Quando viajamos estamos sujeitos ao inesperado. Pode dar tudo certo ou pode dar tudo errado. Se der certo, terá os melhores momentos de sua vida. Se errado, a melhor lição. Esse é o espírito da viagem, ser surpreendido por qualquer adversidade, boa ou ruim, e extrair o máximo de proveito delas.
Quando viajamos para outro país para surfar esperamos realizar nossos sonhos. O máximo de ondas com o mínimo de pessoas surfando. Se possível só os amigos que compõem a barca. Queremos ver o desenho do rodapé do caderno da escola se tornar realidade. Ondas perfeitas, sol, coqueiros, tubos e água fresca.
Mas viajar também não é só surfar altas ondas, é aprender lições para a vida. Não há uma viagem em que nosso ponto de vista sobre diversas coisas não mude. Referências novas que ampliam nossas idéias, nos faz refletir sobre o que somos, o que temos, aonde vivemos, o que precisamos e o porquê das coisas.
O contato com outras culturas, conversar com pessoas com uma educação diferente é a grande lição de viajar. Ouvir suas histórias, diferentes pontos de vista, aprender sobre a política, história e cultura de outros países, ouvir de um estrangeiro sua imagem sobre o nosso país, faz parte dessa aula.
Assim criamos senso crítico e podemos nos situar melhor como cidadãos do mundo. Noções de respeito, dignidade e humanidade acima de tudo. Ficamos mais conscientes, implantando em nosso cotidiano atitudes diferenciadas, lutando pelas coisas boas, denunciando as coisas ruins.
Lembro de minha primeira queda em águas australianas, com a prancha embaixo do braço, rumo à praia, sonado e avoado pelo fuso horário, ao pisar na faixa de pedestres para atravessar a rua, o senhor que guiava seu carro parou imediatamente.
A essa altura eu estava estático em cima da calçada esperando que o carro continuasse seu trajeto. No ?deixa que eu deixo?, que durou vários segundos, um olhando para o outro feito primeiro contato de extraterrestres, o motorista acenou para que eu cruzasse a sua frente, o que fiz agradecendo pela boa vontade daquele senhor, o que o deixou sem entender nada.
O que era um costume para ele, para mim, um paulista que foge dos carros ao invés de trocar de calçadas, se tornava o primeiro contato com a educação de um país civilizado. Hoje, continuo fugindo dos automóveis, mas quando estou dentro do carro sempre paro para que pedestres tenham a preferência.
Ao me deparar com a corrupção dos guardas rodoviários peruanos constatei que a pobreza dos países latinos é generalizada.
Houve um dia em que, dirigindo pela Rodovia Pan-americana, fomos parados cerca de quatro vezes em menos de uma hora. E os guardas com a mesma ladainha, dizendo que estávamos desrespeitando as leis peruanas e teríamos que pagar uma multa diretamente a eles pelo ocorrido.
No fim, as coisas se acertavam com cópias das camisetas da seleção, mas ficavam as marcas da corrupção, da falta de recursos, seriedade governamental, e da maneira como nossa América foi colonizada. Conseqüências práticas da história.
As roubadas são o ponto máximo de qualquer viagem. São delas que saem as maiores risadas, pelo menos depois da ?trip?.
Sem esses perrengues os avôs não teriam o que contar para os netos. Por mais cascudo e sofrido que tenha sido o aperto, depois vira gargalhada, histórias de boteco e assunto de ?outside?.
Sobreviver a essas dificuldades em uma viagem é evoluir como homens, como seres humanos. Faz parte de nossa inteligência, que é a capacidade do indivíduo de se adaptar a novas condições de vida.
Fazer amizades, controlar situações de raiva, desespero, saudades, mesmo saber dosar nossa sede em direção ao pico e sorrir para o local chato que te rabeou pela terceira vez. Assim como devemos nos impor com as injustiças cometidas em nossa casa ou enfiar o rabo entre as pernas e pedir desculpas quando erramos. É tudo sobrevivência e vivência.
Como em qualquer viagem, chega a hora de voltar, deixar o paraíso, o sonho realizado e voltar para o cotidiano.
Pular novamente para dentro do carrossel e voltar a trabalhar, continuar pagando as parcelas da passagem e se contentar em matar as saudades dos lugares e das ondas somente olhando a foto emoldurada pendurada na parede, como se fosse um troféu.
Retornando ao Brasil, ainda temos de superar a ?depressão-pós-viagem-com-altas-ondas?, que bate toda vez que vamos surfar em nosso litoral. Ondas fracas, cada vez mais escassas e sem qualidade fazem parte de nossa realidade, o que ao menos nos deixa motivados para começar a planejar a próxima barca.
Para compensar, em nossas areias temos as mulheres mais lindas, em nossas cozinhas as comidas mais saborosas, em nosso povo o astral com mais energia, e isso tudo aliado ao melhor clima sem tufões, terremotos e tsunamis.
Isso vale a pena em viajar, aprender a valorizar e lutar por nosso país abençoado por Deus e bonito por natureza.