Evandro Santana, profissional com mais de 40 anos de experiência na indústria do surfe, começou sua jornada no mundo das pranchas como competidor, mas logo descobriu sua verdadeira paixão: o processo de fabricação.
Hoje, shaper consolidado, ele trabalha na Pró-Ilha Surfboards, maior fábrica de pranchas da América Latina, onde tem a oportunidade de trocar informações com alguns dos melhores shapers do Brasil e do mundo. O Waves conversou com Evandro sobre sua trajetória, sua visão sobre o surfe e o futuro do design de pranchas.
Fale sobre seu início no surfe:
Sou shaper desde 1990. Vivo do surfe há uns 40 anos, desde 10 anos eu comecei a surfar, competir e depois disso já me enfiei no mundo das pranchas, fazendo conserto. O patrocinador viu um talento em mim além do surfe, percebeu que eu poderia ter futuro na construção das pranchas.
E do patrocínio virou emprego e não parei mais. A primeira função na linha de produção foi a lixa de hot coat, polimento, lixa d’água. Todas as pranchas eram polidas, pranchas foscas ninguém entendia. Eu chegava a passar horas na sala de shape vendo o shaper da fábrica trabalhando, assistindo aquela magia.
Então você teve um início como competidor?
Sim quando comecei a surfar eu não queria só pegar onda, eu queria competir. Mas aí com o tempo, eu vi que apesar de eu ser um bom surfista, não tinha tanto talento para seguir como um grande profissional. Mas quando a gente tem amor ao esporte, tentamos outros caminhos. Como competidor não dava, mas eu curti alguma coisa ali no fazer pranchas.
Houve alguma pessoa importante nesse processo?
Sim foi o cara que me patrocinou, eu era patrocinado pela Calibre, do Beto. Com o passar do tempo, quando acontecia alguma coisa nas minhas pranchas, ele não tinha tempo para consertar e um dia ele me disse: “olha vou te ensinar a consertar pranchas porque eu não tenho tempo pra isso”.
Depois, quando ele viu que eu levava jeito, me deu outras pranchas pra eu consertar. Aí eu comecei a consertar as pranchas da fábrica, dos meus amigos e quando vi já estava dentro da produção.
A única coisa que nunca fui muito amigo foi da laminação. Mas lixar eu conseguia fazer um bom trabalho, e isso me ajudou muito pra eu começar a minha carreira como shaper. Lembro que quando eu acabava o meu trabalho na lixação, eu ficava por horas vendo o Beto shapear.
Até que um dia ele me chamou e disse: “vamos descascar um bloco” e ver no que dá. Ai eu comecei a virar o shaper da fábrica. Ele me deu espaço, comecei só desbastando os blocos e ele dando acabamento. Quando eu fiz a minha prancha, o Beto falou que eu estava pronto.
A prancha funcionou?
Olha, a primeira prancha que o cara faz pra ele pode ficar torta, de qualquer forma vai funcionar (rs). Porque ela é feita com tanto amor, que não tem como o você não gostar.
Você acha que a triquilha segue sendo a melhor opção para quem só pode ter uma prancha?
Eu acho que a triquilha nunca vai perder o trono, digamos assim. Mas hoje a facilidade que você tem por conta das quilhas de encaixe dá margens para várias experimentações. Você pode, por exemplo, colocar cinco plugs e a prancha pode ser usada também como quadriquilha e até biquilha em alguns casos.
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E você, usa que tipo?
Eu gosto de usar todos os tipos porque até quando me perguntam sobre funcionamento, é primordial que eu tenha uma opinião bem formada, é uma necessidade para o shaper. Permaneço gostando muito de pegar onda e é sempre bom variar para se divertir e ter um bom desempenho.
Com esse feeling apurado, posso dar um depoimento bastante fidedigno. Hoje você não precisa ter um quiver muito grande, pode ter três pranchas e variar bastante nas configurações de quilhas e surfar em praticamente todos os tipos de mar. Atualmente tenho usado quad e triquilha.
Você tem trabalhado em algum modelo novo?
Eu criei um modelo muito bacana que está sensacional, uma biquilha round. Ela tem funcionado muito em mares médios, ondas gordas e mexidas. Ela é a Evoke 2 TP (Twin Pin). Eu aconselho as pessoas a usarem esse modelo com quatro polegadas a menos que sua prancha do dia a dia.
É uma prancha que tem um fundo super trabalhado, com quatro saídas d´água que não são canaletas, sendo mais arredondadas, se quinas, com uma marcação de quilhas mais para fora. Que eu aconselho usar quilhas bem grandes.
É uma prancha muito boa e a resposta da turma tem sido muito boa. Ela é uma biquilha puxada para a performance, com um outline bem redondinho. Você consegue conciliar o surfe de biquilha, sem perder o desempenho.
Sobre materiais, o que tem a falar sobre EPOXI ou PU. Qual a receita você passa para o cliente?
São duas pranchas bem diferentes. A PU é mais rígida e a Epóxi mais flexível. Eu acredito que a maioria das pranchas como um todo ainda são de PU. Temos um modelo Carbon Sling sem longarina, sustentada pelo carbono. Eu não aconselho a ninguém usar somente epóxi, mas em ondas menores ela tem uma resposta muito boa. A PU é a prancha que podemos chamar de tradicional, acho que 99% dos atletas do CT usam.
E temos a prancha de epóxi Full Carbon que é um bloco de EPS, mas que fica mais rígida por conta do carbono. Ela tem a leveza de uma prancha de EPS com a rigidez/flexibilidade de uma PU. Além disso esse tipo de prancha, mesmo sendo mais cara, vale a pena porque a durabilidade dela é bem maior. Eu peguei uma desse tipo, ainda não testei muito mas gostei da resposta. Esse tipo de prancha está tendo uma saída grande.
Quais são os shapers que inspiram seu trabalho?
Tenho a sorte de trabalhar com alguns dos melhores shapers do Brasil e do Mundo, pois na Pró-Ilha trabalhamos com grandes shapers. Cabianca, Chilli, Rusty, Tokoro, Strech, John Carper, Marcio Zouvi, Paulinho Marbella, que ficou trinta nos no Chile e hoje faz as pranchas dele com a gente.
E todo esse mix de shapers importantes são referencias. Além de conhece-los pessoalmente, tenho a oportunidade de ver as pranchas em minhas mãos. Tenho uma oportunidade de trocar informações com eles e é bem bacana.
É uma escola que não tem fim, todo dia aprendendo. O cara que eu mais trabalho e gosto muito do desenho dele é o Cabianca. Eu sou bem apaixonado pela marcação de quilhas dele e sem dúvidas me inspiro nele.
Sobre marcação de quilhas. Você acha que essa marcação é um pouco subestimada?
Eu sempre falo para meus clientes que as quilhas são as “rodas” do carro. Se você colocar uma roda errada no carro, ele não vai andar bem. Nas pranchas se você fez uma marcação errada ou colocou a quilha errada, a prancha não vai andar. Você pode variar na angulação, na posição, são muitos fatores.
Temos o trabalho de ataque, que vai lá pro bico, e o ângulo de abertura. Isso tudo depende da combinação com o fundo, se ele é flat, côncavo, etc. Então você tem que orientar bem quem está colocando as quilhas e prestar muito atenção nisso. As quilhas mal colocadas podem acabar com um bom trabalho de shape.
Há muita gente falando sobre a máquina, afirmando que hoje em dia o shaper nãoe faz o trabalho…
A máquina na verdade é só uma ferramenta que nos ajuda muito na parte braçal. Riscar o outline, cortar, desbastar na plaina. Então o que acontece é que quanto mais você deixa o design no computador perfeito, menos trabalho braçal você tem. Na verdade ela não substitui o shaper, ela só está nos proporcionando mais tempo para trabalhar em cima do design.
Quando você recebe uma encomenda, quais são os principais fatores que você leva em consideração?
Primeiro o nível de surfe, preciso saber pra quem você está fazendo: iniciante, avançado ou profissional. Depois a necessidade da pessoa mesmo. Aquela velha história de quando você vai no médico e ele pergunta se tá doendo e você mente dizendo que não (rs). Pergunta se o cara tá surfando e ele responde: “sim, estou”. Mas na real não está. O ideal é entender o que ele realmente quer e o que se aplica bem para ele.
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Você ainda tem saudade de alguma coisa da época das plainas?
Eu tenho saudade de fazer a prancha toda sim. Até hoje tenho alguns templates e é legal fazer a prancha toda. Riscar o outline com calma, depois cortar bem devagarinho. Inclusive eu tenho um projeto que é oferecer uma experiência para o cara que quer fazer sua própria prancha. Colocar o cara para pegar a plaina, descascar o bloco e curtir esse momento. Às vezes quando eu tenho tempo gosto de entrar na sala e lembrar da época que comecei.
Se você pudesse fazer uma prancha por dia, e ganhasse a mesma coisa que você ganha, você ainda usaria a máquina?
Acho que não, pois considero shapear uma arte. Seria a mesma coisa que você perguntar para um cara que pinta um quadro se ele gostaria de imprimissem vários quadros dele por dia, ou fazer um quadro por dia.
Ter o dia inteiro pra fazer com calma, isso não tem preço. Isso é o romantismo do surfe. A gente tem a produção, e graças a deus o surfe chegou nesse nível de termos uma máquina tão boa. Mas mesmo com a grande quantidade de pranchas que fazemos, ainda vejo uma por uma e fico muito feliz em falar: tchau crianças…(rs)
Qual seu modelo de prancha mais procurado?
Tenho vários mas a Silver Shot é bem procurada e a Sniper Plus. A Silver é uma prancha com o fundo côncavo e é um modelo que a galera que vai viajar para lugares de ondas boas, tipo Indonésia, procura muito.
Já a Sniper é uma prancha bem voltada para competição, pois é um shape que tem uma área côncava no centro que depois se transforma em double na quilhas da frente. O outline tem uma quebra de linha na altura das quilhas da frente que faz a prancha fazer um arco mais curto e você consegue usar o mínimo de espaço da prancha para fazer as curvas. Quando me procuram para competir eu sempre a indico.
Quem são seus principais test riders?
Eu tenho um cara que vem trabalhando comigo é o Rafael Imhof . Ele foi competidor por muito tempo e hoje trabalha no marketing da Pró-Ilha. Então toda prancha que desenvolvo peço a ele pra testar.
E tem muitos clientes que surfam bem e me trazem boas ideias. O cara fala até que sonhou com um tipo de prancha e eu sempre o encorajo a tentarmos algo nesse sentido. Sempre falo: vamos tentar desenhar algo nesse linha. O cliente às vezes não sabe falar em uma linguagem técnica, mas tem o feeling.
Qual o fundo (bottom) que você mais usa?
Eu gosto muito do double concave, acho que ele projeta bastante, e não fica tao pra frente, veloz, e menos manobráveis. A prancha fica com uma velocidade e uma manobrabilidade. Esse é o melhor fundo pra mim.
Você usa canaletas em seus shapes?
Nos meus modelos eu não tenho canaletas. Eu tento fazer um double ou um bonzer bem acentuado. Porque a canaleta mesmo tem uma quina. Então eu acho que é uma prancha muito veloz, mas muito dura, muito pra frente. Tem gente que gosta e vejo algumas pranchas na Pró-Ilha que tem saído bastante.
Sobre surfe profissional de ponta, você acredita que os competidores da elite vão utilizar pranchas alternativas como biquilhas?
Acho que tem espaço mas eles não se interessam muito. A quad já entrou no circuito com Mick, o Kelly, mas a triquilha, pela visão dos atletas, ainda é a melhor opção. Os shapers tentam fazer sempre algo diferente, mas a predominância seguira sendo das triquilhas. Pode ter uma variação mas como aconteceu antes, de eles usarem em um lugar bem tubular como Pipe, mas não sei se entra no gosto dos atletas.
Por quê você encomendaria uma prancha com o Evandro Santana?
Porque estou trabalhando na maior fábrica da América Latina, com os melhores materiais, as melhores máquinas e trabalho com alguns dos melhores pranchas do mundo. Entre em nosso site, pesquise e você verá que tem altas pranchas.
Canal citado na matéria Pró-Ilha Surfboards