Crônica

Uma vez surfista, sempre surfista

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Rico de Souza, um surfista sempre no rip. Foto: Rafael Sobral.

Ficar na sala de espera de consultório médico é sempre angustiante. Além da espera meio a pessoas enfermas e com ansiedade em saber o que se passa com nossa saúde, temos de tomar chá morno, café frio e nos distrair com as revistas de celebridades deixadas em cima das bancadas e mesas do consultório.

 

Foi aguardando uma consulta médica e folheando uma dessas semanais, que avistei junto de todo glamour das celebridades globais e hollywoodianas, uma foto de Rico de Souza abraçado a uma mulher em algum evento.

 

Logo fui ler a legenda da foto para saber quem estava junto do Rico e me deparei com a seguinte descrição: ?Rico de Souza, empresário e ex-surfista?.

Ex-surfista? O Rico deve ter ficado p… da vida, logo pensei. O cara acaba de organizar e quebrar o recorde de maior número de surfistas em uma onda, outro dia estava surfando com uma prancha enorme, feita por ele, dono de escola de surf, titular de inúmeras temporadas havaianas, ?shaper? respeitado nacional e internacionalmente e foi tachado como ex-surfista?

 

Quando o Rico deixou de ser surfista?

 

Então quando o sujeito atinge certa idade e passa a trabalhar com negócios alheios ao surf ele não é mais um praticante do esporte? Quando não consegue mais quebrar as ondas e manter uma assiduidade na praia ele se descaracteriza como surfista?

 

Ser surfista não é simplesmente ficar em pé em cima de uma prancha. Há uma soma de fatores que o surf envolve que faz do surfista algo muito além de um esportista. Existe uma percepção, um sentimento, um rejuvenescimento físico e mental, um verdadeiro sétimo sentido desenvolvido pelos surfistas com o contato com o mar.

 

Não acredito que uma pessoa que ao menos uma vez sentiu todos os elementos que compõem uma sessão de surf, perca esses sentimentos. Se não se sente mais surfista, é porque nunca realmente sentiu a vibração de surfar uma onda e estar em pleno contato com a natureza. Caso contrário, sem escolher credo, cor ou classe social, qualquer dobrinha no carpete de casa, qualquer marola em represa ou palmeira curvada no jardim deixa o fissurado surfando em sua imaginação.

 

Exceto aqueles que vêem no surf uma forma de aparição, para fazer uma ?preza? com as gatinhas, que começaram a surfar embalados pelo modismo e para literalmente, ?tirar uma onda?. Mas a energia desses caras em qualquer praia é visível. Não respeitam a si próprios muito menos a natureza, fazendo do ?crowd? uma rinha de ego e más vibrações.

 

Vemos surfistas que não podem mais surfar, em sua maioria por fatores alheios a sua vontade, como incapacidade física ou falta de tempo, mas nem assim deixam de serem surfistas. Taiu Bueno, por exemplo, nunca vai deixar de ter o ?feeling?, a percepção, o pensamento de um surfista.

 

Não é porque fulano é ?tiozinho? e os braços ficaram pesados demais para varar a arrebentação ou então porque somente uma vez por ano, meio a férias com a família, por pouco tempo consegue escapar e cair na água, que perde o tesão pelas ondas ou passa a ver uma arrebentação pela ótica de um leigo.

 

A alma do surfista não perde nunca a sua essência.

 

Fico admirado quando reencontro amigos de longa data e me perguntam se continuo surfando. Como se tivesse amadurecido e deixado de praticar aquele esporte radical e dispendioso.

 

A idade não anula os surfistas, muito menos a vontade em correr em cima do mar. O surf não é um esporte somente de moleque, válido somente para quem rabisca as ondas e rema feito um cachorro pinscher, e não é menos surfista um iniciante, que a cada braçada sente a curtição e o feeling, a um profissional que arrebenta as ondas.

 

O surf neste aspecto é ilimitado e democrático, pois ao sair da água, a felicidade de um surfista que só consegue ficar em cima de sua prancha é igual à de um profissional que quebra uma onda inteira.

 

Não é a toa que o número de adeptos do esporte cresce a cada final de semana. Mulheres, senhores na terceira idade, deficientes físicos, crianças e ultimamente até cachorros são vistos cada vez mais no ?outside?.

 

Todos ficando em pé sobre as ondas e voltando a ser crianças, sentindo suas pranchas deslizarem, incorporando a energia do mar, aproximando-se a natureza, queimando seus corpos com o sol e esticando seus sorrisos, conseqüência da alegria de pegar as ondas.

 

A alegria, isso ninguém consegue tirar dos surfistas. Nem a morte.

 

E aposto que se o Rico, empresário e ex-surfista, estiver em uma praia com altas ondas e sem sua prancha, ele entra na água até com o bodyboard verde-limão da sua netinha.