Palanque Móvel

Divagações do fim de tarde

Rip Curl Pro 2012, Baleal, Portugal

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Baleal fez a cabeça dos Tops nos dias de folga do Rip Curl Pro Portugal. Foto arquivo: Carlos Muriongo
 

O plano de hoje era seguir para Nazaré, cidade portuária ao norte de Peniche. Desde ontem, havia um mormurinho na praia… 25 pés, o canhão, o canhão… Esse é o nome que “a onda”, isso mesmo, a onda da Europa recebeu em terras lusas. Não sei sobre vocês, camaradas, mas nunca vi, em 41 anos de vida, um mar desse tamanho. Havia decidido, e essa é uma viagem repleta de decisões inesperadas, que acordaria muito cedo e rumaria, no carro alugado, para Nazaré. Tal era, afinal, a minha intenção por volta das 6 da tarde de ontem.

Depois de ver o sol deitar em Peniche, com obrigatória parada em Grayskull a fim de conferir o maral, o fundo desarrumado e as inúmeras vitrines que se estendiam por mais de 100 metros ao redor do palanque principal, segui para Óbidos, cidadezinha medieval, a quinze minutos de Peniche, local que escolhi para dormir, jantar bem e experimentar os vinhos portugueses. Coisa de gente com mais de 40 anos. Hábitos novos para um corpo cansado.

No caminho para Óbidos, penso que o mundo tem se transformado numa grande New Jersey, com casas de jardim, shopping centers e gente bem arrumada. Para o nosso mundinho, um grande US Open. E sejamos honestos, o US Open é campeonato mais sem graça do mundo, exceção feita à indústria que acredita cegamente que onda ruim e biquinis mal cortados a redimirá.

Grayskull é a versão importada de Huntington Beach em terras lusas. Por algum motivo, Portugal parece ter restringido a invasão aos milhares de metros quadrados do palanque oficial. Não sei de onde vem tamanha resistência, mas ela está aqui, em toda parte. Na conversa amigável das pessoas, na generosidade de quem se encontra no line up. Parece-me que Portugal tem algo de pré-moderno em suas raízes que, se ora parecem prender-lhe no tempo, dão-lhe sustentação. Recomendo vivamente que venham para cá. Boa onda, boa comida e gente muito boa.

Na estrada, volto-me a concentrar a minha energia em Nazaré e na batalha que está por vir na etapa portuguesa. Porque, afinal, o que importa no surf de competição, pelo menos para mim, é testemunhar a incrível luta que ocorre entre os seus personagens, uma espécie de metonímia da vida, com os seus dramas e alegrias. E, falemos a verdade, a despeito do espetáculo construído por câmeras portáteis, bem legais diga-se de passagem; vendedores de roupa de borracha e mascates de toda ordem, o campeonato de 2014 tem alegrado e animado boa parte dos corações e mentes que já pousaram os pés em águas salgadas… 25 pés, o canhão, o canhão….

A vida que segue

Em Óbidos, a pesquisa na internet adverte que o canhão, promessa de esperança, não se encontrará desperto no dia seguinte. Uma pena… Vou jantar, encontro um casal de portugueses muito simpático. Thiago, surfista, beira a minha idade. Veio com a namorada, Sofia, para o campeonato. Bebemos e conversamos sobre o surf, sobre a garotada do Brasil. Há lamentos sobre o Saca (Tiago Pires), muita esperança no Vasco (Ribeiro). Se Grayskull é Huntington, Óbidos é a Vila Madalena, você nunca está só.
No meio do jantar, Thiago pergunta-me sobre Raoni. Não sei o que dizer… Estamos tão enlouquecidos com Gabriel, que esquecemos do camarada, a quem, um dia, o sanguinolento, um ano antes de Raoni sair do Tour, chamou de o melhor surfista brasileiro em atividade.

Há alguns dias estou por essas bandas e ainda não o encontrei. Confesso que não houve nenhuma conversa nesta viagem em que não houvesse menção ao filho mais querido de Saquarema. Gostaria de entrevistá-lo, saber a sua versão sobre os acontecimentos dos últimos anos e entender como é possível se classificar daquele modo no ano passado e, meses depois, se enrascar num emaranhado de histórias que o lançam num torvelhinho, que, espero, tenha fim.

Café no Baleal

Vou para Peniche logo cedo. O cara de madeira da ASP anunciava mais um day off. Lembro do Jadson e de seu vatícinio na Tasca do Joel, melhor e mais amigável restaurante de Peniche: “Pô, meu, não vai ver esse campeonato!”. À época, achei graça porque tinha fé que o terral de Baleal pudesse aquecer o coração anglo-saxão de Grayskull. Maldita mandinga do potiguar… Supertubos… Bom, Supertubos foi para mim como a Ana, prima do meu amigo Daniel. Em minha adolescência, eu sabia que era linda, legal e bacana, mas ela nunca veio para o Rio de Janeiro, cidade em que morei até os 15 anos. Ana, para mim, é sinônimo de promessa não realizada. Supertubos é, por isso, a minha Ana portuguesa. Maral, fundo mexido e lojas….

O dia está claro, sol lindo. Chego a Baleal cedo. Julian, Simpson, Flores na água. O mar baixou bastante, cerca de 4 pés. Condições clássicas para um pai de família. Para a decisão do titulo, nem a pau, Juvenal. Começo a temer pelos próximos três dias. No line up, nada parece dar certo. Uma rasgada aqui, uma batida lá, um aéreo acolá. Tudo transcorre sem emoção.

As ondas estão cheias, suspeito que a noite nem fez bem para Nazaré, nem para Peniche.
Lembro do tubo do Freedy P. do tamanho, da duração e da profundidade… Parece que estamos em outro mundo. Ninguém olha para o mar. As meninas fazem graça, os meninos se exibem, a cerveja começa a rolar nas mesas antes das 10 horas da manhã. Surf que é bom, nada….

No estacionamento, Joel olha o mar, respira, mexe no celular e meia volta. Vou até ele: ontem estava melhor. Sorriso, silêncio.

É hora do almoço. Hoje à noite vou para Ericeira, jantar com o João Valente, editor da Surf Portugal. Quero saber como os europeus enxergam essa nova geração brasileira, os bastidores do campeonato e a possibilidade de, junto com Júlio Adler, abrimos uma editora caseira especializada em surf. Sonho do Júlio, a quem costumo ouvir com muita atenção.

O espartano nem se aproxima da beira, almoça no Gauchão da Picanha, mais do que um restaurante, um pleonasmo. Estava acompanhado de dois caras, camisas do Tahiti, sentados na mesa do lado. A conversa em francês versava sobre o mar, sobre as ondas, sobre tudo que parecia ter deixado de existir hoje. Suspeito que os caras do Tour devem ter assinado algum contrato em que estão proibidos, por lei juramentada, a contrariar o cara de madeira. Com todos, a resposta é sempre evasiva quando falo sobre a barbaridade que foi a suspensão do campeonato nesses dias. Vai entender….

Volto para o bom e velho café do Baleal, cujo dono é uma espécie de Robson Crusoé, outro indignado com a não realização da etapa em frente ao seu negócio. Suspeito que isso ocorra menos pelo dinheiro desejado com as vendas do que pela certeza de termos perdido o espetáculo prometido.

No caminho, cruzo Freddy P. Enquanto tira a roupa de borracha, lembro-lhe que, embora não tenha sido registrado, eu e as crianças, a quem ele cumprimentou quando saiu do mar ontem, temos certeza de que a onda do dia foi dele. O camarada ri maroto e solta um uhuuuuu. Agradece e se despede do “maravilhoso” mar de 4 pés à sua frente. Eu, sem querer ser chato, penso no cara de madeira, o dono da festa, aquele que decidiu dizer para o mundo que as condições de Peniche não permitiam o inicio do campeonato.

O dia que o comissário da ASP achou que era Damien Hardman

Aos mais novos, Damien Hardman, campeão mundial, era um desses caras que alisava as ondas até a areia, espécie de coqueluche da década de 80. Por um tempo, ditou as normas dos campeonatos na Austrália. Sempre optava pelo pior, pelo palanque, pelas lojas… Neste ano, o havaiano, Pipe Master, assumiu o seu lugar. De fato, as ondas de algumas etapas foram boas, acima do esperado. O acerto do Tahiti encheu-nos de esperança, embora boas condições na Ilha Rei não concorram, em hipótese nenhuma, com 100 metros de lojas. No meio do mar, acho eu, é impossível construir uma passarela. De resto, J-Bay é tão espetacular que, suspeito, 4 pés já seriam um sonho para qualquer um.

Em Portugal, os homens que controlam o espetáculo devem ter dormido mal, a pensar na mensalidade das escolas de seus filhos, aquelas belas construções de New Jersey, e lembrado do Damien Hardman. De repente, todos estavam alisando as paredes de seus quartos para, enfim, colar na parede polida, um pôster de uma marca que vende roupa de borracha enquanto a ondulação abandona a costa e os nossos corações.

Amanhã, o relato do encontro com Joao Valente e a forte torcida por um novo swell, que segundo dizem, virá.

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