 

No dia seguinte, Macarronis começou a mostra suas mandíbulas. Ondas de 1,5 metros com drop casca-grossa, em pé… A parede das mil maravilhas se abre, após o drop. É o prêmio para quem está lá. Pegamos muita onda nesse dia, e com a saída do barco dos pros, ainda tivemos aquela onda por mais um dia só para nós…

 

Eu e o Eduardo Zilinsky surfamos a “lendária” onda do Kelly Slater (nota: surfamos uma onda que quebra seis vezes por ano, no máximo no meio da baía de Macarronis, um triângulo perfeito para os dois lados, e achamos que aquela era a onda surfada por Slater no vídeo September Sessions) sozinhos…

 

Daniel Arena em Telescopes, uma esquerda alucinante. Foto: Arquivo pessoal.
Com a aproximação do swell, decidimos buscar ondas maiores, na pilha da galera mais atirada. Tom Plummer, o capitão, obviamente não negou fogo e tocou o barco para aonde estariam as maiores.

 

Seguimos para o extremo sul das Mentawaii, em busca de ondas grandes, e para isso rumamos para o pico mais constante de todos, Thunders, a onda do trovão! A navegação por aquela região foi belíssima e após quase 5 horas de viagem ancoramos em Thunders.

 

O mar estava grande e pesado, apesar de totalmente perfeito. Tinha 8 pés (3 metros pelo menos) bem servidos. O caldo estava espesso, e para aqueles que desafiaram tomar um gole, Thunders ofereceu glória e desespero também.

 

Depois do big surf em Thunders, rumamos mais ao sul, para “o buraco” (The Hole), após uma votação mais disputada que eleição para governador. The Hole é uma esquerda buraco sobre rasa bancada, no extremo sul das Mentawaii, pouca gente esteve lá. Nós estivemos, surfamos uma manhã e voltamos, agora com o objetivo de pegar Lances Right.

 

O pico oferece ondas de sonho para todos os gostos. Foto: Daniel Arena/Liquid Trips.
Chegamos em Lances Right e estava mexido, realmente não era a trip das direitas, então decidimos tocar para o norte, na região de Iceland, Scarecrows e a lendária Telescopes, todas esquerdas, bem próximas uma da outra.

 

A região norte das Mentawaii é sem dúvida um dos lugares mais bonitos do planeta. Pegamos altas ondas em Iceland, que é bem constante, uma onda que quebra com até 12-15pés e deve ser insana nessas condições. Os picos não quebram sempre no mesmo lugar e tomar na cabeça ali é inevitável.

 

Surfamos também Scarecrows, e finalmente Telescopes, a melhor onda da trip e a melhor onda que já surfei na minha vida. Esquerda longa, manobrável, com dois tubos na mesma onda, rodando no mesmo lugar… Um sonho. Surfamos aquela região por mais de cinco dias e ainda voltamos lá antes de ir embora para pegar o último swell da viagem…

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