Durante a segunda etapa do CT, em Margaret River, ocorreu uma situação incomum. Na bateria da quinta rodada, em que se enfrentaram Filipe Toledo e o local Connor O’Leary, o brasileiro surfou muito, aliás, com quilhas trocadas de posição. Quilha central na caixa do lado direito e vice-versa. As ondas eram grandes e difíceis no momento, no entanto, Filipe “Torpedo” venceu a parada com seu nível habitual de surfe, ou seja, alto.
Só soube da troca quando saiu do mar e foi avisado pelo repórter do evento, o ex-campeão mundial Barton Lynch. Disso sairam duas perguntas inevitáveis: quanta influência as quilhas têm na performance de um surfista? E qual o nível de percepção?
Para responder, os especialistas:
Gary Linden – A forma das quilhas é muito importante, mas não da maneira que a maioria das pessoas pode acreditar. No caso de Filipe, mudar as quilhas de posição acidentalmente, como aconteceu, poderia ter melhorado o desempenho dele para as ondas que estavam rolando naquele dia em particular. É o caso do design de pranchas assimétricas. Pranchas normais e colocação normal de quilhas estão configuradas com base em um equilíbrio para trabalhar melhor na maioria das situações. Mas, em certas situações, outras configurações podem até funcionar melhor. Eu não acho que todos os surfistas têm conhecimento suficiente para perceber a diferença entre todos os desenhos de quilhas disponíveis, mas eles podem sentir que usando as quilhas recomendadas para o seu tamanho e habilidade especial, alcançarão o melhor desempenho possível.
Kareca da Shine – No início dos anos 80 eu fiz uma prancha para o Neno do Tombo e, por engano, uma das quilhas laterais ficou com um ângulo mais acentuado do que a outra. Uma era mais vertical e a outra mais inclinada. Neno achava essa prancha mágica. Três dias antes do início do OP Pro, um dos mais importantes campeonatos internacionais da época, roubaram a prancha. Neno, desesperado, me pediu para fazer outra, mas tinha que ser igual, incluindo a mesma quilha “torta” da prancha roubada. O segredo de uma prancha mágica pode estar escondido, mesmo que num erro como aquela quilha. E você pode nunca saber o detalhe que faz com que a prancha seja mágica.
Filipe não está acostumado a esse tipo de onda. Grandes, oceano aberto, perigoso. Nada amigável. As condições de Margaret para a bateria em questão eram difíceis, o que gera uma grande quantidade de adrenalina. Foi também uma bateria importante e deve ter gerado muita ansiedade, um monte de estresse para Filipe. Eu acho que a última coisa que importava era se as quilhas estavam no lugar certo ou errado. Ele queria fazer o melhor trabalho possível com toda a adrenalina e ansiedade correndo em suas veias. Seu estado emocional não permitia que ele notasse (ou não) um detalhe como a colocação de quilhas.
Com isso, não quero dizer que quilhas não causem nenhum impacto sobre o surfe, pelo contrário. Pense em Kelly Slater. Kelly surfou toda a sua carreira com quilhas como de twin fins. São mais largas e altas do que as de triquilhas habituais. Além disso, no meio vinha com uma M3, estreita, que serve apenas como um pivô. Quilha M3! Para todo power surf de Kelly, a M3 é super pequena. Além disso, como ele usa, frequentemente, rocker de rabeta acentuado, a quilha de trás ficava ainda menos dentro da água, tendo menos tração. Esta combinação de quilhas laterais grandes, como de twin fins, com a central M3, faz com que a água saia em direção à rabeta com muita pressão.
O surfe é um esporte vivo, onde não há nada escrito. Os padrões não existem e todos devem encontrar o seu ideal.
Jason Koons – É muito interessante como as coisas que você considera importante, não são tanto. A coisa mais importante que você precisa lembrar sobre as quilhas é que você deve ter alguma em sua prancha. Você não pode esquecê-las! Todos nós compramos coisas porque gostamos dos detalhes que o designer escolheu para destacar. E todos nos convencemos de que esses detalhes são o que tornam o produto melhor. Mas a verdade é que uma prancha de surfe é muito simples. A qualidade é importante, o tamanho correto é importante também. Mas todo o resto é afinação ou marketing.
Certa vez, um shaper recomendou-me que mudasse minhas quilhas laterais em uma prancha com plugs e eu segui o conselho. Coloquei a esquerda na caixa de quilha direita e a da direita na esquerda. O surfe foi divertido, e honestamente, a pequena diferença que senti foi, provavelmente, apenas na minha cabeça.
Keith Teboul – Quilhas são muito importantes. Muito mais do que as pessoas realmente podem entender. Eu acho que Filipe é tão talentoso que excedeu a sensação que estava tendo no momento da bateria em Margaret River. Provavelmente a média dos surfistas não consegue perceber a diferença, mas as quilhas podem fazer ou destruir uma prancha no sentido de você se sentir bem e fluir ou sentir um surfe ruim e difícil. O desenvolvimento de quilhas no futuro será fundamental, na verdade, já é, porque cada vez há mais e mais dedicação a esta área de design das pranchas.
Matéria feita pelo uruguaio Rodrigo “Roli” Caballero e publicada originalmente na revista espanhola Surfer Rule.
Tradução: Edinho Leite