Preparativos para mais uma viagem em busca das ondas. A família de surfistas prepara a caranga com todo o material necessário. Destino : Saquarema… Fazem parte da barca minha esposa Luciane, minha meio filha amiga inteira, Paola, e meu cachorro Sereno, um labrador completamente desmiolado.
Uma típica família praiana que não causaria nenhum tipo de desconfiança, não fosse a meia dúzia de longboards empilhados na caçamba da S10… Longboards… isca de rodoviário mal intencionado.
E as previsões se confirmam… 10 horas de viagem até Saquarema, regadas de 7 gerais monstro em busca do baseado perdido. Nada é poupado… pote de geléia, saco de parafina, carteira de documentos, porta luvas, creme de barbear, etc. Incrédulo com o fato de não ter achado o que procurava, o policial olha para o meu cachorro e emenda:
E o vira-lata aí? Por que está com o olhos vermelhos?
– Olhos vermelhos? Ele é o Sereno seu guarda… é assim mesmo… ele é dorminhoco e fica com os olhos vermelhos…
Dorminhoco o escambau, esse cachorro não me engana não… olha a cara dele… pra mim ele é um puta de um beloteiro e veio estourando um aí na caçamba… Quando me viu comeu a bagana e fingiu que tava dormindo… Cachorro de surfista é tudo assim… além de maconheiro é cínico… Tá todo mundo em cana !
Pensando bem, não importa quem esteja dirigindo a caranga… poderia ser até mesmo a Hebe Camargo e a Ana Maria Braga… Tem prancha? Geral na certa!
Entra ano e sai ano… surf na TV, nos jornais, nas revistas e… no incosciente coletivo da população: nem todo maconheiro é surfista, mas todo surfista é maconheiro… Dá pra escrever uma tese sobre essa afirmação, tamanha é a quantidade de variáveis que envolvem este tema.
Maconha, hashish, bangh, ganja, diamba, marijuana, marihuana… Afinal de contas, qual é a dessa plantinha?
Extratos da planta haxixe, Cannabis sativa, que costuma crescer em regiões de clima temperado e tropical, contêm a substância ativa (1-tetraidrocanabinol (THC). Marijuana ou maconha é o nome dado às folhas secas que comumente são fumadas; o haxixe é a resina extraída.
Durante séculos essas substâncias foram usadas com vários objetivos medicinais. O professor Carlini, da Escola Paulista de Medicina, relata em seu livro Medicamentos, drogas e saúde, que a maconha era utilizada como anestésico há quase 5.000 anos, na China. A medicina ayurvédica da Índia também utilizou a maconha como analgésico, hipnótico e espasmolítico.
Acredita-se que a maconha tenha chegado na América do Norte pôr volta do século XIX, trazida por imigrantes, e começou a se tornar um problema social no início deste século; foi legalmente banida durante a década de 30.
Seu uso aumentou dramaticamente durante a década de 60, impulsionada pela guerra do Vietnã, onde os soldados fugiam da realidade assustadora da guerra atolando seus neurônios nas mais diversas substâncias alucinógenas.
A guerra também produziu o movimento hippie e sua contra cultura baseada no “peace and love”, sexo, drogas e rock’n roll, e coisas afins, o que reforçou ainda mais seu consumo e sua introdução em nossa sociedade.
Atualmente, existem alguns dados científicos sugerindo que aproximadamente 15% da população adulta da América e Europa Ocidental já usaram Cannabis em algum momento de suas vidas, com a proporção crescendo para 50% entre adolescentes e adultos jovens…
Logo, haja maconheiro no mundo! Conheço advogado maconheiro, engenheiro maconheiro, professor maconheiro, artista maconheiro, mas também conheço surfista que nunca provou, e surfista que já provou isso e algumas coisinhas a mais…
Droga não é e nunca foi um problema setorizado…Faz parte da nossa história e da necessidade que todo ser humano tem, de explorar estados alterados de consciência…
Até mesmo uma criança em toda a sua ingenuidade, curte um barato diferente quando brinca de girar, girar e girar, até cair no chão de tão tontinha…Alguns aspectos, porém, continuam obscuros até para os usuários mais destemidos, o que tentarei esclarecer nas linhas que se seguem.
Aspectos químicos e farmacológicos
A maconha é formada por diferentes princípios ativos (compostos produtores do barato). Tais compostos são conhecidos como canabinóides, e entre eles temos o (1-THC também chamado de (9-THC e o (6-THC.
O (1-THC, atua principalmente no sistema nervoso central (SNC), produzindo uma mistura de efeitos psicotomiméticos (perturbação do SNC) e depressores.
Os principais efeitos subjetivos no homem consistem de :
Os principais efeitos periféricos da Cannabis são:
Efeitos tóxicos da maconha
Do ponto de vista físico, parece que o uso prolongado da maconha não causa grandes distúrbios. Embora sejam conhecidos alguns efeitos cardiovasculares.
A Escola Paulista de Medicina realizou um estudo onde a frequência cardíaca de voluntários sadios foi medida após a inalação de maconha e substâncias placebo, ou seja, aquela substância que o indivíduo pensa ser maconha, mas na verdade não é. Os resultados podem ser vistos no gráfico a seguir, que mostra aumentos significantes na frequência cardíaca, após o uso da Cannabis.
O segundo efeito conhecido da maconha é a sua ação na diminuição da formação de esperma, devido a diminuição da liberação do hormônio masculino testosterona. Tais efeitos são, entretanto, reversíveis.
O uso da Cannabis pode também provocar uma perda das capacidades de discriminação temporal e espacial. Esses efeitos aparecem mesmo nos indivíduos que não apresentam alucinações.
A consequência é importante, pois a pessoa não nota que suas capacidades de discriminar tempo e espaço estão afetadas, dado que estes efeitos só se percebem com medidas objetivas.
Isso pode explicar, ao menos em parte, aquelas histórias de tubos extremamente longos, de vários segundos de duração, que aquele velho amigo beloteiro lhe conta todos os dias, quando na realidade, você viu que a onda só deu uma lambidinha de leve, e que o tubão, pode na real ter sido um tubinho meia boca.
A figura abaixo, retirada de uma pesquisa realizada na UNIFESP-EPM, mostra os efeitos de 15 mg de (9-THC e de 125 mg da maconha B, aspirados por voluntários. Fica claro que, enquanto a aspiração de placebo não alterou a capacidade das pessoas calcularem o tempo de um minuto, sob a ação das drogas houve erros grosseiros de cálculo.
Efeitos terapêuticos da maconha
Nos últimos anos, os princípios ativos da Cannabis tem sido foco de inúmeras pesquisas que objetivam a determinação de possíveis efeitos terapêuticos.
Alguns trabalhos indicam a validade de seu uso clínico no tratamento de diversas doenças, tais como: glaucoma, asma, epilepsia, e ainda na redução de vômitos e na estimulação do apetite em pessoas portadoras de diversos males, tais como o câncer em estado avançado.
Entretanto, é importante também ressaltar os possíveis efeitos prejudiciais do uso da erva. A maioria dos consumidores de maconha afirmam que ela é muito menos prejudicial do que o fumo e o álcool, o que de fato é uma afirmação precipitada e sem fundamentação científica.
Os malefícios do tabaco já estão completamente comprovados, e sabe-se sem sombra de dúvida que seus usuários tem uma enorme probabilidade de vir a morrer devido à falência do sistema cardiocirculatório ou da ocorrência de um câncer.
Mas o fato do fumo produzir estes efeitos não nos permite afirmar que a maconha não os produz! Não existe na literatura científica mundial, trabalhos epidemiológicos com usuários de Cannabis!
Porém, alguns estudos básicos com animais mostraram que a fumaça da maconha tem capacidade igual ou superior à do tabaco, em produzir alterações mitóticas nas células epiteliais dos pulmões.
Esse fato não é nem um pouco surpreendente, pois a folha da maconha não é tratada como a folha do tabaco, e com exceção da nicotina, a maconha contém virtualmente todos os componentes irritantes do pulmão encontrados no tabaco, além de 60 outros compostos potencialmente prejudiciais e que não são encontrados no tabaco.
Isso sem falar do alcatrão, que sabidamente tem ação cancerígena… Resumindo: o baseadinho pode ser pequeno e único, mas tem um poder destruidor semelhante ao de algumas unidades do cigarro de tabaco.
Com relação à comparação da maconha com o álcool, devemos atentar para alguns detalhes. O álcool é a droga mais consumida em nosso planeta. 45% da população adulta masculina que procura tratamento em hospitais, consome álcool diariamente em níveis muito elevados.
Ao afirmarmos que o álcool é mais prejudicial do que a maconha, teríamos que, no mínimo, ter um consumo de maconha tão intenso e extenso como o do álcool, o que não é o caso. Logo, esta comparação não pode ser feita.
O surfista e a maconha
Como dito anteriormente, nem todo surfista é maconheiro, mas dados estatísticos da Surfer’s Medical Association estimam que 60 a 90% dos surfistas da Califórnia são usuários de maconha.
O estigma que os surfistas carregaram por muitos anos e de certa forma ainda carregam, muito se deve à frequente exposição deste grupo à sociedade em geral.
Enquanto a maioria dos usuários de qualquer tipo de droga, na maioria das vezes fez uso delas de forma furtiva e dissimulada, o surfista sempre o fez publicamente, pois a praia é pública, além de ser o ambiente natural desta espécie em questão.
Fumar ou não fumar, usar ou não usar… não é bem o caso. A questão principal é a desinformação geral que muitas vezes impera em nosso meio.
Muitos são os usuários que fumaram durante toda a sua carreira e obtiveram bons resultados mesmo assim. Porém, cada ser humano é influenciado por questões bio-psico-sociais distintas, e muitos atletas com enorme potencial atlético e competitivo, podem ter ficado no meio do caminho devido ao fato de não terem sido bem orientados com relação ao uso desta substância.
Preconceito é a pior coisa que existe em nossa sociedade… Todos estamos aqui tateando e tentando fazer o nosso melhor. Existem surfistas beloteiros que são um exemplo de dignidade, responsabilidade, honestidade e que se preocupam com o planeta e com o próximo… E existe também muito cristão mal criado, budista fofoqueiro, e careta egoísta… O oposto também existe.
A questão é que… se queremos melhorar cada vez mais, se queremos crescer em nosso esporte e também como seres humanos, é extremamente necessário estarmos abertos para discutirmos essas questões sem hipocrisia e de maneira franca e científica.
Somente encarando os fatos de frente poderemos optar conscientemente sobre o rumo que daremos à nossa vida, à nossa realidade íntima… e, por que não, à nossa saúde física e emocional.
“A natureza do homem busca continuamente algo mais elevado. Algo que supere a sí mesmo e que seja no entanto, a sua mais profunda verdade; que reclame todo o seu sacrifício, e que no entanto, seja este sacrifício a sua própria recompensa”
TAGORE
Marcello Árias
Prof. de Educação Física
Especialista em Fisiologia do Exercício – EPM- UNIFESP
Mestre em Fisiofarmacologia – EPM-UNIFESP
Introdutor do Surf como disciplina obrigatória em Universidades
Surfista a 25 anos
Contato – e-mail: Longboardforever@uol.com.br ou pelo fone 0XX13 – 221-6012