O ano está difícil diante do atual estágio de nossa economia. Os vislumbres para surf trip fora do país são menores, e quando menos se espera, pinta um convite para passar 10 dias na Indonésia. Pulos de alegria! Às vezes planeja-se muito e nada acontece. Então essa trip veio como passe de mágica.
Lakey Peak e redondezas funcionam bem com swell baixo, foi isso que escutei de Caio Faria, enigmático surfista de enorme potencial, mas que hoje atua muito na área do vídeo e programas de televisão fechada, como o recente programa da surfista Tatiana West Web, que rola no canal Off.
Aproveitando a passagem do meu filho Ian pelo Japão, onde corria o QS na região de Chiba e que pegaria apenas um voo, a barca foi formada e nos encontramos em Bali. Ian já estava acompanhado de Paulo Kid, técnico da Surf Co, como também de atletas como Victor Bernado e Jessé Mendes. Com alguns anos filmando a turma na estrada do circuito mundial e em seus treinos técnicos no Guarujá e por onde quer que passe, Kid já é um ótimo videomaker e também estava ali pra termos mais uma opção de captação de imagens, ampliadas ainda por João Collor, que me aparece também como um promissor videomaker.
Além dos já citados, embarquei no Brasil com a missão de acompanhar o “de menor” e mais novo contratado do time Hang Loose, Léo Casal, um grommet de apenas 11 anos e grande futuro pela frente. Por coincidência, conhecia Leozinho quando pequenino por intermédio de amigos em comum aos seus pais. E nosso embarque no aeroporto Hercílio Luz, em Floripa, foi de certa forma nostálgica, pois me fez lembrar e muito a primeira vez que eu e minha esposa deixamos Ian para seu primeiro embarque sozinho, mas acompanhado da equipe catarinense de surfe, para um evento no Ceará. Além do pai e mãe de Leo, estavam também seus avós paternos. Diante das lágrimas de sua mãe ao passarmos pelo raio x, logo perguntei: “E a saudade, Leo? De 0 a 10, está quanto?”. A resposta veio em um “Ah, tá de boa”.
No ato já percebi seu precoce amadurecimento e comprometimento que duraria pelo resto da trip. Encabeçando toda esta turma estava Tom Toledo, o cabeça do marketing da Hang Loose. Aliás, o bicho é uma espécie de faz tudo: chuta a bola, corre pra agarrar e ainda apita. Ou também, simplificando, um “Bombril”.
Aliás,o intuito principal dessa trip repentina foi captar material para criação (marketing) em todos os patamares, de ação ao life style. No hotel em Bali, nos encontramos com Victor Lagnado, recém-formado em “facú” californiana e que estava ali com seu amigo de infância João Collor havia uma semana. Victor dá sinais de que possivelmente tocará o legado de seu pai, Alfio Lagnado, na Hang Loose, pois já há algum tempo vem mostrando muito interesse nas coisas que dizem respeito à marca.
Barca formada e já estávamos no stress do chek-in da Lion Air tentando embarcar todas as nossas pranchas (18 ao todo), pois outros surfistas com o mesmo destino já haviam o feito e com isso reduzia nosso espaço na pequena aeronave turbo hélice.
A decolagem no aeroporto internacional de Kuta nos deixou atônitos, pois uma enorme quantidade de linhas marchavam tanto em Kuta Reef como em Airport Rights.
No sobrevôo, fiquei perplexo com a quantidade de novas construções e outras tantas em andamento que haviam na ilha. A última vez que tinha pisado ali havia sido em 96 ou 97, no último WCT em Grajagan. As direitas de Sanur pareciam incríveis, porém mais incríveis ainda estavam as esquerdas de Desert Point quando sobrevoamos também esse pico poucos minutos depois.
Nossa… Na hora Caio Faria falou ”Tá arriscado até estar um pouco passado pra Lakey Peak”. Chegando lá, no meio do dia, constatamos o mar grande, incluindo um vento meio maral não muito favorável. Bate aquele Nasin Goreng, descansa um pouco e logo toda a turma já estava motorizada. Partiu pro surf check, galera! Em todos os picos as ondas estavam meio passadas pelo tamanho do swell, mas também com vento desfavorável naquele momento.
Depois do reconhecimento dos picos, voltando ao hotel Amangati, pilhei a turma pra cair ao fim de tarde ali mesmo em Lakey Peak, já que o vento parecia começar a dar uma acalmada. Fomos eu, Ian e Caio, mais conhecido também como Tatá. Algumas séries de 6 pés entravam com certa frequência e um australiano já desfrutava com apenas mais um companheiro. Esqueci seu nome, mas o cara era super gente boa e logo fizemos amizade.
Como observei que o mar estava com um tamanho e não conhecia o pico, peguei logo minha 6’4”, minha maior prancha, com largura e bastante borda. Na primeira investida dropei de certa forma atrasado, mas consegui manter a linha e segurar as trepidações que vinham proveniente de uma forte corrente do canal, que em algumas ocasiões fechava.
Caio e Ian pegaram algumas quando as séries começaram a entrar com mais frequência. Vi o australiano pegar uma boa e levar um bom caldo, mas nada de mais havia acontecido. Em uma série maior que entrou, com cerca de uns 8 a 10 pés, virei a prancha e remei com tudo pensando estar bem na fita. Pura ilusão: aquela corrente contrária fazia a onda encavalar em fração de segundo, e quando me dei conta já estava dropando totalmente no ar. Não tive a mínima chance e a lapada foi forte.
A maré estava cheia e não cheguei a tocar no fundo, mas fiquei submerso por um bom tempo antes de emergir. Devido à corrente, não me distanciei muito e acabei tomando outra onda enorme na cabeça. O caldo foi pior ainda e ali usei técnicas que havia aprendido em curso de apneia em Floripa com o mestre Cristian Dekequer em abril passado. Só lembrava que não podia soltar o ar de forma alguma e mantive a calma até que a superfície fosse clareando. Mas, antes disso, acabei também metendo o pé no fundo pra poder ter maior impulsão, afinal já era meu segundo longo caldo. Com a prancha quebrada ao meio, olhos arregalados e exausto, tentei chegar ao palanque que fica no reef, mas a corrente não me deixou encostar.
À noite, comecei a sentir dores na costela e dificuldades para completar a respiração. Apesar de não ter colidido com a prancha, o impacto do caldo poderia ter causado algo. Bom, era apenas meu primeiro dia e estava feliz de ter caído no pico pra tirar o “ranço” da viagem. O dia seguinte prometia e a turma acordou à noite, até em virtude também do fuso horário (estávamos 11 horas à frente do Brasil).
Uma caravana de motinhas formou-se rumo a Periscopes e na trilha outros surfistas de diferentes nacionalidades também apareceram com o mesmo objetivo. O visual do pico clareando foi magnífico, paredes de 4 a 6 pés entravam a todo momento. Um certo número de surfistas formava o line up, mas tinha onda para todos, embora em alguns momentos as séries ficavam um pouco demoradas.
Apreensivos com o “pirráio” de 11 anos, ficamos antenados com Leo, pois em mar maior e subindo, merecia atenção. Mas nada como um bom canal para ele logo estar no trilho tentando entubar. “Nossa, que moleque ligeiro”, pensei. Ian também já vinha riscando as ondas em seu backside e “estolando” para um “barrel” em alta velocidade.
Fui com uma prancha 6 pés, pois não sabia o real tamanho do mar. Depois de duas ondas que fecharam em minha frente por estar muito atrás do pico, decidi trocar por uma menor, pois não estava conseguindo me encaixar. Nesse meio termo sempre via Leo e Ian em belas ondas, e nesse momento as três câmeras de vídeo e uma de fotografia estavam direcionadas para a ação. Tom e Caio acabaram se agilizando, arrumaram uma “baitêra” e logo estavam no canal com um visual incrível. Já Kid ficava em um ângulo lateral e João em um ângulo frontal.
O mar ia subindo e as séries de 6 pés ficavam sólidas. Ian pegou vários tubos, bem como alguns australianos, americanos e espanhóis. Mas, falando em australianos, a turma é incrível. Pela proximidade com a Indonésia e pela própria qualidade de ondas em seu país, os caras sempre entubam muito, dropam as morras e fazem linhas perfeitas.
No dia seguinte, mais Periscopes. Quando achávamos que o mar iria baixar um pouco, ao fim da manhã, algumas séries espaçadas entravam com tamanho, tendo inclusive uma delas quase pegando de supetão o barco de um fotógrafo indonésio que pilotava e fazia os cliques. Mesmo com o mar maior, Leozinho mostrava disposição. Deu uns late take offs, tomou umas na cabeça e levou outras tantas vacas. A real era que sua estatura não combinava com o tamanho das ondas, fazendo-o capotar algumas vezes quando bumps passavam em sua frente. Leo foi o segundo cara que mais vi levar vacas engraçadas e curiosas. O primeiro foi o Everaldo “Pato” Teixera em seu filme Psicopato. Por aí vocês tiram o naipe das estripolias do moleque (risos).
Ian brincava nos tubos de backside, mostrando muita intimidade com os layback barrels, o que às vezes era até perigoso no inside, quando a maré se aproximava da seca. Peguei bons tubos nesse dia e quando começava a me encontrar quebrei uma das quilhas da minha 5’8”. A opção da prancha reserva foi uma 6 pés. Fiquei mais duro, no entanto mais confortável nos drops em ondas maiores, embora quando chegava ao inside tivesse dificuldade de manobrar. Bom, se bem que a maioria era tubo. Que dia!
O fim de tarde foi em um Lakey Peak de grandes proporções. Vi ondas de uns 12 pés de face. Ian puxou o ritmo e pegou umas bombas, mas as maiores não tinham condições de drop. Eram cavernas muito rápidas, lembrando totalmente Teahupoo e Pipeline em seus dias de ondas pesadas. A real era que gostaria de ter visto uma galera de peso ali, pois até o próprio Ian, que estava se jogando, teria puxado seu limite.
Confesso que, com as costelas lascadas, sem conseguir fazer uma boa respiração, fiquei bastante cauteloso – pra não dizer com um medo da bixiga -, pois se levasse outra vaca estaria em maus bocados. Senti falta também de minha 6’4”, pois ela teria me dado um pouco mais de confiaça. É aquela coisa: com prancha grande e boa de remada o cabra fica um bocadinho mais macho.
À noite a turma descobriu um ótimo restaurante. Trata-se do Fatimah’s. Sonzinho ambiente, muitas Bintangs para os que curtiam e sucos naturais para os mais conservadores e “groms” como Leozinho. Ali rolava um espécie de reunião de todos os grupos. O rango era uma delícia e acabei ficando fã do Fish and Chips.
No dia seguinte, antes de o sol raiar, Ian já havia entrado em Lakey. Chegou com belos tubos gravados em sua câmera aquática. Partimos mais uma vez para Periscopes e, chegando mais tarde, uma galera já se encontrava saindo do pico. Nos divertimos, inclusive Victor “Tita” Lagnado mandava drops alongados e viradas com estilo. Lá pelas tantas se empolgou e, ao dropar atrasado, rodou com o lip. Subiu rindo, não sei se de adrenalina ou de pura zoação, pois quem o conhece sabe. O “bichim”, tal como o pai, gosta de uma bagunça.
A essa altura, Leozinho já estava solto nas longas direitas e queria entubar a todo momento. Seu surfe de costas pra onda é forte, o moleque não parava de evoluir.
Ian arrisca vários aéreos altos. Acertou alguns e errou outros. Às vezes até ficava preocupado, pois ali não era o melhor lugar pra se machucar. Ainda bem que nada além de prancha quebrada foi ocorrido.
Entre os descansos, as imagens eram analisadas. Bonitos ângulos em terra e mar. Paulo Kid sempre em plena análise com Leozinho, que não tirava o olho da tela do computador. Naquele fim de tarde, rolou a produção de life style no caminho para um pico chamado Coboelstan e adjacências. Que lugar mágico! Percorrer as trilhas de barro era o mais puro sonho de uma surf trip de verdade. Aquilo me remetia à época em que estava em Bali e percorria de motinha os caminhos estreitos e escorregadios para chegar a Uluwatu.
A turma captou excelentes takes e Tom aproveitou pra clicar a linha de novos produtos da marca, afinal aquele momento sublime condizia muito com o espírito da Hang Loose. Tirando as picadas de muriçoca, lógico. Luz caindo, hora de evitar uma possível malária. Vixe!
Depois de um dia de muito surf em Lakey Peak, incluindo direitas e esquerdas, foi a vez de surfarmos Coboelstan, já que o mar havia dado uma leve baixada. A onda é muito boa, corre rente às pedras e ao fim encontra-se com uma junção vinda de uma bancada mais rasa. No momento certo da maré, fica perfeita pra alçar altos voos. Ian fez a mala e deu um tão alto que rachou sua prancha ao meio. Do outside foi possível ouvir o barulho da quebraceira.
Nesse pico, era possível também fazer bons tubos. Fiz uns três bons e Ian fez outros tantos. Leozinho também se entocou e alguns australianos e americanos também tiveram os seus. Havia pouca gente e uma fila era respeitada decentemente. Surfamos ali por dois dias e as sessions foram ótimas e perfeitas para captação de imagens.
Ali e nos demais picos, também surfamos com a promissora surfista portuguesa Tereza Bonvalot, de apenas 16 anos. Dedicada e atirada, apresentava um surfe bonito e redondo. Acompanhada de sua mãe Paula e da irmã Eleonôr, que estava sempre filmando, Tereza estava sempre na água. Ainda iremos escutar falar e muito desta lusitana no circuito mundial, pois tem um enorme potencial.
O mar, que não baixou além dos 4 ou 6 pés, subiu mais uma vez. Lakey Peak proporcionou séries grandes e uns “ratinhos catitas” chamaram atenção. Não lembro dos nomes dos garotos locais, mas o que tinham de franzinos, tinham de técnicos e atirados. Além de droparem ondas com tamanho, entubavam muitíssimo bem. Era uma festa com eles na água em dias menores, mas com certeza mostraram atitude ao caírem no maior dia.
Um onda longa proporcionou uma session excelente em um fim de tarde ensolarado. Nungas era o nome da esquerda que não parava de alongar-se à frente. O tubo era um pouco difícil, mas a quantidade de batidas e rasgadas que proporcionava fazia a cabeça. O ruim era a distância e a correnteza na volta ao pico, pois nos deixavam exautos.
No último dia da trip, mais um fim de tarde excelente por lá. Dessa vez, tivemos a companhia de Caio Faria e João Collor, como também de Paulo Kid. O mar tinha séries de 8 pés no outside e foi lá que a “baitêra” soltou Ian, Caio e João para um série monstra os pegarem logo de cara. Ian pegou a primeira, o resto tomou na cabeça e João, em particular, ficou bolado, pois nunca tinha caído em ondas grandes como aquela. Caio deu boas batidas e rasgadas, bem como Kid, que, em sua segunda session no pico, estava maravilhado com a onda. Leozinho, depois de um dia de descanso devido a uma forte insolação, aproveitava a saideira, pois na madrugada seguinte seria hora de partirmos.
Semana intensa, swell além do esperado. Tiramos na loteria e o custo-benefício da viagem, em tempos de crise para brasileiros, foi ótimo! Golaço, galera cabeção e voltando pra Bali feliz. No hotel, aquela massagem relaxante, pois a maratona de volta seria grande. Em breve, websódios de nossa trip. Terima Kasih Indonésia!