Muitas Águas

Teoria do inside

Billabong Pro 2008, Jeffreys Bay, África do Sul

É no inside que muitos surfistas caem das ondas que foram pegas no outside. Foto: Aleko Stergiou.

O próprio nome já diz tudo: teoria! Se ela for verdadeira ou não, a prática dirá.

A teoria do inside, como resolvi chamá-la, foi pela primeira vez apresentada a mim, quando comecei a ler minhas primeiras revistas americanas Surfer e Surfing, que esporadicamente chegavam na banca do aeroporto de Congonhas, isto no final da década de 1970.

Meu inglês não era nenhuma “Brastemp”, mas dava pro gasto. Uma das reportagens que me chamou a atenção numa dessas Surfers, foi o relato de um surfista comentando uma foto aérea de um point break na Austrália, entre outras imagens, que mostrava um crowd absurdo (sim, nesta época a Austrália já era bem saturada de cangurus e surfistas também, acreditem se quiser!), onde o mesmo afirmava que mais para o inside, como se via naquela foto, quebravam ótimas ondas, com uma quantidade bem menor de surfistas por metro quadrado!

Baixa densidade demográfica sempre foi uma busca pessoal minha desde a mais tenra idade. Na escolinha, sempre buscava os cantos mais vazios, depois quando adolescente sempre fui a lugares com pouca concentração de pessoas, mais adiante, saí de uma cidade com mais de 10 milhões de pessoas (São Paulo de 1988) pra uma capital com 250 mil habitantes (Floripa na mesma época).

Qualquer semelhança não é mera coincidência com você caro(a) leitor(a) desta coluna. Sim, nós surfistas amamos um certo isolamento, um pouco quem sabe de egoísmo até, mas o que importa quando o que queremos mesmo é surfar muitas ondas só pra nós???!!! Parece esta ser mesma uma tônica do surf.

Mas aquele sujeito, narrando seu texto e mostrando pelas fotos, foi desenvolvendo sua teoria e mostrando por A mais B que o inside era o melhor lugar quando o mar estava realmente lotado de cabeças lutando pelas mesmas ondas e às vezes até mesmo sem tanto crowd.

Era no inside que muitas ondas acabavam não quebrando no outside e achando uma bancada mais rasa de areia, pedras ou coral, ganhando força e forma ideais para quebrarem.

Era no inside que se encontravam alguns menos experientes, não dispostos a disputar as ondas mais desafiadoras.

Era no inside que se encontravam aqueles que não estavam dispostos a disputar braçada a braçada, grito a grito ou tapa a tapa, as ondas da série.

E também era no inside que muitos surfistas caíam das ondas que vinham sido pegas desde o outside, seja por um drop mal calculado, ou um choque entre as bestas-feras do outside, ou até mesmo porque alguém havia literalmente “secado” aquele felizardo…

Foram tantos méritos para os “insiders” que resolvi, na minha primeira real oportunidade de crowd, ser um “insider”. E não é que para minha surpresa deu certo!

Enquanto escutava muitos até chingando lá fora, eu não parava de pegar onda. Onda boa mesmo, e uma trás da outra!

Os anos foram se passando e apesar de surfar muitos mares épicos no outside seja aqui no Brasil ou em outros mares gringos, confesso que a teoria do inside, resolveu e muito minha vida em dezenas de situações onde estaria no meio de gladiadores!

Foi no Inside de muitos mares como por exemplo a Joaca, Guarda do Embaú, Campeche, Lambe-Lambe, Pinheira, Silveira, Vila, etc., só para citar algumas ondas aqui no Sul do Brasil, entre outras como Uluwatu, Kuta-reef (Bali), Raglan (Nova Zelândia), Rincon (Califórnia), La Punta em Puerto Escondido (México), Boca Barranca (Costa Rica), Sta. Catalina (Panamá), Chicama, Puémapé, Cerro Azul, La Isla, Caballeros, Pacasmayo, San Gallán (Peru) e até Sunset (Hawaii), entre tantas outras ondas nestes mais de 30 anos rodando o mundo atrás delas, que surfei algumas das melhores ondas de minha vida!

Sim, com toda razão, o outside é poderoso, único e o lugar onde estão aqueles que querem ir para o surf máximo.

Já estive muitas vezes lá, e foi maravilhoso. Porém, posso dizer com toda certeza, que a teoria do inside, pelo menos para mim e outros tantos “insiders” que vi e conheci nestes anos todos, é um lugar sim de muitas ondas, de muitos tubos, de muitas oportunidades!

Nós, seres humanos, muitas vezes somos assim mesmo; orgulhosos e prepotentes, em busca de grandes feitos, da garota mais linda da classe, da conta bancária mais poupuda ou dos sonhos mais longínquos.

E muitos são os que estão ou querem estar ali. Mas muitas vezes, podemos esquecer de que as maiores bênçãos de nossas vidas podem estar bem ao nosso alcance, mais perto do que imaginamos, numa remada bem mais curta do que um infinito horizonte, agradando-nos da alegria das pequenas conquistas, afinal um Everest conquista-se passo a passo.

Assim foi comigo muitas vezes como um “insider”, pegando ondas melhores que as que vi lá fora, ondas que não dava tanta atenção assim. Foi também nos insides da vida que conheci algumas das mais maravilhosas pessoas e amigos, que não demonstravam grandes feitos ou conquistas, mas que na intimidade de um sinsero relacionamento, mostravam a pureza de seus sentimentos…

Foi, e tem sido no inside de muitas situações que talvez eu nem desse tanta importância, que Deus tem me ensinado grande lições, assim como foi com o grande Mestre Jesus Cristo, Senhor da simplicidade, humildade e singeleza de coração!

 

Pense bem e reflita, quem sabe, ao invés de ficar lá fora esperando pela “onda” da série, a garota da escola, a conta do banco ou os grandes seriados de oportunidades da vida, sua onda, minha onda, nossa onda, seja no mar ou no dia-a-dia, pode estar bem diante dos nossos olhos, pronta para droparmos e seguirmos pela melhor “viagem” de nossas vidas!

Viva o outside, sim! Mas viva o inside também…

Vamos lá, quem sabe a gente ainda se encontra algum dia desses num inside da vida.

Aloha!

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