Que delícia os tempos em que eu era o netinho caçula! Como é bom viver a infância em família, muitas vezes com aquele mimo todo.
Bom, minha história começa mais precisamente no ano de 1990. Ainda cursava a UNIP (Universidade Paulista) em São Paulo, Faculdades Objetivo, alguns anos antes dela se tornar a grande universidade que é hoje.
Minha graduação era Comunicação Social, o que agora vejo claramente que é minha praia. As férias de verão estavam chegando e com elas a vontade de realizar um antigo sonho: conhecer a Austrália e depois Bali.
Ramon Gomez, grande amigo e parceiro de surf trips pelo Brasil, se empolgou e deu pilha, pois um cliente dele morava na Down Under e nos convidou para uma temporada!
Bingo! Tudo esquematizado e pronto para embarcar a Sidney na primeira semana de janeiro de 1991, não fosse… A greve da FIAM (Faculdades Integradas Alcântara Machado), onde Ramon fazia faculdade de Marketing. Pois bem, eles começaram as aulas em janeiro para cumprir o cronograma e só poderíamos voar pra terra dos cangurus em fevereiro!
Falei comigo mesmo: “Não, não vou ficar no Brasil neste verão torrando de quente e sem onda”. Escutei uma vozinha dentro de mim dizendo: “Lembra do seu amigo Bob, que mora num veleiro na Nova Zelândia, vai visitá-lo”. Agradeci ao meu bom Deus e liguei para o Ramon:
– Brother, eu tenho um amigo que mora em Auckland e quem não tem cão caça com gato, ou melhor, quem não tem canguru caça com ovelhas.
Estava decidido, iria passar o mês de janeiro todo na Nova Zelândia, surfando e viajando pelo país das ovelhas, das fazendas, barcos e ondas, muitas ondas! Não precisou muito para me lembrar de uma onda anotada em meus sonhos: Raglan!
Nós estamos falando da era primitiva, antes da internet, e-mails, etc. Portanto telefona daqui, telefona dali e, quando menos esperava, no meio daquele calorão de Sampa, estava voando rumo a Auckland.
Fazia alguns anos que não via Bob, quando o conheci ele dava a volta ao mundo em seu veleiro. Isso foi na Marina de Laranjeiras (RJ), por meio dos irmãos Bruno e Alberto Alves, Marc Uszkurat e Tucano que o conheci. Agora como reconhecer um “senhor” de terno e gravata, super formal como sendo o Bob surfista, velejador e aventureiro? Seria a mesma pessoa alí, bem diante de meus olhos?
Sim, era ele mesmo. Um alto executivo, ou disfarçado de, pois na verdade eu sabia bem quem era aquele sujeito: um fissurado pelo mar! Tanto era assim que ele abriu mão de ter uma casa e morar enraizado num imóvel, para ser um cigano dentro de seu veleiro de 58 pés numa marina no coração de Auckland. Vou dizer, se não fosse o fato de eu já estar morando na minha “Nova Zelândia Catarinense” (que era Florianópolis naquela época), eu acho que teria ficado por lá mesmo.
Logo fomos pro veleiro dele, onde morava com sua companheira, Mandy. Fui hospedado numa cabine de proa e passei alguns dos meus melhores dias de minha vida ali, naquele iate! Nenhum sonho meu poderia ser mais espetacular do que aquilo.
Passaram-se duas semanas. Como na verdade Bob trabalhava o dia todo e somente aos finais de semana nós saíamos para velejar, decidi me aventurar pela Nova Zelândia de ônibus, carona e mochila nas costas pra surfar.
Meu ponto final seria Raglan, em alto estilo. Como Papai do céu, sempre vai à frente; olha a surpresa que Ele me preparou: ao chegar em Raglan – que não tinha pousadas – acabei por me hospedar na casa de um casal de idosos que alugava uma suíte na casa deles com a intenção de faturar um dinheirinho extra. Detalhe: este quarto tinha um quintal particular e da minha cama eu via as ondas de Raglan passarem bem aos meus olhos. Brother, eu pirei!
Acho que desta vez eu não vou conseguir escrever o que foi passar uma temporada na casa da Vovó e do Vovô! Eu já não tinha mais meus avós vivos e acabei ganhando do céu um casal de idosos super carentes de atenção e cheios de amor para dar.
Fui literalmente adotado por aqueles dias, surfando algumas das melhores esquerdas que já peguei em toda minha vida. Uns poucos surf brothers apareciam aos finais de semana, mas nada que se compare aos dias de hoje. Além de tudo matei minha saudades dos tempos de netinho querido. Comia bolos deliciosos, chás e histórias aos pés de uma cadeira de balanço com as ondas se enfileirando bem aos meus olhos, esperando a próxima remada.
Escrevendo este texto, me pergunto se realmente aquilo não foi um sonho? Bom, mas a vida não é mesmo assim? A busca de nossos sonhos!
Obrigado Bob, que perdi o contato até o momento, aos meus avós neozelandezes, que creio já partiram, à minha família que sempre me deu suporte e aos meus surf friends que fiz durante toda minha carreira de free surfer! E mais uma vez: obrigado Senhor! (Ah, depois encontrei o Ramon em Sidney e ainda fomos pra Bali. Mas isto é história pra uma próxima matéria).
Motaury Porto acessa o site A Onda Eterna. Clique aqui para obter mais informações sobre o seu trabalho.