Bom de bico

Vida longa aos pranchões

Gerry Lopez, Mentawaii, Indonésia

Quando larguei tudo para viver como ‘longboarder vagabundo profissional’, há pouco mais de dez anos, lembro que Amaro Matos, Olimpinho e outros caras defendiam sempre a importância histórica e a longevidade do longboard.

Aquilo deu uma motivada no começo, afinal eles eram mais velhos que eu e estavam no topo. Se não estiver errado, o Amaro deveria ter uns 34 anos, a idade que tenho hoje, portanto há quase uma década de diferença entre nós.

Ele era o atual campeão brasileiro e paulista e sua permanência até hoje no WLT (World Longboard Tour) prova que ele estava certo, apesar da falta de reconhecimento na parte histórica.

Desde que comecei a competir, fui logo de cara ver qual era a real do circuito mundial e a nova geração já sofria para vencer Amaro, Picuruta, Kid, Juquinha e o saudoso Olimpinho. Todos já haviam passado há algum tempo dos “30 km rodados”, sendo que o Gato e o Juca já estavam com os pés pendurados nos quarenta.

O longboard virou uma ferramenta de longevidade não só para fazer uma carreira longa como a deles. Independente de campeonatos, tem muita gente aproveitando as facilidades do longboard para se manter em atividade no surf. Geralmente são profissionais bem sucedidos de diversas áreas, longboarders com mais de quarenta anos.

Tenho um amigo que se enquadra nesta situação, o John Wolthers, que esteve nas ilhas Mentawaii há poucos meses com uma galera, todos com mais de cinquenta anos. Ele é um profissional da área de café e mentor de uma família com três filhos surfistas. Todos competem por lazer e o mais velho, Alexandre, é um longboarder nato e destaque no cenário nacional.

Eles têm uma ligação muito forte com a modalidade, com estilo sábio para as pranchas grandes. Impressionante ver como o Alexandre tem influências do surf do pai. Assim tem se formado uma geração de famílias de surfistas, que vai fazer com que os brasileiros reconheçam a importância histórica e versatilidade do longboard.

Na Califa e Austrália, por exemplo, já existe uma sólida geração de vovôs surfistas, que são os caras que fizeram a história e estão na ativa até hoje. Lá a modalidade é compreendida, porque a cultura do esporte é passada com mais intimidade, de pai para filho, sendo determinante para preservar detalhes importantes.

Caras como Carlos Mudinho, Cisco Aranã e irmãos Mansur (Wady, Fuad e Elias) dão ao longboard brasileiro a oportunidade de conhecer de perto o surf puro, a poesia clássica que resiste ao tempo. Se você ainda não teve oportunidade de vê-los em ação, é bem provável que irá rever seus conceitos sobre surf de longboard. Mas o Brasil já está formando a sua terceira geração de surfistas e a tendência é que aconteça o mesmo que lá fora.

Falando em classe, o John deu de cara com o Gerry Lopez de stand up paddle lá nas Mentawaii, que é outra forma de resgatar a história do surf, e com certeza acaba influenciando para aumentar a empolgação da galera com as pranchas grandes, tirando muito ‘aposentado’ do sofá.

 

O Gerry e outros big riders estão pegando altas com pranchões a remo, na mesma vibe dos antigos. O Rodrigo Kochinha e o Haroldo Ambrósio também são adeptos e nas vezes que os encontrei no mar de sup o clima era ‘old style’ total. O surf em geral agradece este resgate, que vem acontecendo naturalmente onde mais interessa, dentro da água.

Uma prancha grande pede harmonia, por isso surfistas experientes se encaixam com elas e para quem gosta de longboard, é sempre bom estar perto do coroas. No último Petrobrás do Rio de Janeiro, encontrei o sexagenário Zé Paioli, competindo na categoria Super Masters (acima de 55). Ele e o irmão Chico moram em São Paulo, mas mesmo assim estão no rip, só que de vez em quando o Zé dá uma de velho reclamando por não ter uma categoria acima de 60 para ele competir!

Reclama também, com razão, que por causa do trabalho não tem mais tempo de resgatar aquela vadiagem saudável que todo surfista preza.

O longboard me deu muitos amigos mais velhos, e meu interesse no passado do esporte ficou mais intenso pelo contato com eles. Além da vontade de compartilhar, a principal lição foi a de surfar o máximo possível e saber o que isso representa.

Lição de figuras como o Mudinho mostrando que longboard é que nem vinho, quanto mais velho melhor e como o Wady Mansur, que até uns dias tava correndo o circuito profissional de longboard e era o terror da nova geração. A raposa velha só vinha nas boas, com estilo sereno e aniquilador, deixando muita promessa do longboard pelo caminho. A convivência com esses caras certamente será um legado precioso.

A história no surf se faz dentro da água e o longboard proporciona longevidade para que as lendas continuem escrevendo novos capítulos.

 

Quando encontro com o Amaro aqui no Tombo fico amarradão por olhar para frente e ver que tenho a possibilidade de ainda estar no rip daqui a dez anos, e assim vai acontecer década depois de década. Claro que uma hora isso vai acabar, mas nada para se preocupar agora, é só lembrar do Zé Paioli pra ver que o caminho é longo e generoso. O longboard facilita a jornada!

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