#O site Waves tem o prazer de apresentar um novo colunista, o conceituado jornalista carioca Tulio Brandão. Repórter do jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil, Brandão, que também é surfista, inaugura seu espaço apresentando um raio-x sobre as dificuldades políticas e econômicas para a realização da etapa brasileira do WCT 2002 em Saquarema.
A história se repete. A etapa brasileira do WCT está ameaçada mais uma vez por problemas políticos. O país que mais cresceu no surfe mundial nos últimos 20 anos, o país que movimenta US$ 2,5 bilhões por ano na surfwear, o país com talentos em cada um de seus milhares de quilômetros de costa, esse Brasil pode não ter como receber os melhores do mundo em casa.
Em 2002, o palco do show seria Saquarema, o Maracanã do surfe nacional, que
assim como o estádio de futebol, andou esquecido por décadas. Há rumores de
que a mudança da Barra para Itaúna teria sido decidida numa reunião da ASP
a pedido do brasileiro Renato Hickel, hoje diretor de circuito da entidade,
depois da bem-sucedida etapa do Mundial de Longboard em Saquarema.
Pois é, amigos, com isso o dinheiro que antes vinha da prefeitura do Rio –
quem não se lembra da novela para a liberação da verba no ano passado – teve
que ser pedido ao governo do Estado. E, mais uma vez, o surfe caiu no conto
dos políticos. Garotinho, então governador, prometeu a verba de cerca de R$ 900 mil à promotora do evento, Leilane Barros, da Via Lax. Depois de jurar fidelidade, ele se afastou do cargo para virar candidato à presidência e passou a batata quente à Benedita da Silva, que o substituiu no comando do governo
do Rio.
Na hora de Leilane buscar o dinheiro, a bomba explodiu na mão do atual presidente da
Suderj e representante do esporte no governo do Estado, Asfilófio de Oliveira, o Filó. R$ 900 mil!? “A verba foi prometida, mas o Estado mas não fixou recurso. Portanto, a verba não existe, não foi alocada em lugar nenhum.”, me explicou Filó, que simplesmente não tinha dinheiro em caixa para cobrir o rombo de uma promessa feita no governo anterior.
E agora, Leilane? A brava lourinha dona dos direitos de realização da etapa do WCT, que sabe como ninguém circular pelos meandros da cartolagem do surfe, mais uma vez caía nas armadilhas dos cartolas engravatados da política. Mas, escaldada por tantas rasteiras, dessa vez ela descobriu o problema a tempo de resolvê-lo. Convenceu Filó da importância do surfe para o Estado do Rio e conseguiu uma carta de autorização inédita para captação de recursos pela Lei de Incentivo à Cultura e ao Esporte do ICMS.
O presidente da Suderj explicou: “O evento ganhou um certificado especial de
mérito esportivo, com teto acima do permitido em lei.” Eu traduzo: a etapa brasileira do WCT ganhou o direito de captar R$ 900 mil em recursos. As empresas que patrocinarem o evento serão ressarcidas em 80% do que investiram através da isenção do ICMS. Ufa, uma luz no fim do tubo.
Leilane garante que está a uma semana de fechar com todos os patrocinadores.
Há rumores de que o patrocinador principal seja a Coca-Cola, que no ano
passado já entrou como patrocinador secundário – o principal era a Prefeitura. Entre
erros e acertos, a promotora parece estar conseguindo manter – com a faca
entre os dentes e o dólar beirando os R$ 3 – a etapa brasileira do circuito mundial no estado do Rio. Fica a lição para ela – e para quem mais se envolver com o surfe – que este esporte definitivamente não pode depender do dinheiro público de políticos engravatados que nunca passaram da arrebentação.
“Está muito difícil, Tulio. É tudo em dólar, e o dólar não pára de subir. Agora, ainda tem uma cota extra de US$ 100 mil para trazer uma equipe de produção de televisão, já que a oficial faliu”, lamenta comigo, com a sua razão, Leilane, lembrando que a etapa brasileira é a única, além de Portugal, que não conta com um centavo da cada vez mais gigante indústria surfwear.
Talvez seja a hora dos amigos empresários – que em 20 anos transformaram
uma diversão de garoto num esporte profissional espetacular – retomarem as
rédeas do evento de surfe mais importante do Brasil. Com US$ 2,5 bilhões
anuais movimentados, dá e sobra.
Tulio Brandão é repórter do jornal O Globo.