Eu não ficava tão adrenado com alguma coisa desde 2011, quando o meu Santos FC, ainda nas alturas, vencia a tão sonhada terceira Libertadores no Pacaembu, contra o time do Peñarol, do Uruguai.
Mas, nesta segunda-feira salgada, prendemos a respiração ao longo de todo o dia para terminar o dia com o saldo bastante positivo de duas medalhas, prata para Tatiana Weston-Webb, bronze para Gabriel Medina.
A seguir, alguns dos altos e baixos dos Jogos Olímpicos 2024.
Medina X Jack Robinson – Impressionante, decepcionante, frustrante e broxante. Mas, não vi o Medina perder para o Jack Robinson. Nem dá para dizer que ele perdeu para si mesmo, cometendo uma série de enganos na bateria.
Dono da melhor onda do campeonato, um 9.90 gigantesco na revanche histórica contra o japonês Kanoa Igarashi, algoz em Tóquio, para mim ele perdeu para Teahupoo, uma onda temperamental nas finais, pois abria com tubos inesperados para alguns, como simplesmente sumia por vários e longos minutos sem dar o ar de sua graça, ou neste caso, dá licença, da desgraça.
Mas é um exagero meu falar em desgraça, claro, sobretudo num dia tão especial depois de ser garfado no Japão. Afinal, Medina não volta de mãos abanando e parecia estar bastante feliz com a medalha de bronze durante entrevista para o Pedro Scooby, do canal CazéTV.
Em contrapartida, a maldição do flat se abateu contra Jack Robinson na bateria final contra o local Kauli Vaast e ali o australiano sentiu na pele os efeitos da ondulação rarefeita. Coisas que acontecem, pois os ventos da vitória de Vaast já vinham sendo sentidos desde uma bateria equilibrada contra o compatriota Joan Duru nas quartas de final.
Duelo de Titãs – A melhor bateria do campeonato, disparada, justamente no melhor dia de onda, quando o mar esteve realmente olímpico, foi João Chianca (18.10) contra o marroquino Ramzi Boukhiam (17.80) numa trocação de tubos e de reviravoltas no placar sem que ninguém fosse capaz de adivinhar um vencedor.
No final, vitória explosiva de Chumbinho, um capricho do destino para o local de Saquarema que viveu um drama no início do ano ao sair inconsciente do mar em Pipeline. Por outro capricho do destino, ele teve que pegar um adversário indigesto em seguida e foi eliminado por Gabriel Medina. Mas, entre nós, surfistas, ele leva um prêmio não de consolação, mas de profunda admiração pela coragem, audácia e atitude nos tubos de Teahupoo no melhor dia de onda no campeonato.
O mapa das minas – Tatiana Weston-Webb mostrou porque é nota 10 em Teahupoo de responsa. Encarou todas as adversárias com altos tubos e repertório de manobras, além de um preparo físico invejável ao longo de todo o campeonato.
Pegou pelo menos duas baterias relativamente tranquilas, contra a espanhola Nadia Erostarbe nas quartas e na semi contra a menina de Costa Rica, Brisa Hennessy. Na final, achei que houve uma certa boa vontade na melhor onda da americana Caroline Marks. Em contrapartida, talvez tenha faltado um pouco mais de boa vontade na avaliação da onda que a levaria à virada e ao topo do pódio.
O ponto alto foi derrotar a americana Caitlin Simmers, simplesmente atropelada em Teahupoo por 12:34 a 1.93, ela que é número 1 do ranking WSL e chegava ao Taiti com um certo favoritismo.
Como a primeira brasileira medalhista olímpica, Tati merece todo o nosso reconhecimento, admiração e gratidão pela ótima performance.
As outras meninas, Luana Silva e Tainá Hinckel, foram discretas e fica a torcida pela evolução. Afinal, também fizeram a parte delas, ainda são bem jovens e devem se aprimorar neste mundo do surfe competitivo.
Decepções – O havaiano John John Florence certamente sai bastante decepcionado com sua performance. A eliminação diante do aussie Jack Robinson foi doída, depois de boiar praticamente toda a bateria. Ele mandou bem na primeira fase, mas frustrou seu público com uma atuação pífia, muito aquém do esperado pela galera e mídia especializada em geral.
Filipe Toledo também decepciona. Afinal, é um bicampeão mundial. Porém, todavia e infelizmente, onda grande e buraco não é sua especialidade. Ele ainda deu azar de quebrar a prancha numa onda em que poderia ter virado contra o japonês Reo não sei quê lá, um ilustre desconhecido que parecia bastante contente por estar circulando anônimo entre os melhores do mundo.
Mas, são Jogos Olímpicos e até as zebras têm seus 15 segundos de fama para sempre por uma glória ocasional.
O case CazéTV – Apesar de admirar o carisma e o surfe do Pedro Scooby, não aprecio o estilo Galvão Bueno de transmissão ufanista, num misto de Buzina do Chacrinha com a cobertura da távola redonda futebolística medieval da TV Gazeta, um insucesso de audiência ao longo dos anos, com aquelas polêmicas incendiárias em defesa do Timão.
Também acho maneiro o canal anárquico Uaradei, do Marcelo Trekinho e do Gabriel Pastori, com uma proposta bem subversiva, tipo filme anos 70 com suas partes engraçadas. O fato é que em tempos de branded content, a mídia mudou e deve ter alguma pesquisa para indicar e validar o que andam aprontando por aí. Tipo, tá valendo tudo se está dando audiência, sobretudo entre as novas gerações.
Mas, enfim, nada contra, cada um com sua vocação, mas prefiro uma coisa mais séria, mais técnica, mais tática, mais didática em termos de webcast para o grande público. Então, para mim os melhores momentos da transmissão ficaram por conta do chat, em que até os haoles, por exemplo, notaram um certo favorecimento para Caroline Marks contra Tatiana Weston-Webb, com um overscore aqui e um underscore ali.
O detalhe da transmissão que mais incomodou, bastante negativo por sinal, foi quando um dos locutores deu um esporro na surfista Luana Silva por conta de uma manobra errada na junção. Na boa, absolutamente desnecessário!
Por outro lado, foi legal ver o Scooby alertar para a presença controvertida do juiz australiano Ben Lowe, depois de ser flagrado em foto com Ethan Ewing e outro cara que esqueci o nome. Detalhe, o canal Por Dentro do Tour já havia cantado esta bola, porém, a publicação aqui no Waves não teve o mesmo alcance da denúncia feita por Scooby que felizmente acabou repercutindo na grande imprensa.
Pra finalizar, ainda no calor das baterias recém-encerradas, foi bem legal abrir o site UOL e ver Tatiana e Medina em destaque no noticiário de um dos maiores portais do país. Parabéns para os dois. Chegaram na maior equipe do surfe e beliscaram duas medalhas. Ambas muito importantes para que o surfe trilhe glória olímpica no Brasil e estimule o surgimento de novos talentos em todo o país.
Se o sucesso do surfe também estimular o crescimento, fortalecimento e renascimento da indústria, aí sim, seremos todos campeões para sonhar com dias ainda melhores no esporte dos kahunas havaianos.