Surfe no horário nobre

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Cláudio Moraes de Marques trabalha no departamento de jornalismo da Rede Globo há vinte anos e luta pela difusão do surfe. Foto: Ricardo Macario.
Quando se fala sobre o futuro do surfe diante do grande público, é praticamente impossível não abordar a suposta necessidade de massificação do esporte para o conseqüente crescimento do mercado, atletas, consumidores e praticantes, para haver maior estrutura na formação de novos campeões.

 

Porém, devido à subjetividade de julgamento e entendimento por parte deste grande público (muitas vezes leigo no assunto), além da falta de atratividade quando as ondas não estão boas, a grande imprensa acaba não dando o devido valor ao esporte.

 

Mas, se depender de Cláudio Moraes de Marques, 43 anos, um dos responsáveis pelo departamento de jornalismo esportivo da Rede Globo há vinte anos, isso vai mudar. Surfista há quase 30 anos, Marques sempre que pode faz força para divulgar e presenciar os eventos de surfe.

 

Mas, engana-se quem acha que o surfe nunca teve um destaque maior do que o atual por parte da Globo. Em meados dos anos 70, o carioca Rico de Souza era o principal embaixador do surfe brasileiro no mundo, e carregava um logotipo da emissora na prancha, uma das primeiras grandes empresas a patrocinador o esporte no Brasil.

 

Nos anos 80, também era bem mais expressivo o destaque dado pelo Esporte Espetacular, tradicional programa de domingo da emissora, para os campeonatos de surfe, sobretudo os eventos internacionais realizados pela ASP, como o Alternativa, no Rio de Janeiro – que inclusive tinha patrocínio da falecida rede de lojas Mesbla. 

 

Nesta entrevista, realizada durante o 18o Hang Loose Pro Contest, em Fernando de Noronha (PE), Marques fala sobre a importância do tow-in para a difusão do esporte, possíveis mudanças na estrutura das competições e a massificante cultura do futebol brasileiro.

 


Você é jornalista?

 

Não, minha faculdade é a da vida. Entrei na Globo como editor de imagem e a partir dali comecei a me interessar por outros processos de finalização de edição na TV, fui me aprimorando, aprendi a escrever com vários profissionais de gabarito e hoje faço produção, edição, imagem e arrisco nas palavras também de vez em quando.

 

Quais esportes você costuma cobrir com mais freqüência?

 

Olha, nos dez primeiros anos na Globo eu basicamente cobri futebol, pois participei da cobertura de três Copas do Mundo e três Olimpíadas.

 

A quantidade de tubos surfados e a qualidade das ondas de Noronha impressionam Marques até hoje. Neco Padaratz (na foto), campeão do evento, que o diga. Foto: Ricardo Macario.
E como o surfe entrou na sua vida (pessoal e profissional)?

 

O surfe já mora na minha cabeça desde meus 12 anos de idade, quando eu saía do Meyer para surfar na Prainha com meus amigos, e desde então tenho uma relação muito forte com o esporte. Mas, profissionalmente, dentro da TV Globo, de uns dez anos pra cá, quando passei a trabalhar com o Emanuel Castro, na época fiz uma parceria com ele e fizemos vários trabalhos no Nordeste. Quando ele assumiu outros cargos na emissora, eu passei a cuidar diretamente do surfe. Enfrentei vários problemas, porque a cultura de nosso país é o futebol, o carro-chefe de qualquer redação de jornalismo é o futebol, então é realmente muito difícil ganhar espaço dentro da TV. Recentemente a gente tem conquistado espaço com o tow-in, que é o novo filão do mercado.

 

Você ainda pega onda?

 

É, eu arrisco, de vez em quando no Rio de Janeiro dou minhas caídas na praia da Macumba, mas isso é apenas lazer.

 

Você acha que o tow-in pode ajudar o surfe a cair no gosto popular ou trata-se de uma febre passageira, com dia e hora para acabar?

 

Não. Eu acho que não mesmo. Em todo esporte existe uma evolução, e acho que o tow-in veio pra ficar e mostrar que realmente o surfe não limites. Do surfe saíram tantos esportes, seria impossível ele ficar estagnado no tempo. Então acho que o tow-in veio pra ficar e ganhar mais um nicho de mercado para os surfistas, pois acho que essa modalidade pode ajudar na real valorização dos atletas por parte das grandes empresas, dos grandes patrocinadores. É o atleta que vai trazer o tão esperado retorno para os investidores.

 

O surfe tem condições de um dia cair no gosto popular e se tornar um esporte de massa?

 

A intenção é essa. Por exemplo, eu tento trabalhar com repórteres que não tenham necessariamente um perfil de surfista, mas que alcancem o público geral. O sujeito não precisa conhecer o esporte a fundo, mas deve estar em contato com o que gravita em torno do surfe, isso é interessante para o público. É a maneira de levar o surfe ao público que está acostumado apenas a ver futebol, vôlei, basquete e outros esportes mais populares, até em termos olímpicos.

 

O dinamismo das competições de tow-in são o grande atrativo da modalidade para as emissoras de TV. Foto: Les Walker/Billabong Odyssey.
Que tipos de dificuldades você encontra para inserir o surfe na programação?

 

Eu acho que o surfe ainda sofre com uma imagem do passado, do cara que não quer saber de nada, apenas pegar onda e ficar na praia. Mas não é difícil para um país como o Brasil, que possui uma costa enorme, abrir espaço para o surfe. A gente briga aqui e ali, mas acaba sempre conseguindo colocar uma grande matéria sobre surfe, porque quem não gosta de assistir algo com locais belíssimos, pessoas belíssimas e histórias belíssimas…?

 

Como são os níveis de audiência de programas sobre surfe na Globo?

 

As competições ainda têm muito o que evoluir em termos de mídia. Eu acho que o surfe deveria mudar algumas regras para poder atrair a transmissão. Essa é a grande vantagem do tow-in atualmente. Acredito que daqui um ou dois anos a gente vai conseguir transmitir um evento de tow-in, não ao vivo, mas um evento pré-gravado, porque são impressionantes a qualidade das imagens e a intensidade das ondas e da competição. E isso é muito difícil de acontecer num campeonato normal, de ondas menores.

 

Quais mudanças você apontaria para ajudar na transmissão de eventos de surfe?

 

Olha, a qualidade das ondas é fundamental. Realmente é muito difícil obedecer períodos de espera nos calendários atuais, mas com esse fator e com investimento nos atletas, certamente teremos verdadeiros espetáculos. Basta observar a evolução das manobras. Comparando um vídeo dos anos 70 e de hoje, eu fico impressionado.

 

Você acha que podemos sonhar em um dia assistir a uma final de WCT com transmissão ao vivo pela Globo?

 

Bem, ao vivo eu não sei, depende de como as coisas irão caminhar nos próximos anos, mas sempre que for possível a gente vai dar o devido espaço para o surfe nos programas.

 

O havaiano Laird Hamilton é um dos grande nomes do esporte mundial na opinião do jornalista. Foto: Site Lairdhamilton.com.
Quem você apontaria com um grande ídolo do esporte?

 

Acho que posso estar influenciado pela última entrevista que fizemos, no Hawaii, mas diria que Laird Hamilton é uma grande personalidade do surfe mundial. No Brasil eu destaco a figura do Fábio Gouveia, que foi o grande alavancador das novas gerações do surfe atualmente. Ele é a cara do surfe brasileiro, sem dúvida.

 

O que representa um campeonato como esse em Fernando de Noronha?

 

Qualidade. Eu freqüento Noronha há 13 anos e é muito bom ver um campeonato com ondas tão boas, tantos tubos. Tenho até curiosidade em saber quantos tubos já foram surfados nesse evento, porque foram muitos, um show de surfe.

 

Qual foi a situação mais inusitada da sua carreira como repórter?

 

Vou citar um fato curioso, que acabou ficando fora do âmbito do esporte. Certa vez, fui com a minha equipe realizar uma matéria no Líbano, sobre como estava o esporte num país dominado por Israel durante 23 anos. Mas, chegando lá, a gente viu e conviveu com tantas coisas que acabamos abordando coisas mais genéricas, como a guerra, o domínio… Aí você vai conhecendo gente, tendo acesso a mais informações até que chega no coração do problema. Nesse ponto a pauta já tinha mudado totalmente. Acabou que resolvi entrevistar o xeque Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, organização xiita libanesa acusada pelos EUA de terrorismo. Era a primeira entrevista com ele realizada por uma emissora ocidental, e foi muito também pelo desafio. Graças a Deus correu tudo bem, apesar de eu ser meio loiro, tive alguns problemas com algumas barreiras militares, pois era alvo certo, mas deu tudo certo.