Cultura

Surfe como você quiser

Mudança de visão: Vanina Walsh, como muitos garotos de sua geração, não se importa se o surfe será com remos ou não. O mais importantes é estar na água da maneira que melhor lhe convir.

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Mudança de visão: Vanina Walsh, como muitos garotos da nova geração, não se importa se o surfe será com remos ou não. O mais importantes é estar na água da maneira que melhor lhe convir. Foto: Reprodução.

 

Outro dia um amigo veio me falar sobre uma página de humor no Instagram chamada @surftiras que, segundo ele, pegava pesado no deboche a vertentes de surfe diferentes da pranchinha. Os principais alvos seriam o bobyboard e o SUP. Fui lá conferir.

 

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Duke Kahanamoku, apontado o “Surfista do século”, pela revista surfer, se amarrava em surfar com um remo. Foto: Reprodução.

Confesso que achei algumas tiras engraçadas, mas, no geral, é aquele humor de adolescente previsível e repetitivo. E, como era de se esperar, a inevitável tendência à boçalidade quando se trata de “brincar” com as outras modalidades de surfe: “Lugar de SUP é na casa do c…”, e por ai vai.

 

Uma tira em especial me chamou a atenção. Nela, o Batman dá um tapa na cara do Robin porque o Garoto Prodígio sugeriu remar de SUP no mar. Para autor da tira, SUP é “coisa de rio ou lago”, já o mar é para quem “surfa de pranchinha”.

 

Isso trouxe luz a uma questão nebulosa, agora ecoada nos posts da página do @surftiras, que é a visão equivocada e reducionista de que “surfar” se resume a pegar onda com uma pranchinha de seis pés.

 

Creio que a partir dos anos 70 não foram só as pranchas que encolheram; a amplitude da palavra “surfe” e seu verdadeiro significado também. A indústria cultural norte-americana contribuiu para a massificação e popularização dessa vertente do surfe e assim, como a maioria preferiu a partir de então correr ondas com uma prancha pequena, convencionou-se classificar como “surfe” e “surfistas” somente a este rol de pessoas. Ledo engano!

 

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Por trás do humor adolescente do @Surftiras, a visão limitada de que “surfe” se resume a estar na água com uma prancha 6’0″. Foto: Reprodução.

Ironicamente (pra quem não conhece a história dessa manifestação cultural e esportiva, claro) na raiz do surfe existe um remo, trazido pelas mãos dos primeiros habitantes da polinésia, povoando as ilhas, remando em canoas e surfando (com remos).

 

Mais tarde, nos anos 40, quando o surfe ressurgiu*, sobretudo pela influência e graça do havaiano Duke Kahanamoku, eleito pela revista Surfer o “Surfista do Século”, não se fazia a menor distinção entre deslizar as ondas com uma canoa, uma prancha ou um SUP. Não por acaso, é atribuída a ele a famosa frase: “O melhor surfista é aquele que se diverte mais”. E o havaiano literalmente tirava onda, surfando de várias formas possíveis, afinal, o importante era se divertir (e não deveria ser assim até hoje?).

 

Mas isso significa que o outside está liberado pra todo mundo? Em tese, sim, deveria, afinal, o mar é para todos. Porém, na prática, as coisas são um pouco mais complexas. Existem regras que devem ser seguidas e tudo fica mais fácil quando existe bom senso.

 

E porque há tanta rejeição ao surfe de stand up paddle? Boa parte disso vem do preconceito e ignorância, mas há, também, questões que não podem ser ignoradas. Entre reclamações mais comuns sobre os surfistas de SUP estão as que dizem respeito ao tamanho das pranchas (o risco que isso traz para quem está ao redor) e ao fato de que SUP surfistas não sabem compartilhar as ondas, são fominhas.

 

São reclamações que tem fundamento, pois já testemunhei situações onde pessoas com pouca experiência se aventuravam no meio de dezenas de surfistas com um SUP. Vi isso acontecer com outras modalidades também, porém, no caso do SUP, você está bem mais exposto. Então, é ai que entra o bom senso e isso vale para qualquer tipo de prancha.

 

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O problema é a prancha ou o surfista? Não bastasse rabear a onda, o surfista de pranchinha atinge a bodyboarder ao tentar manobrar. Quem brada por respeito deve dar o exemplo. Foto: Reprodução.

 

Até porque, o acidente mais feio que já vi na água envolveu uma bodyboarder rabeada por um surfista de pranchinha que, sem conseguir controlar a prancha, atingiu a garota em cheio, causando um belo corte em sua perna. Outra recordação que me veio à mente agora: um cara fazendo bodysurf sendo sistematicamente rabeado por surfistas de pranchinha enquanto tentava surfar suas ondas. Ora, “Pau que bate em Chico, bate em Francisco”, não deveria ser assim?

 

Então eu me pergunto se as pessoas que reclamam tanto dos SUP surfistas, respeitam de verdade aqueles que estão ao seu redor. Pois, se você não respeita, se você não dá o exemplo, então, não espere que as coisas mudem, uma vez que a verdadeira mudança começa a partir de nossas ações e atitudes.

 

Acredito que o surfe de stand up paddle não será tão popular quanto o surfe de pranchinha, pois o equipamento é mais caro e a evolução é mais difícil. Mas ele voltou pra ficar. Aos incomodados, que se acostumem com isso!

 

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Duke Kahanamoku surfando com remo no Havaí dos anos 50. Para o “Surfista do século”, não fazia diferença a forma pela qual você corria ondas. Se havia diversão, isso bastava. Foto: Reprodução.

 

QUEBRA DE PARADIGMA – A popularização dos watersports está trazendo uma nova forma de se relacionar com o mar e resgatando o entendimento do real significado da palavra “surfe”. Dessa forma, é preciso que os surfistas de stand up paddle deem sua contribuição e respeitem as regras de conduta do universo do surfe, pois há situações em que, por questões de segurança, cada um deve procurar seu espaço na água. E isso vale para todos os praticantes de todas as modalidades de surfe. Com bom senso, educação e respeito há espaço para todos.

 

Se temos gostos e aptidões diferentes, surfe como você quiser, seja educado e divirta-se.

 

Aloha

 

*Estima-se que o surfe, ou seja, o ato de deslizar ondas equilibrando-se sobre uma prancha, tábua ou canoa seja uma atividade exercida pelos polinésios há séculos, porém, foi o havaiano Duke Kahanamoku, na primeira metade do século XX, quem popularizou e resgatou essa atividade até então relegada à marginalidade.

 

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Luciano Meneghello é editor chefe e fundador do site SupClub. Foto: Reprodução.

 

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