A primeira vez que ouvi falar do ISA World Surfing Games 2023 ou Mundial Amador foi através das páginas da extinta revista Fluir, que nos anos de 1980 era uma das principais fontes de informação sobre surfe. Lembro da icônica foto da equipe brasileira que foi a Porto Rico em 1988 e voltou como segunda colocada no geral tendo o paraibano Fabio Gouveia como campeão mundial Open, principal categoria do evento.
Naquela ocasião nomes como Fernando Graça (vice-campeão Junior); Teco Padaratz (quinto colocado na Junior); Rico de Souza (vice-campeão na Longboard), Rodrigo Resende (terceiro na Open), Sérgio Peixe (vice campeão na Kneeboard); Zé Paulo, Amauri Piu Pereira, Brigite Mayer, Tanira Damasceno formavam a nossa seleção.
Posteriormente, em 1994, tivemos a oportunidade de sediar o emblemático Mundial Amador, produzido pelo saudoso Roberto Valério, dono da Company/Cyclone, marca brasileira que fez história sob a liderança de Valério. Este é lembrado até hoje não apenas como um exímio big rider, mas também como um visionário com sua forte e grande equipe de surfistas amadores e profissionais. No Rio de Janeiro, todo surfista aspirava fazer parte do time da Company/Cyclone.
Dadá Figueiredo, Victor Ribas e Bruno Santos já ostentaram com orgulho o adesivo da marca no bico de suas pranchas. O campeonato contou com uma estrutura imponente, a presença de competidores estrangeiros e uma festa memorável no Hotel Nacional, um dos mais famosos do Rio. Minhas lembranças também remetem a um Andy Irons ainda franzino, ao jovem Bruce, a Kalani Robb (campeão júnior) e outros que se tornariam atletas da elite mundial. Lembro também do Binho Nunes super jovem e magrinho, já surfando muito.
O Brasil encerrou o Mundial Amador de 1994 em segundo lugar geral, com Alessandra Vieira, talentosíssima surfista de Saquarema, consagrando-se campeã mundial. Infelizmente, Alessandra não conseguiu realizar a transição entre sua bem-sucedida carreira amadora e o surfe profissional. Neco Pardaratz ficou em terceiro na Júnior, categoria na qual Andy Irons conquistou a sexta posição e Cory Lopez foi o quarto. Desde então o Brasil participou da competição por diversas vezes, mas confesso que não acompanhava com muita atenção.
Em 2023 fui convidado para fazer parte da equipe de comunicação do o ISA World Junior Surfing Championship 2023. Por morar no Recreio dos Bandeirantes, próximo à Praia da Macumba, pude presenciar toda a operação, desde a montagem da estrutura – que contou com quatro palanques distribuídos ao longo da praia – passando pela cerimônia de abertura, competições e encerramento. A competição mudou a atmosfera do bairro, que já tem uma grande quantidade de surfistas, fábricas de pranchas, surfe clubes, lojas, em um lugar que respirou surfe.
O evento contou com mais de 350 atletas, 46 países, além de toda uma equipe enorme responsável pela produção: seguranças, juízes, dirigentes, técnicos, imprensa, locutores, fotógrafos, videomakers, dirigentes, locais, vendedores dos produtos oficiais, seguranças; além de torcedores, famílias, enfim, a Praia da Macumba, que há cerca de 10 anos não tinha tanta projeção, tornou-se uma espécie de capital pré olímpica do surfe em uma babilônia que deu certo. Vale notar que a Barra da Tijuca era o principal palco das competições que aconteciam no Rio e atualmente o Recreio assumiu esse protagonismo.
Retornando à competição. Por um período, os campeonatos amadores foram rotulados como eventos que apresentavam um nível um tanto inferior em comparação com as divisões profissionais, como QS, CT e mesmo as competições nacionais. Especificamente, isso se aplicava à nações que não desfrutavam de protagonismo no mundo do surfe. No entanto, o que testemunhamos na Praia da Macumba foi um surfe de altíssimo nível, protagonizado por surfistas de países que, até então, não tinham tradição no esporte, revelando sua verdadeira capacidade. Surfistas espanhóis, ingleses, alemães, suíços, canadenses, japoneses ( que venceram a Aloha Cup e emplacou o campeonato na Sub 18 feminino), venezuelanos, italianos, gregos, juntamente com nações tradicionais como Austrália, Havaí, Brasil, México e África do Sul, participaram de uma celebração magnífica, em busca das cobiçadas medalhas de Ouro, Prata, Bronze e Cobre, combustível para suas performances.
A equipe brasileira destacou-se pela coesão e pela orientação eficaz da equipe multidisciplinar que os acompanhava: Paulo Moura (técnico), Guga Arruda (técnico), Karina Abras (técnica), Bezinho Otero (COB), Johnny Bach (preparador físico) e Marcelo Silveira (Fisioterapeuta). Essa sinergia fez uma diferença significativa, evidenciando que há, de fato, uma fórmula – talvez não exata – para um futuro sólido nas próximas gerações de surfistas brasileiros e esta passa por uma boa estruturação, planejamento, treinamento e muito surfe. O resultado na Macumba foi o Brasil sagrando-se campeão por equipes, Ryan Kainalo emplacando a medalha de ouro na Sub 18, além de dois finalistas na Sub 16 com o Local Guilherme Lemos fazendo bonito e garantindo o bronze, além de Ryan Coelho que surfou bem durante todo o evento, virando baterias difíceis no final, em quarto com a medalha de cobre. Vale notar que Coelho quase “matou” seu pai do coração várias vezes durantes as disputas (contém ironia mas não fica muito longe da realidade tamanho o nervosismo de seu pai). A melhor mulher foi
Quanto ao elevado nível dos atletas, alguns nomes destacaram-se assim que as baterias tiveram início. Dentre eles, não surpreendentemente, a australiana Sierra Kerr, filha de um ex-top do circuito mundial, e o brasileiro Ryan Kainalo, participante do Challenger Series 2023, assim como Jackson Dorian, filho do ex-top do CT Shane Dorian, eram esperados como protagonistas. Kerr e Kainalo corresponderam às expectativas, saindo vitoriosos, ao passo que Dorian não obteve o mesmo Sucesso. O comentário geral girava em torno do excepcional nível apresentado na água. Destacaram-se nomes como o espanhol Kai Odriozola, que se surfou muito ao longo de todo o evento e conquistou a terceira posição na Sub 18, e seu irmão, Hans, 15 anos, que sagrou-se campeão na Sub 16 com uma pontuação de 16,23, chamando a atenção desde o início. Os irmãos são filhos de José Manuel Odriozola, proprietário da tecnologia da Wave Garden. Os dois surfam muito, em qualquer tipo de condição.
Na mesma final, o inglês Lukas Skinner também impressionou ao longo de todo o evento, executando aéreos extremamente altos e precisos, deslocando-se em uma velocidade acima da média e realizando curvas à lá Mick Fanning. Lukas, filho do tricampeão mundial de longboard Ben Skinner, já é apontado como uma revelação desde tenra idade. Ele encerrou a final em segundo lugar, e é provável que o vejamos em breve integrando a elite do surfe mundial. Vale ressaltar que Skinner avançou em primeiro em todas as baterias em na final ficou com o vice-campeonato.
O português Francisco Ordonhas, segundo colocado na Sub 18 Junior, mostrou que está pronto para pegar o bastão ou mesmo se juntar a Frederico Morais no CT. O patrício mostrou um surfe de alto nível e poderia facilmente ter vencido o evento caso fizesse uma escolha melhor de ondas. Os três primeiros da principal categoria do evento marcaram: Kainalo (15,37); Skinner (14,87) e Odriozolla (14,24), ou seja, pontuações altas nos três casos. O Japão também chamou muita atenção. Em entrevista a Victor Ribas publicada aqui no Waves, o brasileiro que já foi o terceiro melhor do mundo afirmou que o país era sério candidato a vencer na Sub 16 masculino com Ren Okano, surfista que lembra Taj Burrow nos áureos tempos, que parou na semifinal.
Vitinho cravou que a japonesa Anon Matsuoka, baixinha com um backside estiloso e potente, levaria a medalha de ouro na Feminino Sub 18. A previsão de Ribas se efetivou Matsuoka venceu. A japonesa, que finalizou o CS de 2023 na posição 41, quebra a vala e fez uma das maiores médias do evento com 9,73 surfando uma direita na qual deu várias bolachas de backside.
Uma direção que ficou evidente durante a competição, com um espírito olímpico notável, foi a democratização e o aumento do interesse pelo surfe em diversas partes do mundo. Essa conclusão nos leva a vislumbrar um circuito mundial mais diversificado em termos de países, contrastando com o ranking atual dominado por nações já tradicionais, que aceitaram o Brasil a fórcepes. Um ranking mais global, sem dúvida, trará mais emoção, investimento e audiência, impulsionando o surfe a evoluir tanto em termos competitivos quanto comerciais.
O ISA World Surfing Games foi verdadeiramente um marco para o Rio de Janeiro, e ainda mais para o Recreio dos Bandeirantes. A Praia da Macumba demonstrou sua vocação, recebendo com hospitalidade e alto astral turistas de todo o mundo. As ondas não estavam clássicas, mas também não decepcionaram, e a celebração das bandeiras, das famílias e do espírito de equipe deixará saudades. Três seleções nacionais, República Tcheca, Hungria e Ucrânia, estarão representadas no WJSC pela primeira vez, enquanto uma equipe, a Romênia, participará de seu primeiro evento ISA.
O simbolismo da caixa de acrílico translúcida que abriga areia depositada por todas as nações que participaram do evento representa de maneira notável o ideal olímpico e o verdadeiro espírito aloha.
Parabéns ISA, equipe brasileira e todos os envolvidos na produção.