Depois de nos deliciar com Frank Zappa, Residents, Mr Bungie, Fantomas, Arrigo Barnabé, Zumbi do Mato, Dog Fashion Disco, John Zorn, Spazztic Blurr, Primus, Messer Chups, Ho99or, Thundercat, MonoNeon e Jacob Collier entre tantos outros birutas de nascença do crossover, do fusion e da mistureba, chegou a vez de ser perturbado pelo não menos inclassificável Clown Core, uma banda que apavora as criancinhas indefesas e tomar a liderança do melhor som nada a ver com nada do momento.
Alguém certamente vai perguntar, mas o que isso tem a ver com surfe?
Nada a ver com surfe, um esporte limpo e sem a presença deste tipo de droga ilícita. Afinal, nem todas as palavras do dicionário podem ser usadas para descrever tamanha atrocidade. Só palavrões!
O fato é que existe o som que deu certo, o Black Sabbath. O som que deu errado, o Supertramp. E som que dá medo, o Clown Core.
Com o Visual Album Van bombando com quase 100 mil visualizações desde o lançamento, a dupla de palhaços sinistros evoca todos os espíritos do mal nesta que é a mais sanguinária trilha sonora do fim do mundo. E o resultado é assustador, apavorante e desanimador sobre o futuro da humanidade.
Sim, o fim do mundo se aproxima por dentro de uma Van azul que vaga no transporte de dois malucos que se alternam em teclado, bateria e um saxofone free jazz pra lá de Ornette Coleman, tudo vindo de um underground obscuro, desagradável e caótico, numa demonstração de violência gratuita que não se sabe onde vai parar.
É uma música de complexidade extrema, ignorância sem limites e uma maldade tão intensa quanto apaixonante nos riffs mais grotescos, tipo um bebop satânico com suas pausas básicas, um ritual de quebrada, uma sinfonia de meu Deus nos acuda.
São quase 18 minutos de constrangimento, ultra violence, um som malvado e imagens subversivas que faz o Marilyn Manson parecer uma barbie ingênua e assustada, ou a Karen Carpenter em toda sua candura depressiva que a levou à morte por anorexia.
As tags do vídeo Van dão a letra para o que se avizinha naquela barca macabra: experimental rock, electronic, avant-garde jazz, cybergrind, drumstep, noisecore, avant-garde metal, impressionism, jazz-rock, metal, death, dunk, jazz, minivan, toilet, Nevada.
Difícil ficar indiferente ao som desta dupla bizarra e sem futuro sadio no mondo cane do show business antropofágico e até mesmo cruel, onde somente o deus dinheiro se manifesta com aprovação.
Numa espécie de rolê diabólico naquela Van azul rumo ao fim do mundo, ainda tem o motorista que assiste a tudo sem piscar um olho, isso na condição de testemúmia de toda a criminalidade hedionda.
Eu não ficava tão impactado desde os primeiros acordes de Mike Patton com o Mr Bungle no início dos anos 90. Não, não chega a ser as investidas mais piradas de Frank Zappa, mas bem que poderia ser.
No fim, tudo termina em flores, sob os acordes líricos e delicados de infinite realm of incomprehensible suffering, quando um sofrimento sem fim dá lugar a um sentimento de alívio e de paz dos cemitérios, tipo trilha do shopping center ou do supermercado num clima meio Weather Report alegrinho, ideal depois de tanta agressividade absolutamente desnecessária e inspiradora.
Se estava faltando um Jimi Hendrix na atualidade para devolver ao rock o título de último reduto da rebeldia, o Clown Core, é a melhor palhaçada musical anti tudo desde toda aquela energia liberada na era punk.
No site dos caras não tem muita informação sobre quem são os malucos e que apito que tocam. Mas, ninguém se importa com nomes ou identidades nesta altura do campeonato.
Tem uma certa inspiração em Eric Dolphy Memorial Barbecue, do álbum Weasels Ripped My Flesh (Frank Zappa, 1970).
Tem o palhaço 1 e o palhaço 2. Um toca sax. Outro toca bateria. Os dois tocam um tecladão bem louco e uma buzina de bicicleta velha. E também cantam no estilo grindcore. Cantar é modo de dizer. Eles berram. Cantar é coisa de gente normal.
Eles não são normais. Eles são anormais. Eles são a anomalia. Eles tocam o terror. Eles tocam um foda-se geral se o mundo é uma merda, um lugar legal ou ilegal, tanto faz, tudo depende de sua empatia com esta viagem doentia.
E tem o motorista da Van que fica na dele, calado, só dirige e nem ousa se intrometer ou interferir no ritual imprevisto, nem mesmo quando um airbag em forma de pênis abre em cima dele.
Perturbador e sem noção, o Clown Core é uma coisa horrorosa, sinal de fim dos tempos, música de computador. Mas não consigo me desligar e nem parar de ouvir essa loucura toda só mais uma vez!
Dá até dor de cabeça. Dá um nó na cabeça. Não vou falar mais nada para evitar o spoiler e acabar com as surpresas mais repugnantes.
O mundo acabou, mas a gente só percebe quando essa Van azul aparece do nada para nos atormentar e nos silenciar de puro pavor.
Ouça sem medo, despido de preconceitos. Se a vizinhança permitir, ouça no talo até o ouvido sangrar.
Os mais valentes podem experimentar uma ida ao Visual Album anterior, Toilet. Mas, antes, tomem o cuidado de tirar as crianças da sala. Desta vez, a palhaçada se acomoda num banheiro químico para disparar seu lixo tóxico com uma levada mais Super Mario hardcore.
Esse artigo foi publicado originalmente em 1 de abril de 2021.
https://youtu.be/m00GvZzRCb4
Visite o site do Clown Core e assista mais vídeos.