Espêice Fia

Túnel do tempo reciclado

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Lembro bem de quando comecei a notar que as coisas eram descartáveis. Achava aquilo de certa forma legal. Quando surgiram as garrafas pet de litro, então, que irado! Não precisava mais levar o casco para trocar na compra do refrigerante. Usa e joga fora!

Não era bem assim. Jogava-se fora, porém no lixo, claro. Mas na época não existia reciclagem (pelo menos para mim ou minha cidade) e logo depois percebi o montante de coisas que iam para o lixo.

Filho de mãe que já foi professora de artes e adepta a juntar e remendar (reaproveitar) tudo quanto era “cacareco”, sempre fui de certa forma voltado para reciclagem. Seja contribuindo para coleta seletiva nos últimos anos na cidade onde moro, ou mesmo procurando consertar, aproveitar, enfim, tentar reciclar coisas.

Lembro-me de uma vez no Japão, ano de 1989. Estava em uma pousada na praia de Hebara Beach e havia um pequeno quintal com um certo montante de equipamentos eletrônicos abandonados. Os mesmos me pareciam semi-novos, porém, segundo o dono, quebrados e sem conserto. Na época, a mão-de-obra por lá já era bem cara e, como nos dias atuais, valia mais a pena comprar outros novos.

Foi assim que minha impressora “tampa de crush”, comprada dois anos antes por US$ 99 no dia da promoção black friday no Hawaii, foi para o saco por causa de um entalo de papel. Segundo a loja em que levei para arrumar em Floripa, teria de trocar uma placa e acabaria não valendo a pena. Mas havia sido uma besteira, um entalo de papel, e mesmo a máquina sendo nova já “elvis”, zoou a tal placa. E isso aconteceu em meio às minhas “escaneadas” de fotos antigas, revirando o baú. Não consegui completar a operação, mas a viagem no tempo já havia começado.

Foto 1 A primeira foto é uma decolagem de backside no Dique do Porto de Cabedelo, na Paraíba. Tinha uns 14, 15 anos na época, e a prancha era uma Terral lá de Natal, fabricada pelo shaper Wendell. Esta prancha era uma maravilha, linda, e emprestada pelo amigo paraibano Ricardo, cujo a turma havia apelidado de Ricardo Bocão. Só um detalhe: o cara era goofy e o Bocão original é regular.

Foto 2 Depois, uma imagem do carro do chefe da equipe Mormaii, José Filomeno Neto, conhecido brasileiramente como Netão. O “search wave car” era um Rager, nunca mais vi um destes. O bichinho era pau pra toda obra. Muitos atletas da marca, na época, desfrutaram de viagens e muitas ondas foram surfadas em picos do Sul e Sudeste, nos quais alguns acessos eram difíceis. No dia da foto, a praia da Joaquina rolava com tamanho e longas paredes corriam desde o costão. Acho que a foto foi tirada em agosto de 87.

Foto 3 Logo em seguida “escaneei” uma de fevereiro daquele mesmo ano. Estava no palanque da Joaquina, durante o OP Pro, ao lado de Dedinho, beach marshall que devorava um prato feito, possivelmente do Restaurante do Maurílio. À minha esquerda, sentado, aparece Ricardo Tatuí. Ele sagrou-se campeão da etapa inaugural daquele ano, em que a Abrasp e Abrasa tiveram seus primeiros circuitos completos. Se não me engano, foram umas sete etapas na categoria Pro e umas 12 na Amador. À frente de Tatuí, estava um repórter da extinta revista Costa Sul. Também repórteres, sentados à minha direita, estão Alexandre Gontijo e Rosaldo Cavalcanti, do Jornal Staff, que depois veio a ser o jornal Now. Gontijo hoje trabalha na mídia eletrônica e é consultor da BBC para futebol. Rosaldo, que na época também era surfista profissional e top do circuito, da última vez em que soube dele estava trabalhando com TV e organização de eventos. Porém, parece que agora trabalha com alguma marca de surf.

Foto 4 A foto em preto e branco é no Sundek Classic 87 de Itamambuca. Apareço em primeiro plano, com o pernambucano Luizito de Almeida atrás e os potiguares Joca Junior e Claudio Pachá. A moça ao lado era minha patrocinadora na época, Rosana Porpino, da Star Fin Surf Shop. Ao lado de seu marido Lucas e do cunhado Walter Porpino, ela me acompanhava em vários eventos. Estávamos todos à frente da barraca da Rip Wave e alguns atletas encontravam-se na torre de observação. O único que consegui identificar foi Piu Pereira (hoje marketing e chefe da equipe Quiksilver). Ele é o segundo de cima para baixo.

Foto 5 Na outra foto, também em PB, quem aparece é o surfista pernambucano, grande expoente do surf nordestino, Zé Radiola. Depois de ter morado na praia do Tombo, Guarujá, durante muito tempo, Zé virou lutador e professor de jiu-jitsu.

Foto 6 Ainda no ano de 87, uma foto do pódio do Beach Park Nortão, no Ceará. Acho que aquela havia sido a oitava ou nona etapa do ano e praticamente aconteceu com a inauguração do Beach Park, hoje mundialmente famoso. Nortão era a marca das pranchas e confecção que Odalto de Castro (primeiro brasileiro a estampar capa de revista norte-americana de surf) fazia. Naquele tempo, ele patrocinava o aerealista Joca Junior, de blusa amarela à direita. Ao seu lado Zé Paulo, hoje chefe de equipe da Billabong; eu com minha Custom feita por Rogério Bastos levanto o caneco ao lado de Ricardo Tatuí, um dos mais difíceis atletas de serem batidos na época.

Foto 7 A seguir, sou eu saindo da bateria, a última antes do evento principal, vencida por Daniel Friedmann. Foi meu primeiro Hang Loose, no ano de 87, pois o de 86 vi apenas pelas fotos e vídeos. Resumindo, só babando com aquela Joaca épica e peformance inspiradora do quinto lugar de Sergio Noronha, o Fedelho.

Foto 8 Pulando 1988, a foto da turma pousando à frente de carros Peugeot e Renaut foi em 89, em Hossegor, França. De blusa lilás e o maior de todos nós, está o Paulão, da Natural Art. Ao seu lado Neco Padaratz, com uns 12 anos, o mascote da turma. Mandando um “shaka”, o fotografo Beto Issa, que cobria a perna europeia para a revista Fluir ao lado de seu irmão, também acocorado e de blusa verde.

O de blusa azul bebê, acho que era um francês amigo da galera, porém não lembro seu nome. Será que era francês mesmo? “J’ai oublié”. Atrás de Beto, Teco amarradão com seu troféu de campeão da triagem do Rip Curl Pro (na época não existia WT, quando os surfistas entravam para o evento principal rolava um campeonato à parte, ou seja, a triagem seguia paralela até a final). Ao lado de Teco está seu shaper, Avelino Bastos, da Tropical Brasil. Completam a foto Piu e eu, de chapéu aba reta. Viram que a moda voltou?

Foto 9 Finalizando esta série, um tag team em Hossegor, já no ano de 90. Acho que ao comando do experiente Ricardo Bocão, acabamos vencendo aquela prova, se não me falha a memória. Mas no mínimo a equipe era de primeira. Pedro Müller em grande fase em primeiro plano, com Piu mandando um positive vibration logo atrás. Ao lado de Pedro, eu e Teco, que depois do Bocão, parecia todo compenetrado no jogo. Um “habitué” de seu profissionalismo.

Bom galera, no momento é só. Mas continuarei “escavando o baú”. E, quando comprar uma nova impressora tem mais, pois a minha realmente não teve conserto. “A bichinha, rapaz…”.

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.