Leitura de onda

Um libelo pela renovação

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Heitor Alves pode ser o único a ingressar no WT 2011. Foto: © ASP / Robertson.

O melhor de escrever textos é ver o nascimento de novas ideias. Um leitor comenta, outro discorda, o terceiro acrescenta. Sou voraz devorador dos comentários das colunas, e só não os respondo, um por um, para não abrir o precedente e, com isso, tomar o tempo que não tenho.

 

Alguns leitores primam pelo conteúdo, seja ele elogioso ou ácido. Zezão é um deles. Está no grupo dos que acrescentam novas ideias, dos que discutem o surf. Zezão é o apelido do surfista de Itacoatiara, videomaker e programador visual João José Macedo, 37 anos de vida e 25 de prancha. Um cara observador, crítico, que não deixa passar lacunas.

O olhar de Zezão é especialmente importante num ano de transição de critérios de julgamento, ídolos e, sobretudo, regras de acesso e permanência na elite do surf. Antes do fim do ano, ele desconfiou que, diante da nova configuração do circuito mundial, não haveria renovação. Fez contas, estudou o ranking de acesso e… bingo!

 

Pela simulação, apenas Heitor Alves e (talvez) Wigolly Dantas furariam o bloqueio, entre todos os atletas do mundo, não só brasileiros. Heitor já foi da elite; Wigolly seria o único estreante.

Para ilustrar melhor sua preocupação, Zezão disparou um e-mail preocupado para alguns nomes da impresa e figuras importantes da ASP. A carta, em português, era destinada ao dirigente Renato Hickel, da ASP, nome brasileiro de maior destaque na entidade máxima:

 

 “Olá Hickel!

 

Aqui é o Zezão, de Itacoatiara. Há um tempo atrás enviei um e-mail para você em relação ao site da ASP. A internet aproximou as pessoas em todo o mundo e prefiro enviar esta carta para você, pela facilidade de poder me expressar em português, mesmo que eu também saiba escrever em inglês. Não veja essa minha crítica como uma crítica generalizada a ASP.

 

Acompanho o circuito mundial desde a década de 80, e vejo nitidamente a enorme evolução que o esporte, que tanto gostamos, atingiu com esse trabalho realizado pela ASP ao longo dessas décadas. Poderia falar sobre o julgamento subjetivo, que na minha opinião está tendencioso, mas esta não é a questão do momento, e sim a quantidade de surfistas de fora de elite em 2010, que conseguirão entrar em 2011.

Analisando o ranking unificado da ASP, que definirá os integrantes da elite em 2011, detectei uma coisa muito grave, ao invés de 10, talvez só 1 surfista consiga entrar na elite no ano que vem. Olhando os 32 nomes que comporão a elite em 2011, através do Ranking Unificado, só Heitor Alves e Wiggolly Dantas, que não pertencem ao WT de 2010, estão entre esses 32 primeiros colocados. Todos os outros, ou ainda estão no WT ou fizeram parte em 2010 antes do corte do meio do ano.

Terceiro lugar no World Stars 6 estrelas leva 1.688 pontos, enquanto que 13º (penúltimo colocado) no WT leva 1.750. Ou você ganha um monte de eventos, ou então nunca entrará na elite. Só faltam três eventos Prime: Ilhas Canárias, Haleiwa e Sunset; e um 5 estrelas, que é irrelevante mesmo.

 

Considerando que os tops também podem correr e abocanhar os pontos do WQS, como o próprio Matt Wilkinson no Prime de Steamer Lane, pelo jeito só um surfista em todo o mundo vai conseguir quebrar a barreira imposta pela a ASP, pelo menos é um brasileiro, Heitor Alves. A ASP vai precisar se explicar. Antes de começar o ano de 2010, a ASP anunciou que não sabia exatamente como funcionaria o sistema de ranking único. Deu no que deu.

 

A minha sugestão para os dirigentes da ASP é a seguinte: Reconhecer o erro que cometeram na pontuação é o primeiro passo! Errar todo mundo erra, mas reconhecer o erro e procurar corrigir é para poucos. Depois, rebaixem todos do 23º até o 32º do WT. Caso Joel Parkinson fique neste grupo, ele merece o wild card de contundidos, pois se acidentou trabalhando.

 

Depois acabe com essa pontuação onde os últimos colocados do WT, 25º e 13º ganhem pontos maiores do que um semifinalista do WQS 6 estrelas. Quem não passa do round 3 merece ser rebaixado. Só quem chega ao round 5 e termina em 9º é que merece uma pontuação digna. E escolha os 10 surfistas que subirão em 2011 somando a pontuação exclusiva do WQS, tanto World Star quanto Prime.

Depois de reconhecer o erro e corrigir, reformulem a pontuação das três divisões: World Title Race, Prime, e World Stars, para que essa perpetuação de quem já está lá acabe. Apenas um novo surfista em 2011 vai ser desmoralizante para a ASP.

Estou (estava) até torcendo para o décimo título do careca, mas espero que isso não sirva para abafar esse erro grave, da não inserção de novos nomes na elite em 2011. Acredito que ainda há tempo para a ASP se pronunciar e fazer alguma coisa. Senão o trabalho que o Perdigão fez aqui na América do Sul, em aumentar a quantidade de eventos, não vai dar em nada.

Um abraço e Boas Ondas, Zezão.”

Na troca de e-mails entre o autor da carta e outras cabeças pensantes do surf, fica claro que a questão da ASP é o equilíbrio. Neste ano de transição, como havia um corte traumático no meio do ano, os dirigentes foram excessivamente conservadores em relação à renovação dos surfistas. Mas talvez tenham errado a mão no cálculo dos pontos para chegar à elite.

Renato respondeu as questões levantadas por Zezão e pela mídia numa entrevista exclusiva ao Waves (clique aqui para ler), que está publicada no site. Defendeu de forma embasada e educada cada um dos pontos levantados. Para ele, há equilíbrio. Ele acredita que o novo critério manteve os melhores surfistas do tour no circuito principal. 

 

Um dos amigos de Zezão foi ao ponto: é possível que esteja faltando embasamento matemático para formular pontos do ranking. Critérios científicos de ponderação podem definir o peso dos eventos de cada divisão. Talvez seja hora de a ASP contratar um estatístico.

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves, da Fluir e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".