No fim do mês de julho, Santa Catarina receberia um grande swell em meio a uma considerável frente fria. No mesmo período, estava marcada uma “clínica” de surfe em que eu participaria. O convite havia vindo do The Search House, um sofisticado “hostel” localizado na Barra da Lagoa, em Florianópolis.
Durante uns dois meses divulgamos o evento, e antes da data marcada o grupo já estava formado, com surfistas vindo de diversas partes do Brasil. Durante as apresentações, ressaltei o ineditismo da minha participação, afinal aquela seria a minha primeira empreitada em uma ação assim.
Em uma manhã de terça-feira que começava a esfriar, havia muita expectativa por parte de todos, e mesmo as condições quase mínimas para a prática do surfe não desanimaram a galera. Com o pico da Barra da Lagoa totalmente flat, partimos pro norte da Ilha, passando pela praia do Moçambique, que se encontrava com a bancada um pouco cheia para marolas e séries na altura do joelho e bem demoradas.
A opção acabou sendo o canto esquerdo da Praia do Santinho, onde com o banco de areia mais raso proporcionava uma condição mínima pra galera tirar o ranço da viagem e começar nossa “alegria”.
O nível dos participantes ficava entre iniciante e médio avançado, mas, por ser o primeiro dia, até a turma que surfava melhor estava no clima de estreia. Surfamos por cerca de duas horas naquelas marolinhas, e nesse meio termo me desdobrava pra assistir a turma e também surfar algumas ondas. Ora estava no outside, ora ficava mais ao inside vendo algumas ondas da galera, afinal, como parte da nossa “clínica”, todas as noites seriam reservadas para uma foto e video análise de todos.
Para isso, um esquema foi montado em parceria com a turma do Shot Spot, um grupo de fotógrafos e videomakers criado há algum tempo e que vem crescendo e agregando ótimos profissionais. Guto Penteado, Cadu Fagundes, Magnum Gonçalo e Igor Zanin ficavam em diferentes ângulos e atentos a todos os momentos, fazendo uma parceria perfeita pra que nada fosse perdido.
Meu compromisso com a turma eram às manhãs, durante o surfe, e à noite, durante as fotos e vídeo análises. No período da tarde, os participantes ficavam livres, mas sempre com apoio do pessoal da The Search House. Os que queriam dar outra queda, davam, os que queriam passear pra conhecer as belezas de Floripa, faziam o ilha tur, e ainda tinha os que gostavam do “carrinho”, pois nas dependências do hostel havia uma divertida mini ramp. Para aqueles que queriam relaxar e soltar a carcaça, aos fins de tarde rolava aquela prática de Yoga com a instrutora Thais.
A primeira noite de vídeo análise foi interessante, pois estávamos ainda nos entrosando e a turma estava muitíssima atenta. As marolas naquela manhã na praia do Santinho estavam bem fracas, mas já dava pra ir analisando e absorvendo os toques, não só meus, mas também da turma do Shot Spot, que também conhece bastante de surfe.
Listando os participantes, havia dois grommets – Yuri e João Vitor, ambos com 13 anos de idade e acompanhados de seus pais, Ana Cáudia, que não surfava, e Francisco, que pegava umas ondas, mas estava com problemas na lombar e preferiu ficar fora d’agua acompanhando atentamente ao filho. Os moleques almejam o surfe profissional no futuro e foi legal ver o estímulo de seus pais em trazê-los para a “clínica”, que, ao meu ver, foi mais um “surf camp”, digamos assim.
Yuri me pareceu mais focado no desenvolvimento profissional naquele momento e achando a pegada de João Vitor da mesma forma, no entanto, um pouco mais tranquila, relax. Mas um acabava incentivando o outro, puxando o limite, e a evolução já partia dali. A única menina do grupo era Luisa, de 24 anos e recém-formada em Arquitetura. Simpática e antenada no surfe, trouxe um excelente book com sua conclusão de curso, intitulada “Da Mata ao Mar, conexões humanas e alinhamentos com a natureza através do surfe”.
Achei o projeto muitíssimo interessante, então olhe aí um belo de um intercâmbio rolando! Luisa veio acompanhada de seu pai, Alberto, que pegava suas ondas em um longboard em total relax. Tem uma galera no Cerrado que respira surfe, e de Brasília veio Rafael, que acabou recebendo carinhosamente o apelido de Calango. O cara toca um projeto chamado “Surfe do Cerrado” e veio em busca de se aperfeiçoar para repassar aprendizagem aos seus alunos quando voltasse ao Lago Paranoá e adjacências. Extrovertido, estávamos sempre dando boas risadas com ele. Aliás, o que mais fazíamos era dar risadas, e nessa também tínhamos o Bruno, que, também amigo de faculdade de Luisa, trajava uma vasta cabeleira e era cheio de estileira quando subia na “tabla”.
Cassio, natural de Criciúma, mas que reside em Camboriú, onde cursa faculdade, veio em busca de evolução e com uma boa prancha, mas em alguns momentos lhe faltava remada. Aliás, esse era um quesito que acabamos evoluindo no surf camp, ou seja, escolha de material adequado para cada condição. Lucas, mineiro residente na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, chegou ao grupo e logo deu pra observar que tinha uma boa base em seu backside, no entanto, sua pisada era um pouco avançada, o que era bom pra correr no trilho, mas que dificultava um pouco nas manobras.
Tirando os grommets, mais três surfistas tinham um nível mais avançado: Maurício Vaquero, de São Paulo, Juliano, de Curitiba (lojista), e Leandro, de Porto Alegre, que é médico. Esses caras já tinham uma boa base e um nível mais avançado. Mostraram isso quando as ondas iam ficando maiores, assim como Roberto, catarinense que ingressou no surf camp disponibilizando também nosso transporte, já que era proprietário de empresa de locação de vans, e de quebra recebemos a companhia do nosso “motóra” Goy, que acabou ganhando o apelido de Kahuna. Uma figura e muito atencioso! Aos seus cuidados, “Kahuna” nos levou ao litoral sul catarinense em duas oportunidades, uma para a praia da Ferrugem e outra para a praia do Rosa (canto sul).
A logística para preparar toda essa galera era acordar de madrugada no hostel e sair da ilha antes do famoso trânsito local, que, pra nossa sorte, era de contra fluxo em sua grande maioria. O surfe na Ferrugem foi de marolas, com mar subindo levemente. Visual paradisíaco e a turma ia se empolgando nas valas. Surfamos ali por umas duas, três horas, e na hora da saída boas séries já se apresentavam. De cabeça feita, bate-volta pra Floripa e na manhã seguinte já estávamos aportando no Rosa com direito a espetáculo de golfinhos surfando e dando aéreos nas ondas. Quase ninguém na água no momento em que chegamos, mas cogitando um outro possível pico melhor, lá estávamos todos na van perdendo tempo nas estradas das redondezas. Mas ali, já logo de cara, aprendemos a lição, pois o outro pico checado não estava bom, e ao voltarmos ao Rosa, uma galera considerável já se encontrava na água. Mas valeu o passeio pra turma conhecer, afinal tudo ali era novidade e fazia parte do surf camp.
No Rosa, sob a superfície lida proveniente da boa situação geográfica da praia em relação ao vento sul, ondas bem divertidas iam subindo, dando sinais do big swell que chegava aos poucos ao estado. À excessão do mister Alberto, que acabou congelando um pouco, todos pegaram boas ondas e era alegria pura. Durante as análises das imagens, era possível ver as ondas de todos, e a cada manobra completada as palmas e incentivos eram muitos. As vacas ou vacilos também eram comemorados na mesma intensidade, afinal, depois de três dias de convívio, a turma já estava à vontade, como se fosse uma grande família. E nessas alturas, todos já eram analistas em surfe, como também auto críticos eficientes. O surf camp começava a tomar corpo.
No nosso quarto, dia o swell pipocou! Uma grande ondulação encostou forte no litoral catarinense. Era a hora de tentarmos surfar em frente às instalações da The Search House, na Barra da Lagoa. Manhã ensolarada e o mau tempo que estava nos amedrontando deu lugar a um dia espetacular e ensolarado. Nesse dia, ganhamos mais um reforço na captação de imagens com a chegada do drone da FCfia. Felipe era o nome do comandante da aeronave não tripulada. Também ganhamos a companhia de Julio Terres, hot surfista profissional do estado que trouxe um surfe potente e acrobático pra inspirar a molecada e deixar os marmanjos abismados com suas destrezas também nos tubos.
E por falar em tubos, esse foi o dia. Com ondas entre 3 e 6 pés de face, os mais experientes tiveram um dia de treino digno de surfista profissional. O mar, que achávamos estar menor e mais fraco na hora em que checamos, na verdade mostrou-se de difícil penetração para parte do grupo. Os que não conseguiram varar a arrebentação foram surfar no molhe da Barra, onde uma onda menor vinha lambendo as pedras e facilitando o surfe dos aprendizes e iniciantes. Já a turma que entrou mais ao meio da praia começou a ter parada dura. Logo de cara, os moleques tomaram canseira e alguns caldos os deixaram em alerta. Já os marmanjos, depois das primeiras dificuldades, começaram a se divertir, principalmente com a chegada dos videomakers / fotógrafos aquáticos Guto Penteado e Magnum Gonçalo.
Algumas “réguas” marchavam em nossa direção, e depois de algumas fechadeiras, outras eram premiadas. A turma do Shot Spot incentivava mais que tudo a remada para os late take offs. “Rafael Calango, com uma pequenina prancha Xanadu 5’7”, entrou e fez de cara a foto da vida e da trip. Ao voltar ao fundo, estava em estado de êxtase. Juliano e Leandro começavam a se soltar e Lucas mostrava que sua base era eficiente para aqueles drops de ondas muito cavadas.
A toda hora ressaltávamos que o drop tinha que ser no intuito de um half pipe, ou seja, dropar jogando o peso pra baixo e pra lateral, afim de encaixar na curva da base e no trilho a seguir. Julio Terres achou alguns tubos secos e as imagens logo eram analisadas na própria caixa estanque, pra felicidade dele e do fotógrafo. Maurício Vaquero achou a onda mais aberta do dia e desferiu algumas rasgadas de backside. Na água, recebemos o reforço dos proprietários do The Search House – Rafael, Felipe, João Pedro e Faustin.
Rafael acabou quebrando sua prancha novinha em poucos minutos e os demais pegaram algumas fechadeiras com direito a late take offs e uns wipe outs, como Felipe, que despencou seco e levantou sorrindo. As fotos desse dia ficaram lindas. Durante as análises, todos estavam empolgados, e ao fim da resenha as “Coronas” na “faixa” que tínhamos anunciado deixaram a turma ainda mais solta. Que alegria!
A semana passou rápido, o swell estava presente com uma força demasiada, a ponto de termos que rodar pra escolher um lugar em que todos pudessem usufruir. A praia do Moçambique estava simplesmente gigante e ótimo para um tow in. Paredes de 6 a 8 pés marchavam abrindo, mas sem a mínima condição de varar na remada. Praia do Santinho também se mantinha grande, e depois de algum tempo checando resolvemos cair na praia dos Ingleses, com ondas cavadas de meio a 1 metro, ora fechando, ora com bons triângulos abrindo.
Toda a turma já estava solta e mostrando a evolução da semana. Foi o melhor surfe que vi de Luisa e dos moleques, pois estavam soltos na vala. Cassio, que mostrava certa dificuldade nos drops, já estava mais ágil, da mesma forma Bruno, que trouxe uma prancha com pouca flutuação para o seu biotipo, pegou um funboard e se divertiu.
Lucas “Luke Slater”… É, rapaz, o cara ganhou o sobrenome de Slater, e já com a base mais atrás, contornava melhor as ondas. O “calango” Rafael pegou uma boa direita com manobras rápidas, assim como Vaquero em uma esquerda. Juliano, com sua “tabla” com design “ráiado”, tava amarradão, e até o doutor Leandro, que não havia gostado do mar à primeira vista, já tava na água se divertindo. Mister Alberto curtiu estar na água, mas se divertiu ao sair para curtir a evolução da filha Luiza, bem como Francisco e Ana Claudia com os flhos Jõao Pedro “John John” e Yuri.
Robertão, o dono da van e morador local, apareceu no pico depois do meio-dia, sorridente. Havia perdido a “session”, mas estava com a esposa e disse ter curtido a “night” passada. A galera só pôde dar mais risadas e partimos pro rango no restaurante “Moçamba”, no bairro do Red River (Rio Vermelho). Que rango!
Noite de despedida! Todo mundo alegre e amarradão. Durante a projeção das imagens, Robertão, que havia surfado pouco, mostrou onde estava no rip, pois havia ido junto com “Calango” fazer um wake surf. Manobras incríveis, incluindo loopings e escambau, com direito a aplausos de toda a turma.
Em clima de despedida, a camaradagem, que já era esplêndida, continuou com os abraços, fotos pra posteridade, mensagens e a ciência de que tínhamos passado uma semana maravilhosa. Na base do compromisso “descompromissado”, tal como havia relatado no início, por ser a primeira “clínica” e de que éramos cobaias, talvez essa tenha sido a melhor delas, pois tudo fluiu naturalmente e no mais puro alto astral.
Valeu, galera! Foi um prazer conhecer todos e ter feito esse intercâmbio maravilhoso, pois a troca de informacões e experiência foi mútua e muito mais que as linhas tecladas aqui. Até “mashx”, gurizões!