Vivenciei o final dos tempos áureos da curtição do surf no Brasil. É assim que avalio o meu começo nas ondas, no início da década de 80. Época de “Festivais”, com dezenas de barracas de equipes na praia, shows de rock e concursos de biquíni.
Mas acho que o bom era mesmo na década de 70, onde o esporte começava a girar sem a obrigação demasiada do profissionalismo, ou seja, tudo na base do romantismo.
Ridicularizado e estigmatizado como esporte de vagabundo e drogado, hoje a coisa é totalmente diferente. Cifras envolvem o esporte e o profissionalismo fala cada vez mais alto. Mesmo assim o surf é um esporte único pelo seu próprio estilo. E, apesar de todos os pesares futuros, espero que continue único e despojado, pois acho bom ser diferente.
Se for o caso, podemos continuar vendendo o diferente. Cito aqui duas passagens de dois caras que admiro: Alfio Lagnado e Raimundo Morongo, criadores das marcas Hang Loose e Mormaii, respectivamente. Tiro aqui o fato de serem meus patrocinadores, apesar de ser grato por isso.
Falo em nome do que eles representam para o esporte, como andam lado a lado com a filosofia de vida que escolheram e seguem até os dias de hoje. Começaram cedo e vieram de baixo, mas com muito trabalho cresceram até se tornarem grandes. Sou patrocinado por ambos desde 1987, então, com todo este tempo de parceria, digo que os caras continuam soul surfers do mesmo jeito.
Na primeira vez que fui à fábrica da Mormaii em Garopaba, Morongo trabalhava de sandálias e bermudas, totalmente à vontade. Mesmo diante do crescimento estrondoso da empresa, continua trabalhando da forma em que se sente bem.
Não que isto tire seu profissionalismo. É claro que existem ocasiões onde precisa estar a caráter, mas que bom que o surf ainda proporciona momentos assim e muitos levem com naturalidade, como uma espécie de “cartão postal” do diferente.
Gaúcho, recentemente Morongo recebeu o título de cidadão catarinense em cerimônia realizada na Assembleia do Estado de Santa Catarina, em Florianópolis. Vestido à caráter, claro, ao receber a homenagem das mãos do deputado Jaílson Lima, Morongo soltou-lhes um animado sinal de “woohoo!”. Foi a deixa para que fosse aplaudido pelas cerca de 100 pessoas presentes no Plenário.
Ao final do Hang Loose Pro em Fernando de Noronha, no começo deste ano, antes do tradicional churrasco aberto para todos os habitantes e presentes na ilha, vi camisetas vestidas pelos locutores da internet Julio Adler e Flávio Bandalha e que chamaram a minha atenção. A princípio não entendi do que se tratava.
A frase em inglês, atrás de um emaranhado de “riscos”, dizia Stop Hairy Chest Commentator. “Que diabos é isso Julio?”, indaguei rindo. Ele respondeu: “Cara, você não sabe…ano passado quando estávamos fazendo a transmissão do evento, em determinado momento o Alfio entrou sem camiseta na cabine e um internauta estrangeiro mandou essa: Parem com o comentarista dos peitos cabeludos!”, disse. Só pude cair na risada, claro.
Mas me lembrando disso, em Noronha fica bem difícil estar vestido adequadamente, pois o calor é imenso e principalmente dentro do palanque, que é obrigado a ter uma estrutura mínima devido às leis ambientais e sem ser possível ter grandes confortos. Mas isso para mim foi uma delícia, adorei! Julio Adler também, e logo aproveitou, confeccionando a estampa da foto na galeria acima.
A seriedade é uma necessidade e ela existe, mas é bom viver o lado despojado que sempre carregou o surf. Em uma das cerimônias do banquete da ASP em que participei, anos atrás, o traje era “Aloha Shirt” (camisa com estampas havaianas).
Mesmo achando legal a turma estar em traje a rigor durante todos os anos anteriores e posteriores, aquele momento foi uma quebra para o momento do nosso esporte.
E é disso que precisamos, momentos do surf dentro de todo profissionalismo, sem estar sempre carregados de tanta burocracia. Mesmo que este aspecto seja o caminho para o crescimento, o surf é único. E que seja sempre único.