O surf de linhas bem desenhadas, bottom-turns sem pressa e arcos redondos renasceu no dia final da etapa sul-africana do WCT. Um sólido swell em Jeffreys Bay enterrou as incensadas manobras modernas e fez surgir, com toda a força, os movimentos tradicionais, clássicos, que definem o esporte.
Ganharia a etapa quem tivesse o domínio real de uma onda de difícil leitura, de seu ritmo, de seus humores. Nada de movimentos bruscos, nada de quiques. J-Bay parecia uma bolha resistente ao tempo, onde não cabiam invencionices.
O primeiro vencedor do dia foi um cinquentão chamado Tom Curren. Ali, naquela condição, a idade era mera formalidade. Um detalhe insignificante. O americano tricampeão mundial surfou em movimentos perfeitos, sem arestas a aparar, e fez o mundo lembrar, depois de tanto tempo, por que ele se tornou um mito.
Um amigo, escriba de ponta fina, disse nas redes sociais, cheio de razão, que os Tops do evento principal deveriam fazer uma vaquinha e dar a Curren um gordo prêmio pela aula nota dez do evento.
Ainda sobre performances arrebatadoras, vamos ao evento. Mick Fanning, na final, contra seu velho amigo coolie Joel Parkinson, fez o que se esperava de seu adversário. Encontrou ritmo, naturalidade, transições quase imperceptíveis entre as manobras. Foi sua melhor apresentação no ano, de longe.
Joel, que nas baterias anteriores vinha deslizando como um mágico ilusionista, com um traçado natural, sem esforço, pelas mais belas linhas de J-Bay, sucumbiu à estúpida precisão de um surfista que sabe quando e onde surfar muito.
Mick avança perigosamente, mais uma vez, na corrida por mais um título mundial. Ele conhece o caminho mais curto para chegar até lá, da regularidade, e ao mesmo tempo é capaz de vencer, como já aconteceu duas vezes este ano.
Ainda é cedo para falar em descartes, mas como lembrou o leitor e colaborador Fábio Dutra, com as duas etapas que não sairão na conta, Fanning e Medina estão rigorosamente empatados, com duas vitórias e dois quintos lugares.
Para além do avanço de Fanning, Medina tem feito um trabalho irretocável. Merece ser reverenciado. Em qualquer onda, surfa e sobretudo compete com enorme maturidade e autoridade. Recuperou a liderança num dos terços mais difíceis da temporada, em etapas com favoritos anunciados de antevéspera.
No dia final de J-Bay, pagou o preço da inexperiência numa das ondas de mais difícil leitura do circuito mundial, onde um goofie não vence desde os anos 80. O brasileiro jamais havia competido lá, mas superou a falta de naturalidade e ritmo com pressão, talento e a cada vez mais elogiada fúria competitiva.
Dois outros brasileiros alcançaram as quartas: Adriano de Souza e Alejo Muniz. Adriano era uma boa aposta em J-Bay. Venceu em 2013, foi elogiado pelo velho adversário Kelly Slater (durante a transmissão das fases iniciais deste ano) e, sem medo de errar, executa um dos mais bem desenhados carvings do mundo.
No dia derradeiro, pareceu não encontrar a prancha ideal para o peso do swell de J-Bay. E também não foi feliz na escolha de ondas. Mas segue bem no ranking, no seleto grupo dos surfistas capazes de, pelo menos matematicamente, assumir a ponta com apenas uma vitória.
Já Alejo usou a força de suas rasgadas para avançar sobre favoritos com autoridade. As manobras encaixaram, a escolha de ondas foi acertada. O resultado foi fundamental para fazer o brasileiro renascer no circuito. Agora, é preciso retomar os trilhos, talvez fazendo valer mais seu surf de linhas com uso de bordas. Talento, definitivamente, ele tem de sobra. É só avançar.
A próxima etapa, em Teahupoo, pode ajudar a isolar definitivamente o grupo que brigará pelo título do ano. Hoje, uma massa heterogênea de sete surfistas está acima dos 30 mil pontos – a diferença do primeiro, Medina, para o sétimo, Mineiro, é de 6.050 pontos. Como vencer vale 10.000 e perder de cara vale 500, está tudo em aberto. Nada mais excitante que essa lista começar a ser cortada pelo pontiagudo lip de Teahupoo. Aos tubos, surfistas.