Cheyne Horan

O Cafu australiano

Colunista Alceu Toledo Junior lembra de pelada épica no Beco do Surfista, em Floripa (SC), durante o Hang Loose Pro Contest 87, quando australiano Cheyne Horan rouba cena como lateral-direito.

Cheyne Horan, um ícone do design, bate uma bolinha com a galera em Floripa durante o Hang Loose Pro Contest 1987.Reprodução
Cheyne Horan, um ícone do design, bate uma bolinha com a galera em Floripa durante o Hang Loose Pro Contest 1987.

Luis Roberto, locutor da TV Globo, pedia para o lateral Vanderson avançar no primeiro-tempo do jogo Brasil X Peru quando eu pensei, “bota o Cheyne Horan”. Como assim, “bota o Cheyne Horan”?

Explico. No segundo Hang Loose não teve tanta onda quanto no primeiro. Tom Carroll levou a etapa, recuperando-se de um vexame pessoal no ano anterior, quando passou o campeonato inteiro literalmente em branco nas quebradas da Joaquina, e levou o título.

Até aí, nenhuma novidade. Afinal, o australiano era o grande nome do surfe internacional naquele momento, ao lado de Tom Curren, da Califórnia. Porém, no extra-campo, deu Cheyne Horan, que revelou-se um autêntico craque durante uma pelada no Beco do Surfista. Se fosse hoje, iriam dizer que ele era integrante do Australian Storm do mundo da bola murcha.

Eu estava largado ali perto da Joaquina na casa do saudoso Ledo Ronchi, dono da revista Inside, juntamente com o não menos saudoso Alexandre Rant, o Sabonete, um santista que era meio como aquele humorista Paulo Silvino, ganhava todas as garotas só na malandragem. Devia haver mais ou menos umas 15 pessoas na casa e a minha cama era uma poltrona no canto da sala.

Uma tarde depois do campeonato, o Ledo organizou uma pelada no campinho do Beco.  Times escolhidos e tal, olhei para o Cheyne Horan e pensei, este australiano não deve jogar nada com aquele corpo de atleta e rosto de baby johnson, como na música Surfista Calhorda, do punk gaúcho Replicantes.

Bola em jogo, Cheyne Horan, quatro vezes vice-campeão do mundo, começou a se destacar pela lateral. Com um preparo físico impressionante, o bicho dominou o setor, defendia, atacava e fazia cruzamentos perfeitos, uma raridade hoje em dia, como cornetou o locutor da pelada global do outro dia.

O cara parecia um trator, uma máquina, e, no meio daquela cambada de surfista maconheiro, o cara simplesmente voava em campo, um verdadeiro esculacho.

Num destes cruzamentos perfeitos, dominei na entrada da área e acabei chutando pra fora na saída do goleiro. O Ledo virou e disse pra mim: “Alceuzinho, ainda bem que você escreve pra ganhar a vida”.

Dei risada, e logo depois deixei o meu golzinho. Passe de quem? Do Cheyne Horan, claro.

O surfista das pranchas malucas deitou e rolou e, fim de partida, comparações na resenha com grandes laterais medianos da época, como Perivaldo, Josimar, Zé Teodoro, Paulo Roberto e não sei quem lá.

Naquela época, ainda não havia o possante Cafu. Ele que foi reprovado na peneira do São Paulo dezenas de vezes e que só virou bom jogador por muita insistência do treinador Telê Santana, que ensinou a cruzar bola na cabeça do atacante. Mas, na minha memória meio embaçada, Cheyne Horan era o Cafu australiano.

Anos mais tarde, durante uma etapa do mundial no Rio, o Alternativa, dei de cara com o Cheyne Horan no palanque. Falei da pelada em Floripa e ele deu risada, lembrava de tudo perfeitamente.

Fiz uma entrevista com ele para o jornal Folha da Tarde e ele revelou ser amante do futebol brasileiro. Talvez nem seja mais, dada a decadência do esporte bretão por estas bandas. Mas ele disse que iria torcer pelo Brasil na copa de 94.

Na entrevista, ele também demonstrou um certo inconformismo por ter sido tantas vezes vice-campeão, primeiro para o Wayne Bartholomew, depois três vezes seguidas para o Mark Richards.

Ele alegou ter sido prejudicado em julgamentos e disse que alguns juízes eram muito amigos do Mark Richards. Sei lá, naquela época ainda não tinha webcast pra gente ver os campeonatos ao vivo e tirar isso a limpo.

Mas, no campinho de Floripa, Cheyne Horan foi muito campeão. Não lembro do resultado da pelada. Marquei um gol e perdi outro. O Sabonete também foi bem escorregadio no clássico dos maroleiros.

Ledão, saudades do amigo. Obrigado pelo convite para editar as matérias do campeonato. Foram dias inesquecíveis em Floripa, sobretudo pela companhia da minha querida Alessandra Leal, então campeã catarinense de bodyboard e minha linda colega repórter da revista Inside, amiga que eu adoro até hoje. Estar com ela foi a melhor parte desta viagem.

E o Cheyne Horan entrou pra história como o melhor surfista australiano peladeiro em gramados de Santa Catarina. Uma pena ninguém ter filmado.

 

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