Solitário Surfista

Tá tudo na mente

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Um dia desses, fui cair em São Conrado para treinar uns drops e, quem sabe, uns tubos, pois seria o meu último dia livre para surfar antes de viajar para Fiji. O mar tinha um tamanho e estava fechando, mas eu queria testar uma prancha nova e estava bem empolgado.

As ondas estavam power, bonitas, alguns triângulos vinham aqui e ali, jogando o lip pesado lá na frente e depois esmagando tudo e explodindo na areia, mas, pra resumir, estava quase impossível dropar com aquela maré e aquele fundo. Estava raso demais, quebrando muito rápido com as valas de correnteza mudando de lugar toda hora.

Além de mim, só havia um bodyboarder e um cara fazendo bodysurf, quando entrou um surfista bem jovem que tinha acabado de passar vários meses no Havaí. O mar estava subindo e ele vibrava ao ver aquelas paredes bem sólidas na hora da série.

Achei que ele iria pegar altas e fazer mágica ali nas fechadeiras, mas, para a minha surpresa, ele ficou uma meia-hora ciscando e vazou. Deve ter ido pra outro pico. O bodyboarder era de Caxias, subúrbio do Rio, e me contou meio tenso que o amigo dele tinha amarelado e voltado pra casa, mas que ele queria tentar pegar uma da série, já que tinha vindo de tão longe e ficou boiando bem atrás da arrebentação. Perguntei se ele iria conseguir mesmo pegar uma, fiquei preocupado, mas ele estava tranquilo.

Aquele que seria o meu dia de treino importante antes da trip acabou virando um dia de contemplação e resignação, já que em mais de duas horas eu só consegui descer umas três ondas “andando” um pouquinho e já virando reto. Adrenalina não faltou e a minha maior alegria era comemorar as ondas que eu não peguei, sentindo um alívio ao puxar o bico e olhar pra baixo depois de remar em uns buracos sinistros, pensando “ainda bem que eu não fui”.

E olha que eu gosto de levar umas vacas (como já disse aqui na primeira coluna), mas estava muito perigoso.

Eu já tinha relaxado, controlando meu ânimo para não me sentir frustrado por “perder o dia do swell”, e fiquei curtindo a beleza do espetáculo, sentindo a energia do mar, pensando no privilégio que era poder estar ali, passar por cima de uma massa de água daquelas, olhar pra baixo e ver aquela rampa feita milhões de gotas, olhar pro lado e ver um tubo com spray, do outro a Pedra da Gávea. Estar conectado com toda essa energia da natureza e dar uma remada.

Comentei isso com o bodyboarder da Baixada e ele concordou plenamente, mas chegou um surfista de mau humor, cumprimentando a gente no outside e já reclamando. “Porra, esse mar, hein. Se estivesse sem esse vento. Se estivesse abrindo.”

“É, tá difícil, mas tá bonito demais”, não lembro se eu falei ou só pensei. E o cara acabou de chegar e foi logo pegando uma boa! Fiquei feliz por ele e gritei um “woohoo” quando vi a onda vindo como se ele a tivesse encomendado. Observei sorrindo o cara dropando atrás do pico com estilo e acelerando, entubando.

A onda foi bem melhor do que tudo que eu tinha conseguido na sessão inteira, mas ele não conseguiu sair do tubo e já subiu na superfície revoltado, soltando um palavrão.

Saí do mar pensando em como a nossa mente pode estragar momentos e distorcer acontecimentos nas nossas vidas, dentro e fora do mar, com as armadilhas que nós mesmos criamos com os nossos desejos, expectativas e cobranças.

No mesmo dia, já pensei em escrever aqui no Waves sobre essa reflexão, mas entrei na correria dos shows do fim de semana e uns três dias depois embarquei pra Fiji.

Expectativa gigante e ansiedade de meses esperando por essa viagem e a vontade de surfar Cloudbreak pela segunda vez na vida e conseguir um aproveitamento melhor do que em 2016.

Chegando lá, não consegui botar o surfe no pé como gostaria, antes do swell grande chegar, e de repente, quando o o bicho pegou mesmo, eu me encontrei numa situação que me lembrou aquele dia em São Conrado, só que num mar muito maior e perfeito.

Seis e meia da manhã, já era um “crowdbreak”, o swell encostando ainda, e minha primeira onda me cobriu com um tubo seco de um segundo, um belo chapéu numa onda fácil de um metro e meio no máximo. Seria um bom sinal?

Achei que sim e voltei amarradão pro pico, mas dali pra frente comecei a me dar mal.
Chegaram mais barquinhos despejando surfistas excelentes, entre eles Mike Parsons, Luke Egan, Cheyne Horan e outras lendas.

As séries vinham cada vez maiores e mais atrás, de 10 pés, algumas 12, e o show de surf começou. As competidoras da elite do surf mundial estavam com sede de ondas em ritmo de treino para a etapa do WSL. Por isso, estavam todas na água naqueles dias – Courtney Colongne, Coco Ho, Carissa Moore, Sally Fittzgibbons, Tati Weston-Webb e outras que eu não sei o nome.

Destaque para a Bethany Hamilton, havaiana que perdeu um braço atacada por um tubarão e continua surfando, entrando nas ondas remando e levantando na prancha com um braço só! Até mesmo ela estava sofrendo pra se posicionar porque ninguém dava a vez pra ninguém.

Todo mundo dropando bem lá de trás, principalmente o Luke Egan, que vinha arrepiando numas ondas mais dentro da bancada, e o Mike Parsons, com um estilo tão classudo que parecia um dançarino. Ou talvez um toureiro, porque as ondas estavam bufando e atropelando tudo feito touro bravo em disparada.

Expressos perfeitos, muito rápidos, rolo compressor, coisa de filme.

Tentei sair do pico e ficar no segundo “bolo”, mas fiquei horas ali e não sobrava nada. Varrido por uma série e cansado, voltei pro pico e peguei uma intermediária, finalmente, mas um local me rabeou (pra quem não sabe, rabear quer dizer entrar na onda do outro, na frente do outro).

Segui atrás dele até cair e bater com minha boca na prancha. Fui reclamar numa boa e ele disse que eu estava errado porque ele estava no pico antes de mim. Não quis discutir, mas voltei irritado, ultrapassando todos na remada pra esperar uma onda mais dentro da bancada.

Nessa hora veio uma bomba ali mesmo e eu virei pra me jogar como se a prioridade fosse minha, numa atitude errada, pois eu tinha acabado de passar por todos remando.

Seria rabeado de novo, certamente, mas nem completei o drop. Voei com o lip e levei um caldo de responsa. O espumeiro gigante da onda de trás me levou pra bancada, onde subiu uma onda grande branca querendo me esmagar no inside. Foi o tempo de soltar a minha 7’6″ e respirar com calma pra afundar, mas quando subi e puxei a cordinha, só tinha sobrado um terço da prancha.

Joguei a toalha, exausto, vencido, tentando ver o lado bom de estar ali, mas sem conseguir evitar desta vez a frustração por não ter me saído melhor num dia épico numa das melhores ondas do mundo.

Comentei pelo Instagram com o amigo big rider Eric Rebiere que disse que era pra eu estar feliz por não ter ido pro hospital, como ele já foi algumas vezes, em dias assim. E em vez de me lamentar por não ter aproveitado a chance de pegar a minha “onda da vida”, resolvi agradecer, não apenas por não ter pego a onda da morte, mas por ter aproveitado a experiência pra aprender um pouco mais, observando o comportamento do mar e o meu, e sentindo bem a força das ondas e as minhas próprias forças e fraquezas.

Abaixo, um bomba encarada por Courtney Conlogue durante a session relatada por Gabriel O Pensador.