The Surf Cool

The Surf Cool

The Surf Cool, edição 323, setembro de 2012.

Com a acidez que lhe é tradicional, nosso articulista americano Lewis Samuels traça um perfil do “surfista moderno” e tenta entender o que está acontecendo com a imagem do surf. Estamos buscando a modernidade no passado? Nossa alma foi corroída por algum vírus de internet? Por que estamos usando pranchas retrô e fazendo fotos analógicas? Seria isso uma busca pela nossa verdadeira essência?

(Texto publicado na edição 323, de setembro de 2012)

A cultura do “descolado”

Sou tão culpado quanto os outros. Tenho uma monoquilha dos anos 1970 em minha garagem, junto com uma prancha Mini Simmons 5’0”, biquilha. Meus óculos são Ray-Ban pretos. Sim, meu cabelo é despenteado e meu rosto desalinhado. Estou usando Vans e meu jeans, sim, ele é bem justo. Tenho um iPhone e um Mac. Você pode me seguir no Twitter, ver minhas fotos no Instagram e tem até uma câmera analógica na minha mesa. Já se referiram a mim como escritor, blogueiro, uma pessoa criativa. Quero acreditar que sou um indivíduo. Quero acreditar que minhas escolhas de vida se somaram em algo único. Mas as evidências apontam para o oposto. Sou indistinguível do resto do rebanho “hipster” (ou moderno) do surf. O triste é que nem mesmo me sinto parte da tribo. Em vez disso, sou aquilo que odeio.

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Um dos grandes ícones da geração “hipster”, Dave Rastovich dedilhando seu ukelele. Foto: Manoela D’Almeida. 

Como isso aconteceu? Tenho minhas desculpas e elas se resumem principalmente a uma defesa vaidosa e duvidosa: meu jeito pessoal intransigente deu a volta completa, primeiro estando na moda, depois fora de moda e então na moda de novo. Fiquei preso a esse jeito por tempo suficiente para que finalmente as tendências me acompanhassem de novo. Posso explicar praticamente todos os vestígios do meu vexaminoso comportamento hipster no surf: A monoquilha? É a prancha com a qual aprendi a surfar. Meus óculos Ray-Ban? Tenho problema de visão e uso Ray-Ban de graus há quase 20 anos. E continuarei me defendendo, mesmo que seja inútil. Sempre detestei fazer a barba, sou peludo naturalmente e pareço um vagabundo desde a puberdade. A câmera analógica na minha mesa? Tenho desde 1995 e os Vans que estou usando são os de cano baixo iguais aos que usava para detonar na terceira série.

Meu irmão, que não se preocupa tanto com seu individualismo quanto eu, tem uma resposta mais concisa e lógica para essa charada toda. É apenas a internet. O pensamento coletivo. Aquela música indie que gruda na cabeça que você baixou mês passado? O McDonald’s a usou em seu comercial uma semana depois porque o cara que fez o anúncio também tem uma conexão de internet e também ouviu a música online. O mesmo vale para as Mini Simmons. Antes era preciso uma boa iniciativa para separar as coisas bacanas das que eram apenas comerciais irritantes. Agora não mais. Moleques de sétima série conseguem fazer isso. E fazem. Culpe o Twitter. Culpe o Facebook. Culpe o Google Reader. Culpe qualquer outro blog de surf de merda que surgiu brilhante e decaiu desde então.

A internet nos permite traçar vetores das tendências do surf igual ao Centro de Controle de Doenças, acompanhando sua propagação e espalhando vírus mortais. Lá fora no “éter”, entre postagens, vídeos curtos no Vimeo e alterações de status, há um checklist nebuloso se formando e detalhando “como ser legal” no mundo moderno do surf. A internet permite que temas que eram regionais se tornem globais em questão de semanas. É fácil ver o que outros surfistas legais estão fazendo e é difícil não se deixar levar por isso. Seja intenso. Deixe a barba crescer. Pegue onda de peito, use monoquilha… Ou faça uma prancha de mão! Fotografe suas coisas com uma câmera antiga de filme ou, se quiser cortar caminho, aplique um filtro anos 70 do Instagram na foto feita com seu iPhone antes de postar no Twitter. Treine jiu-jítsu ou faça yoga, coma comida orgânica e garanta que as pessoas saibam que você faz tudo isso através das redes sociais. O mesmo vale para o trabalho de ajuda humanitária que você fez em sua última surf trip. Pare de usar botinhas. Pare de usar leash. Tenha uma van. Faça arte, sendo artista ou não. Ou toque guitarra ou ukulele. Se surfa, lá no fundo você provavelmente deve ser um artista, músico ou escritor… talvez as três coisas. Ouça “Velvet Underground” no aplicativo Spotify. Adore entusiasticamente seus colegas surfistas, a menos que esteja fazendo um comentário anônimo. Nesse caso pode esculachar. Monitore um swell “XXL” enquanto ainda arranha as ondas “XX” e reme em vez de fazer tow-in, mesmo já tendo ou não remado ou feito tow-in em ondas grandes. Mas isso não deve evitar que você reme lá para fora na Big Wednesday (quarta-feira em que o mar ficou gigantesco na costa norte havaiana), em um pico protegido, com uma 9 pés que você usa para tomar ondas dos surfistas “não iluminados” que estão usando pranchinhas em ondas enormes. E a lista continua. 

(Continua na página 02)##

Hipoteticamente não há nada de errado nisso tudo. Comparadas com outros pontos na história do surf, as coisas que são legais hoje, na maioria, são realmente muito legais. Gosto de pensar que isso explica por que estou dentro das tendências. Criatividade é algo bom. Como se pode argumentar contra o bodysurf? A música é subjetiva, mas não existe dúvida de que o Velvet Underground é bem mais legal que os Backstreet Boys. E Bob Simmons foi mais foda que qualquer um, em qualquer época, então é muito foda surfar com versões em miniatura de seus designs de meio século atrás. Mas, se Simmons estivesse vivo hoje, como seria tratado? 

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A Mini Simmons é só um dos objetos de desejo do surfista moderno. Foto: Divulgação Siebert. 

Se Simmons caminhasse novamente pela Terra e aparecesse em algum pico da Califórnia com pranchas de fibra de carbono shapeadas por computador que fossem tão inovadoras quanto eram suas pranchas dos anos 1940, seria ridicularizado por hipsters do surf, por não ser legal o suficiente. O júri daria o seu veredito com a certeza daqueles que estão na moda, com suas roupas de borracha japonesas e Mini Simmons feitas à mão. E quanto ao verdadeiro Simmons? Sua calça não seria skinny o suficiente. Talvez ele estivesse de botinhas ou, Deus nos livre, talvez até com um capacete. Aliás, um capacete talvez tivesse salvado a vida de Simmons, quando ele se afogou em 1954 depois de ter sido acertado na cabeça por sua prancha em ondas de 2,5 metros num pico de San Diego, no sul da Califórnia. Há uma grande ironia na popularidade atual de Simmons. Diferentemente de Rob Machado, por exemplo, as pessoas não gostavam muito de Simmons em sua época. “Ele era barrado e apanhava em Malibu. Era socado em San Onofre e apedrejado no caminho para Palos Verdes”, relembra o californiano John Elwell, um de seus pilotos de teste, na “Enciclopédia do Surf”. Se existe um equivalente moderno a isso, eu não conheço.Provavelmente estaria fazendo o mesmo que fazia nos anos 1950, utilizando as tecnologias militares para criar as pranchas mais progressivas e de vanguarda possíveis. Mas é bem improvável que estivesse interessado em surfar com relíquias em decomposição ou preocupado com o quão moderno seria o seu aerógrafo. Como escreveu uma vez John Elwell, amigo e discípulo de Simmons, no “The Surfer’s Journal”, a Simmons Surfboard era “uma mudança radical, bem à frente do seu tempo, igual ao seu designer, e os mal-entendidos atrapalharam sua aceitação. Bob Simmons ignorou as críticas e simplesmente foi surfar”.

A internet nos leva a uma hegemonia global da cultura surf e os inovadores iniciantes, verdadeiras miniaturas de Bob Simmons, já são detonados no Facebook bem antes de apanharem no caminho de Palos Verdes. Dê um passo para fora da linha e ouvirá a respeito disso na seção dos comentários. Talvez seja por isso que o mundo do surf esteja cada vez mais povoado por pessoas que parecem inovadoras em vez de pessoas que inovam. A maioria das pessoas que parecem na moda não tem essa aparência por acaso. Suas imagens são o resultado de horas passadas se preocupando com a própria imagem, elas se concentram na superfície em detrimento da substância. E pessoas da moda gostam de coisas da moda. A credibilidade delas se apoia em um fluxo interminável de compras, cada um sendo um teste. Você precisa comprar as pranchas certas. Gostar das músicas certas. Comer a comida artesanal certa e comprar e usar as roupas certas que definirão sua personalidade única, mesmo que sejam as roupas que todo mundo está usando. Para os surfistas, o legal ou a moda são cada vez mais definidos pelas compras em vez das performances. Isso porque algumas das pranchas de surf da moda hoje são projetadas para prejudicar a performance. Se você está preocupado se vai surfar bem, então não compre uma alaia. Talvez alguns surfistas só estejam querendo capturar um sentimento novo (ou antigo). Mas talvez um número cada vez maior deles esteja escondendo sua falta de habilidade por trás de “muletas de madeira”.

(Continua na página 03)##

Essa arma vestigial já feriu inúmeros surfistas em vários níveis diferentes. Nos anos 1980, as biqueiras se popularizaram como uma medida de segurança bem razoável. Mas, igual aos capacetes Gath, foram estigmatizadas quando o surf retornou às suas raízes minimalistas. Irracional? Com certeza. Mas os surfistas respondem às tendências e as biqueiras saíram de moda. Mais recentemente, depois de um jovem surfista se machucar em sua praia local, Greenough escreveu uma carta para o jornal “Byron Bay Echo” pedindo que as biqueiras fossem declaradas novamente “na moda”. Mas os devotos hipsters que estão dispostos a abraçar fervorosamente o corte de cabelo tigelinha, que é a marca registrada de Greenough, não querem abraçar a sugestão de segurança.Pense no caso de George Greenough. Da mesma forma que Simmons, o enigmático shaper/designer/kneeboarder de Santa Bárbara é um dos verdadeiros inovadores do surf. Ele consistentemente se preocupou com a parte prática enquanto ignorava a moda. Suas inovações de design ajudaram a criar a fagulha que deu na revolução das pranchinhas. Mas é só agora que algumas de suas outras criações, como as pranchas de kneeboard “sub-five foot flex spoons”, estão sendo verdadeiramente apreciadas. Uma olhada rápida na blogosfera hipster do surf revela uma valorização fetichista das obras da década de 1970 de Greenough. Mas o que muitos devotos não sabem é que, diferentemente de Simmons, Greenough ainda está vivo. E não está interessado em requentar o passado. Em vez disso ele se interessa por deixar o surf mais seguro. O que poderia ser menos legal do que isso?  Sempre pragmático, Greenough, vivendo agora em Byron Bay, Austrália, opinou recentemente sobre um dos exemplos mais flagrantes da obsessão do surf mais com o design do que com a funcionalidade: os bicos pontudos. Por ter sido fundamental na revolução das pranchinhas, George relembra que o bico pontudo foi uma inovação completamente cosmética. 

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Outro sonho de consumo dos chamados “hipsters” do surf é a Alaia. Toda feita em madeira, a prancha é para poucos, mas hoje é vista na mão de muitos. Foto: Silvia Winik. 

Por que os conceitos de décadas passadas são relevantes hoje enquanto o progresso é evitado? E por que estou gostando dessa moda junto com os que posam de surfistas que eu adoro odiar? É mais do que apenas nostalgia, especialmente quando consideramos que muitos dos hipsters do surf estão imitando o estilo de uma era que existiu antes de eles nascerem. Os garotos anseiam por uma época que não conheceram, quando o surf não pertencia a todo mundo. É o lamento triste de uma geração que imagina se a autenticidade do surf foi perdida. E às vezes eu me pergunto isso também. Mesmo para surfistas mais antigos, parece que o único jeito de seguir em frente é olhar para trás e peneirar as cinzas da história do surf em busca de carvões em brasa que ainda queimem com a aparência de uma chama verdadeira. Olhamos para trás procurando algo que não está mais lá, aqueles momentos orgânicos, perdidos no passado, quando o especial não era pegar ondas, o especial era ser surfista.

Se há uma lição aqui, eu não consigo apontar onde ela está. Sigmund Freud escreveu sobre “o narcisismo das pequenas diferenças”, nossa necessidade de nos apegar a um senso conceitual de singularidade a fim de mascarar a verdade simples que é nossa mesmice básica. Não são muitos de nós que são flocos de neve únicos, e isso machuca. Minha desconfiança dos hipsters do surf começa e termina nisso. Vejo muito de mim mesmo neles, e prefiro ser alguém singular. Mas gosto de acreditar que há mais na questão do que apenas isso. Se seguirmos os vetores da tendência do “faça você mesmo até o fim”, ficaremos olhando para um exército de seguidores mascarados, pessoas que parecem criativas, mas que não criaram nada mais do que uma convincente marca pessoal de surf. Da mesma forma que a maioria dos surfistas de verdade, passo meus momentos ociosos planejando minha próxima sessão de surf e não a minha próxima roupa. E tenho sido considerado maluco por surfistas que estão conscientemente na moda, antes mesmo de entrarmos na água.

No fim, talvez seja isso que incomode. Parecer legal é uma coisa, mas realmente fazer algo legal, inovar de verdade, isso é algo completamente diferente. O importante não é mais saber quem consegue surfar e quem não consegue. Tudo se resume a ter aquela aparência e comprar os acessórios corretos. Os consumidores encontram a autenticidade nos produtos e a sabedoria nos slogans. Os que posam de surfistas julgam os surfistas de verdade e se sentem no direito de fazer isso se o surfista de verdade por acaso ainda estiver usando um equipamento dos anos 1990. A rusga costumava terminar na beira da água. Agora não mais. Esses novos imitadores de surfistas agora boiam ao nosso lado nos line-ups lotados, ainda convencidos de que a busca deles os levará à superioridade quando a próxima série entrar. Eles são lançados nobremente pelo lip em quadriquilhas de madeira. Eles comungam com Poseidon e Laird enquanto se esforçam para não entrar de borda com suas guns em ondas um pouco maiores que a altura de suas cabeças. Eles continuam a se iludir, acreditando que uma alma pode ser comprada com um Mastercard e que a iluminação no surf está apenas a uma próxima compra de distância.

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