Opiniões antagônicas

Retrô x progressivo

Edinho Leite levanta divertido debate sobre as vantagens e desvantagens dos estilos clássico e moderno.

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Dave Rastovich influenciou muita gente. No surfe dele o que importa é o que se sente e não o que os outros gostam de ver.

Dois amigos que conhecem muito de surfe mandaram textos sobre um assunto interessante. Opiniões antagônicas. Tem certo? Tem errado? Leiam e digam.

A versão de “Roli” Rodrigo Caballero é essa. “Quem diabos é esse cara?”, disse o jovem Matt Archbald depois de ver Martin Potter destruir as ondas em T-Street pela primeira vez. Era o verão de 1985. Pottz tinha acabado de chegar a San Clemente, convidado pelo amigo, Jim Hogan.

Shane Beschen, que também morava ali, se lembra: “Eu tinha uns 10 ou 11 anos e estava surfando T-Street quando vi ele acelerando de backside na minha direção. Inesperadamente o cara mandou um aéreo 360 na minha cara. Caracas! Pensei. O que é isso que eu estou vendo?”.

Com uma abordagem inédita, Pottz revolucionou a cena do surfe local, que já era revolucionaria por natureza. “Ele era tão rápido e suas manobras tão poderosas, que fazia parecer como se os outros surfassem com uma âncora amarrada à prancha”, adicionou Archy.

A partir desse momento San Clemente posicionou-se como um dos pontos onde o surfe mais progressivo do mundo se desenvolvia. Ajudou a gerar algumas das figuras mais influentes dos últimos 30 anos e tornou-se fonte de inspiração para surfistas do mundo todo.

Christian Fletcher, Dino Andino e os já citados Beschen e Archbald, adolescentes naquela época, ficaram perplexos perante a performance do Martin e souberam, na mesma hora, que só queriam surfar como ele. Também entenderam que a evolução do esporte corria na mesma direção para onde apontava a Town&Country verde e amarela do peitudo regular footer.

Não estavam errados. O surfe além do lip, que apresentam os surfistas de atual elite, deve muito ao acontecido em San Clemente na segunda metade dos anos 80, depois do Big Bang de Potter.

A ousadia de Martin Potter, aliada à modernidade das pranchas, ajudou a criar o surfe acima do lip.

O que teria acontecido com o desenvolvimento da performance se o sul-africano, com passaporte inglês, tivesse chegado em T-Street, empolgado com uma onda retrô, carregando uma “alaia de redwood San Onofre style” num carrinho amarrado na bicicleta? Ninguém sabe. Mas acho que Gabriel Medina, Felipe Toledo, Griffin Colapinto e Julian Wilson não estariam decolando aéreos invertidos em ondas de 8 pés nas etapas do CT.

Retro(cesso). A moda vintage freia o desenvolvimento do surfe. Como declarou Rodrigo “Coco” Zeballos, Surfista e campeão sul-americano de Rally: “Os carros clássicos são bonitos, mas não deixam você entrar numa curva a 200 km/h”.

Hoje alguns dos surfistas mais reverenciados pela galera surfam com pranchas tipo “retrô models”. Talentos incríveis como Dave Rastovich, Rob Machado o Alex Knost passeiam nas ondas em cima de fishes, alaias e single fins. Algumas delas apresentam borda tipo tijolo e são réplicas de um passado que, para os olhos desse escritor, colocam limites e travas no desempenho dos surfistas.

Da dor nos olhos assistir esses surfistas lutando contra uma single fin pesada e rebelde, que reluta em aceitar ordens do piloto. Os caras vão nesses tocos com os joelhos juntos e o centro de gravidade bem baixinho, numa posição requintadíssima, sim, mas, para quem conhece o talento deles, sabe que se o cara tivesse surfando com uma prancha moderna, não estaria lutando para ficar na boca do tubo, mas estaria no fundo do salão verde, viajando no foam ball com os olhos cheios de uma visão que o leitor provavelmente não verá nunca na vida.

Então, se as pranchas retrô impedem o surfista de dar o melhor de si, qual é o objetivo de surfar com elas? Estética e a plasticidade são tão importantes para que os surfistas troquem pela performance? O melhor surfista é aquele que fica mais bonito sobre a prancha? Será que o objetivo dos surfistas já não é viajar na zona mais profunda do tubo e sair cuspido rumo à felicidade? Será que já foi aquilo de bater na maior velocidade e com toda a força possível num lip que cai das alturas com o peso de um elefante? Claramente vivemos numa época onde a aparência tem maior importância do que a performance.

O leitor atento vai perceber que a maioria dos surfistas que usam pranchas retrô, acompanham o veículo aquático com acessórios que estabelecem uma unidade estética: barba hipster ou bigode vintage. Corte de cabelo meio-americano ou cabeleira descuidada. Roupas de borracha, que parecem antigas, ainda que sejam feitas com neoprene japonês de última geração. Óculos iguais aos que usava meu avô e ainda tatuagens de âncoras ou outros desenhos que lembram numa época que já foi há muito tempo.

O vintage não é só um prancha. O vintage é um estilo de vida. Uma forma de perceber o esporte que, para os olhos desse cronista, ataca a evolução. Alguns anos atrás, empurrado pela correnteza, pedi ao Jeff Bushmann, que fizesse para mim uma single fin 70’s style. O mago da plaina me disse, sem dó: “Para que você quer essa m…? Vai perder 40 anos de evolução só por estar na moda?”.

“Pottz” apavorou em San Clemente e o surfe nunca mais foi o mesmo por ali.

Não existem fórmulas disse Martín Aguirre em seu texto no caminho contrário.
Kelly Slater estragou toda uma geração de surfistas. Espera aí, não quero dizer que O Melhor de Todos os Tempos não tenha incidido positivamente entre aqueles que começaram com este vício quase ao mesmo tempo que ele começou sua carreira. E que ainda não continue nos inspirando, demonstrando que, com 46 anos, é possível lutar, cabeça a cabeça com as novas gerações. Mas em matéria de equipamento ele nos enterrou no fundo do buraco.

Lembro com clareza de uma revista Surfer do começo dos 90, onde Kelly aparecia mostrando uma de suas pranchas. Uma 6’1″, fininha como papel de cigarro, daquelas que traziam como grande inovação umas fitas de carbono do lado da longarina. Comparar aquela obra de arte, elegante, sofisticada, moderna, com a 6’5″ com que eu acabava de aprender a surfar a parede da onda, era um soco na cara do meu amor próprio. Parecia um dinossauro competindo com uma gazela.

Como tantos desgraçados daquele tempo, corri para o shaper local da minha praia e pedi para ele me adicionar à nova moda. Consegui o que procurava. Uma prancha 6’0, fininha e afiada, quase como a do Kelly. A alegria durou até que eu cair no mar.

Aquela prancha, e suas sucessoras parecidas, foram as responsáveis por travar minha evolução no surfe por, no mínimo, uma década. A loucura, tão característica daqueles que amam as ondas, fez que eu jogasse a culpa para a minha própria mediocridade sobre todos os males que me afligiram àquela época: pouca capacidade para pegar ondas, instabilidade em condições mexidas, impossibilidade de manobrar em ondas gordas. Bom, com certeza a minha mediocridade também influiu. Mas no dia em que um amigo me emprestou uma retro twin fin, numa viagem ao Brasil, foi como viver uma epifania.

Na hora, consegui pegar ondas, me afirmar com força, evitar a matada de barata para ganhar velocidade. Mais importante, consegui me divertir. Duas perguntas me assaltaram naquele momento. O que é que estive fazendo durante todos esses anos com pranchas que não eram para mim, ou para as condições que um surfista “normal” costuma encarar? Quanta gente mundo afora havia sofrido com a “Maldição do Kelly”?

É claro que isso não fez que eu me convertesse num pequeno Rastovich e entrasse na moda retrô para sempre. Nenhuma pessoa sensata teria a ideia de levar uma prancha dessas para Nias, por exemplo, onde o objetivo é ficar no tubo o maior tempo possível. Do mesmo modo que ninguém leva uma 6’6″ pintail para aquela escapadinha com a namorada para ondas gordas na praia ao lado.

O problema, como tudo na vida, são os dogmas. Para um surfista da cidade, a moda de imitar as pranchas do Kelly é tão absurda quanto a paixão pelo Craig Anderson, com a consequente lotação de barbudos com ares de hipster e pranchas que parecem a porta de uma casa antiga.

Josh Kerr, de twin fin, abdica do desempenho estilo CT por outras sensações, mas não muito.

Porém, há mais coisas a entender. O surfe, ao menos do jeito que a maioria dos mortais pratica, é um esporte onde você compete contra você mesmo. Então pode ser compreensível que um tipo que ex-pro, ainda pago para ficar oito horas ao dia no mar e viaja quando quer para os melhores picos, tenha que buscar formas de se superar, de desafiar seu próprio talento, para se divertir.

Isso parece uma explicação razoável para justificar aqueles supertalentos, como Rastovich ou Anderson, caírem em dias épicos com pranchas que atrapalham mais do que ajudam. Que os impedem de entubar do jeito que fariam com pranchas mais modernas. Mas, que importância tem isso? Se eles já têm mais horas de tubo do que nós, pobres mortais. É provável que para eles esse tubo meio na boca, com uma prancha esquisita, seja mais desafiante, mais satisfatório, que um tubão com equipamento tradicional de nossa época.

Longe de desacelerar o avance tecnológico, de ser retrocesso em matéria de inovação no equipamento, eu acho que pode ajudar nesse sentido. Assim como a ciência o design das pranchas nunca chegará ao final do progresso. Que volta e meia tenha alguém desacelerando e investigando o passado pode ser algo revolucionário. Algo que permite abrir uma nova porta, colocar dúvida nas verdades absolutas de hoje e resgatar as coisas boas que, sem dúvida, devem ter havido em outros tempos. Há algo mais inovador do que isso? Há algo mais conservador do que ficar colado à moda do momento e pensar que todo o passado é ruim e atrasado?

Eu não sei se o melhor surfista é o que mais se diverte, mas levar as coisas a sério demais nunca foi uma boa receita para nada. Menos ainda para o surfe.