O australiano Maurice Cole sempre foi, além de bom surfista, um grande shaper. Tipo de cara que não tem medo de experimentar e seguir seus instintos. Conhecido por seus concaves profundos, Maurice produziu as pranchas de Tom Curren em sua campanha para o terceiro título mundial, em 1990, quando venceu sete eventos.
Curren também foi brilhante em 1991, no Havaí. Todas as pranchas do quiver pareciam mágicas, incluindo a 7’8” X 18 3/8 X 2 3/8 Reverse Vee pintail, de bordas amarelas, que proporcionou a foto feita por Tom Servais, tida como uma das melhores de todos os tempos.
Curren havia acabado de vencer a primeira jóia do Triple Crown, em Haleiwa. Na sequência, surfando em Backdoor, depois de mais um tubo a mágica aconteceu em forma de uma cravada de borda perfeita. Click, e pronto. Uma das fotos mais famosas do mundo do surfe. O engraçado é que logo depois da temporada Curren viria a perder o patrocínio da OP, pois havia surfado o tempo todo sem logo algum nas pranchas. Alguns meses depois fecharia um contrato milionário com a Rip Curl.
Voltemos à prancha. Ela apresentava, assim como na réplica que aparece nas fotos desse post, uma inovação no fundo. Na parte do bico havia quase um spoon (fundo abaloado), passando para um V-Bottom no meio da prancha, debaixo do pé da frente, ficando praticamente flat entre as quilhas, indo assim até o fim da quilha central. O final da rabeta tem um V, de leve. Diferente de quase tudo que havia até então e diferente do que há hoje.
Legenda vídeo: Tom Servais, Tom Curren, que confunde o tamanho da prancha, e Taylor Knox falam sobre aquela temporada épica e seu resultado: a foto.
Grandes descobertas, muitas vezes, acontecem por acaso. Foi o caso. Aquele “reverse V” que Maurice fez, se não fosse para o Curren, talvez nunca tivesse se provado eficiente. A verdade é que tudo começou com a primeira prancha que Maurice fez para Curren.
Era uma 6’3” que teve que ser produzida a partir de um pré-shape vindo da Austrália, junto com outros que haviam passado muito calor na viagem de seis semanas até a França.
O pré-shape de poliuretano tinha ¾ de rocker a mais, tanto no bico quanto na rabeta. Pior, o bloco estava torcido, torto mesmo. Come daqui, rala dali e, sem poder escapar do V Bottom que surgiu para corrigir a torção do shape, Maurice acabou fazendo a rabeta flat entre as quilhas, criando o reverse V. Ele já tinha essa ideia mais ou menos na cabeça.
Maurice deu a prancha para Curren testar, quase com intuito de piada, só que funcionou. Dessa primeira surgiram as outras, depois de Curren mandar seu raro e monossilábico veredito: incrível.
Olhando hoje, a prancha mais famosa parece um palito de dente, causa estranhamento a quem não está acostumado com pranchas maiores, mas há nela algo de especial. Suas linhas se encaixam de forma harmoniosa e suave, mesmo com aquele bico estreito e de rocker acentuado. O fundo parece simples, mas, olhando de perto, tem uma complexidade ímpar.
A prancha, no momento em minhas mãos, é uma das poucas réplicas, feitas na Califórnia por Maurice Cole, da famosa 7’8” e faz parte do acervo exposto no Hotel Ibis Styles Guarujá. Ela me foi emprestada pelo “Beto” Roman, assim com o ótimo livro “Tom Curren and Maurice Cole – a great collaboration”, escrito por Nick Carroll, numa tiragem de apenas 300 exemplares. Livro e prancha merecem ser vistos e lidos.