Alfio Lagnado

Três décadas de sucesso

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Alfio Lagnado é um dos personagens mais importantes da história do surf brasileiro. Foto: Arquivo pessoal.

Além de fazer um belo trabalho nos bastidores, Álfio manda bem na água. Foto: Arquivo pessoal.

Empresário promete o retorno do tradicional Hang Loose Pro Contest. Foto: Daniel Smorigo.

Seu nome está intrinsicamente ligado ao mercado surfwear, a campeonatos de surf, ao surf em geral. Há 31 anos, o paulistano Alfio Lagnado criava a Hang Loose, no início uma ação mais entre amigos e que depois se tornou uma das marcas mais conhecidas e de maior identidade no surf no Brasil e no mundo. Uma trajetória que marcou o segmento desse esporte, uma marca que ficou famosa por suas ações de marketing, investimentos em atletas, campeonatos, sempre com identidade total no surf.


Nessas três décadas, ele foi construindo uma imagem forte, sólida, baseada no tripé: raízes do surf, atletas de performance e eventos. Entre seus grandes feitos está, sem dúvida, o Hang Loose Pro Contest, etapa do Circuito Mundial mais tradicional no país, realizada pela primeira vez em 1986, em Santa Catarina e que passou pelos litorais paulista e pernambucano e ficou marcado mesmo em Fernando de Noronha.


Apesar da atual parada “estratégica”, Álfio garante e anuncia que o evento voltará. Outro destaque fica para os patrocínios de atletas. Sem dúvida, Fabinho Gouveia e Teco Padaratz, a famosa dupla que abriu as portas do Circuito Mundial, são os principais. E há, também, o Hang Loose Surf Attack, voltado às categorias de base, há quase duas décadas levando o nome da marca e que revelou os principais nomes brasileiros em ação na elite mundial, como Adriano de Souza, Gabriel Medina, Filipe Toledo e Miguel Pupo.


Junto à Hang Loose, o empresário de 52 anos comanda no Brasil a Reef, a Rusty, a Volcom e ainda atua como consultor da Quiksilver. Já teve, também, a Oakley e Nixon. Foi o responsável por criar  um novo modelo de negócio no mercado surfwear brasileiro, gerindo várias marcas simultaneamente. Um homem de visão de vanguarda, um apaixonado pelo surf e que acredita muito no esporte.


Na entrevista a seguir, Alfio fala um pouco de tudo ligado à marca, história, planos e, claro, também sobre mercado.

 
Alfio, para começar, o Hang Loose Surf Attack, circuito de base patrocinado desde 1995. Todos os surfistas brasileiros que estão hoje no WT foram revelados, formados ou passaram em algum momento no evento. Filipinho, Medina, Miguel, Alejo, primeiro Adriano de Souza. Como avalia esses 19 anos de parceria?
 
Se você pegar as antigas gerações, a lista é gigantesca. Se tirar um ou outro que não tinha condições de viajar para competir, a maioria dos atletas do Brasil que já competiu no WCT, praticamente passou ou aprendeu a competir ou foi realmente testada nesse campeonato. O Surf Attack é super gratificante. É um evento de base que sempre valorizamos. É o evento principal. Por mais que já tenhamos feito muitos campeonatos, de todos os níveis, desse não abrimos mão, pela importância que tem para a formação de base dos atletas brasileiros.
 
É prioridade?
 
É a principal prioridade. Tanto que já estamos com ele há quase 20 anos e temos como característica da Hang Loose trabalhar atletas desde a base. Não só patrocinados, como a base do Brasil. O Hang Loose recebe atletas de todo o Brasil. É onde realmente o atleta amador é testado e colocado à prova para seguir a carreira dele, visto os resultados no WCT.
 
Você é visto como o “paizão” da molecada. Essa imagem vem de longe, desde a época do Fabinho Gouveia, ainda como amador. Sente-se realizado?
 
Eu me sinto muito realizado. Eu, como surfista, sei da importância desse trabalho de base feito no Brasil. Geralmente, como os eventos amadores não envolvem premiação em dinheiro, não tem muita gente de outros estados interessada em fomentar essas disputas. Você fazer um trabalho sério, igual é feito pela Federação Paulista, de ter esse circuito tradicional, bem organizado, bem julgado, com premiação atraente, faz o atleta brasileiro amador ser muito preparado para entrar para o mundo. Inclusive eu faço sempre essa comparação. Eu acho que o atleta amador brasileiro é o mais bem preparado do mundo, só que quando entra no profissional, às vezes, dá uma desandada e os atletas internacionais, que têm uma formação escolar e familiar melhor, acabam se destacando. Mas acredito que a base do Brasil é mais sólida do mundo.
 
Antes do Surf Attack, você já investia na base, no Teco e no Fabinho, um trabalho que tornou os dois atletas ícones no Brasil. Lá atrás, já pensava em investir assim?
 
Antes de Teco e Fabinho, tivemos o Tinguinha Lima, que também fez história. Tivemos o Mineirinho (Adriano de Souza), o Pigmeu (Bernardo) e Marcondes (Rocha) e agora o Victor Bernardo. Sempre tivemos uma história de manter uma longa trajetória com os atletas. Desde que eles começam, damos todas as condições que precisam para se desenvolver. Como a nossa empresa é surf e é verdadeira, sabemos que esse é o trabalho correto a ser feito. Mesmo que o retorno venha a ser colhido mais tarde. Ou, às vezes, você perde o atleta e nem colhe o retorno, mas o trabalho certo a ser feito é associá-lo à sua marca, num longo prazo.
 
Ainda falando em desenvolvimento do surf, a Hang Loose também ficou marcada pelo Hang Loose Surf Pro Contest. Não só pelas etapas de Fernando de Noronha, que foram épicas, mas as realizadas antes, em Floripa, onde o sonho começou, Guarujá, sobretudo com a vitória de Peterson Rosa e depois litoral pernambucano e Maresias. Você sempre teve essa veia de investir em eventos que ficaram marcados. Afinal, foram 26 anos de disputa no Tour mundial, 13 deles em Noronha.
 
É! Na verdade como somos, gostamos e estamos envolvidos com o esporte, sempre tentamos proporcionar para a comunidade do surf, o que há de melhor. Ter os melhores atletas, os melhores campeonatos. Em 1986, ninguém nem sonhava em fazer campeonato internacional e trouxemos uma etapa da ASP. Tivemos campeões mundiais e futuros campeões na praia, como Carrol, Shaum, Rabbit, Mark Richards, Barton Lynch, Occy e Damien Hardman. Foi um marco na história e se tornou um dos campeonatos mais tradicionais do país e do mundo. Por acaso, demos uma paradinha em 2013 e em 2014 também não vai ter. Estávamos um pouco em desacordo da parte organizacional do evento, de logística e de transmissão. E as próprias mudanças na ASP. Estamos dando tempo para ver como ficará, mas sempre estivemos envolvidos, sempre estaremos, porque somos uma empresa de surf, e não tem jeito, esse é o nosso DNA.
 
Mas então já vem uma boa notícia: o Hang Loose Pro Contest vai voltar.
 
Vai voltar com certeza. É só uma questão de acertarmos uns ponteiros, a ASP também se organizar, para voltarmos.
 
Será novamente em Noronha?
 
Noronha é o melhor. Não é a melhor data, mas é a melhor locação em termos onda, de fotografia, de ecologia. Todo o conjunto leva Noronha a ser o melhor local do Brasil para ser fazer um evento. E a gente deve voltar para lá uma hora.
 
Falando da marca Hang Loose, quando começou em 1982, imaginava chegar nesse patamar?
 
Não! Nem tinha ideia. Comecei vendendo roupas para amigos e a coisa foi indo. Já começamos patrocinando um monte de gente. Já tinha equipe desde o começo.
 
Lembra os primeiros?
 
Claro! Elton, Edu Buran, depois Tinguinha, Totó. Também teve o Paulo Kid, que hoje é o técnico da equipe.
 
Como começou?
 
Minha mãe tinha uma confecção de roupas para senhoras e eu caia para dentro, fazia bermudas para os amigos e saia vendendo. Já surfava e já sabia o que a galera queria: bermudas mais leves, coloridas, de nylon. Na época eram de algodão, demoravam a secar. Usamos materiais mais leves e a coisa foi indo. Comecei a fabricar para a OP e entrei no ramo. Comecei a trabalhar sempre na fábrica da mãe, nos finais de semana. Montei o meu negocinho. Em 1986 fizemos esse campeonato internacional, foi uma doideira, deu tudo certo, e a marca explodiu.
 
Como foi o crescimento? Tinha visão de crescer assim ou foi natural?
 
Foi natural. E tem dois motivos. Ninguém chega onde estamos, sem bom senso, uma noção de gestão, porque passamos pelos planos econômicos, as mudanças de câmbio, de presidentes, os regimes. É muito complexo, muita gente ficou pelo caminho. É claro que tem um mérito por atravessar todas essas tempestades, mas acho que o mais nos manteve no eixo, foi nunca ter desviado do nosso DNA, que é o surf. Então, muitos foram para a luta, para o voo livre, para o kite, foram para o futebol, foram para não sei onde. Muita gente mudou de linha, de esporte e nós sempre mantivemos as nossas raízes no surf, nos atletas de performance e nos eventos. Sempre tivemos esse tripé e nunca saímos desse caminho. Isso nos ajudou muito a estar hoje aqui e ser conhecido no mundo inteiro.
 
Hoje a Hang Loose é uma empresa líder da Surfco, você montou um pool de empresas. Foi também uma forma natural, viu que poderia “abraçar” outras marcas?
 
Foi interessante. Na época, nenhuma marca tinha outra. Ou tinha uma ou outra. No início dos anos 90, teve uma proposta da Reef. Conheci o Fernando Aguerre por causa do Fabinho Gouveia, que era Hang Loose e Reef. Eu não era manager, mas ajudava. Desenvolvemos relação. Criamos um novo modelo de negócio no mundo do surf, com uma empresa ter algumas marcas no portfólio, uma situação que hoje tem praticamente no mundo inteiro.
Depois da Reef, vieram Oakley, Volcom, Rusty, Nixon. Hoje são quatro empresas, a Hang Loose, a Reef, a Volcom e a Rusty.
 
E tem a Quiksilver também?
 
É uma empresa à parte, onde era sócio dos gringos e agora sou consultor.
 
Como é gerir cinco grandes marcas, uma delas de nível mundial? Cinco equipes distintas e concorrentes entre si. Estimula concorrência?
 
Deixo o couro comer. Porque teremos concorrência lá fora. Melhor que tenha aqui e já sai esperto para a guerra. E a vantagem que tem economia de escala. Custos centralizados, administrativo, financeiro, locação, logística. Mas cada marca tem seu marketing, vendas e criação totalmente independentes. Eu no comando, mas todas têm poder de decisão, têm vida própria para tocar.
 
Como está vendo o mercado no Brasil?

 

Andando de lado. O mercado de surfwear é cíclico aqui e no mundo. Estamos passando por uma fase de mudanças no surf, a própria ASP, nosso órgão maior, está passando por uma reestruturação. São fases. A maioria das empresas, nesses momentos, muda de foco, abandona. E eu acho que o surf é um esporte tão bacana, tão especial, que nunca vai morrer, nunca vai perder a magia. O que acontece é que muitas empresas exploram muito o surf, empresas que não têm nada a ver, e, de repente, isso desgasta a imagem. São oportunistas. E a gente continua firme e forte no nosso caminho. Estamos passando por um momento desses, que é totalmente natural.
 
Você aposta na volta da força do segmento?
 
Nunca vou deixar de apostar e tenho certeza que sempre vai continuar forte, porque está associado ao esporte que é muito bacana, especial, diferente.
 
Seu nome, Alfio Lagnado, é ligado a Hang Loose. Existe carinho especial pela marca?
 
Com certeza! É a marca que criei, onde tudo começou. Onde acabo me envolvendo no marketing, acompanho de perto. As outras marcas a gente é gestor. São licenças que seguimos um direcionamento internacional das matrizes. Na Hang Loose criamos a nossa própria história.
 
O que projeta para o futuro?
 
Estamos associados ao surf, vamos continuar nessa onda e surfar essa onda até o fim. O que acontece com a maioria das marcas e o que aconteceu com o mercado é que todos visam o crescimento. Muitas empresas acabam abrindo o capital, buscam mais crescimento e vão esgotando o modelo. Há desgaste. E não quero isso para o meu negócio. O meu negócio é estável, de longo prazo e a ideia é crescer, ficar, ter novas linhas de produtos, potencializar o mercado, que é muito grande, e sempre ser fiel às suas raízes, ao esporte, e seguir em frente.
 
Ao conversar com Alfio, é fácil notar alguns pontos de seu sucesso. Primeiro, a humildade de sempre; segundo, a visão de vanguarda, a vontade de sempre trabalhar, investir na própria marca, em eventos, em atletas; e terceiro, a paixão pelo surf.  Sem dúvida, uma das pessoas mais importantes que o surf brasileiro já teve.