Sonho de uma vida

Viver do surf

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Praia de Juqueí, São Sebastião (SP), Litoral Norte. Foto: Lucas Conejero.

Nesta semana, fez exatamente um ano. Ainda me lembro quando o telefone tocou, despretensioso, numa tarde fria de um sábado com sol de agosto, na Vila Madalena. Ele anunciava em alto e bom som que eu estava contratado: iria morar no litoral norte de São Paulo ? lugar onde cresci e onde passei os melhores momentos de minha breve história ? e ser o responsável por um dos sites da editoria de viagens de um famoso portal.

 

Ouvi, concordei com as condições, agradeci e desliguei. Sentei na escada em frente de um dos incontáveis bares da região, incrédulo no que meu telefone acabava de dizer. Instintivamente, antes de qualquer sensação descritível: refleti.

 

Pensei em muita coisa ao mesmo tempo. Veio na lembrança, quase que em ordem: a infância e a pranchinha de isopor com um jacaré desenhado, aqueles caldos sinistros da Sununga, quando eu segurava no punho do meu velho e ele dizia: quer pegar onda? Então segura o tranco. As primeiras trips ? ainda adolescente – em busca de ondas perfeitas, meu primeiro trabalho no mundo do surf, acho que de estoquista na High Point, no natal de 1998, as ondas, os amigos e as mulheres inesquecíveis, os momentos eternizados na minha alma, etc… No fim desse turbilhão de sentimentos, tudo ficou mais claro.

 

Valeu a pena cada momento dedicado, cada centavo ? suado – de ?estudante-estagiário? de jornalismo gasto em pedágio e gasolina, cada sonho semeado e cada uma das dezenas de duras tomadas da polícia na estrada. Eu era recompensado por ler e reler as publicações de surf nos últimos 10 ou 15 anos, por ver e rever centenas de vezes cada foto publicada, analisar o ângulo, a condição de luz e ir à praia fotografar ? com material emprestado – para ver se ficava igual.

 

Eu era recompensado por conseguir analisar e interpretar a direção da ondulação, saber dos ventos, do tempo, das marés, das fases da lua. Eu era recompensado por conhecer nosso litoral, por ter convivido com sua amável e hospitaleira população, por me sentir à vontade para dormir com água salgada no corpo. Enfim, eu era recompensado por amar e defender incondicionalmente o oceano e tudo que o rodeia.

 

Ainda sentado, lembrei da minha mãe dizendo: aonde você acha que vai chegar como funcionário de ONG, lendo esse bando de livro e esse monte de revista de surf , além de ficar 3 meses por ano na praia? Você já tem 19 anos é seu segundo ano de faculdade! Sabe, nessa hora me veio a resposta dessa pergunta, que eu mesmo me fazia.

 

Levantei e fui para casa. Ao chegar, passei por cima de meu ceticismo, parei diante da imagem de Iemanjá que tenho no quarto, toquei-a com minhas mãos e agradeci. Aonde eu ia chegar? Descobri! Ao mesmo tempo, naquele exato momento de troca de energia, entendi que encontrar uma resposta, depois de muita dedicação – de muito sonho – é inevitavelmente se deparar com dezenas de outras perguntas escondidas no reconhecimento. A foto desta matéria, materializa e eterniza em imagem, esse último, incrível e inesquecível ano.