Recentemente, em Huntington Beach, Califórnia (EUA), tive o prazer de entrevistar o primeiro campeão mundial, Mr. Peter Townend, que em uma conversa aberta e muito interessante me deu uma aula sobre o surfe e sua essência.
Nascido em 1953 em Bilinga, Gold Coast, ele cresceu surfando as ondas de Coolangatta, onde deu os primeiros passos no esporte, em 1966.
Além disso, “PT” tem um currículo de altíssimo nível. Foi diretor-executivo da famosa e vencedora equipe americana dos anos 1980, que tinha surfistas como o tricampeão mundial Tom Curren, Mike Parsons, dentre outros.
Ele é também um dos responsáveis pelo Walk of Fame, realizado todos os anos desde 1994 durante o US Open em Huntington. Quando o assunto é apresentação e palestras sobre surfe, PT é o melhor locutor, dono de uma oratória incrível.
Atualmente, Townend é o responsável por introduzir o surfe na China e fazer treinamentos com a equipe do país asiático. Por isso, foi considerado o padrinho do surfe local. Apaixonado por surfe, o campeão mundial de surfe de 1976 (pela antiga IPS) conta os detalhes de sua trajetória na entrevista abaixo.
Quando e onde tudo começou?
Em 1965 já fazia parte do programa de salva-vidas juniores. No ano seguinte, meus pais me falaram se eu conseguisse a credencial do programa eu ganharia uma prancha, e foi o que aconteceu. Minha mãe me deixou ir na fabrica do Joe Larkin, que era um dos mais importantes fabricantes de prancha da época. Ganhei a prancha no Natal daquele ano, foi quando comecei a surfar. Deixava minha prancha na casa da minha avó, que era em Greenmount, onde surfava todos os dias.
Como foi o seu começo nas competições?
Comecei a surfar bem já no final dos anos 1960 e em 69 competi no Queensland Championships, quando ganhei na categoria Júnior. No ano seguinte novamente venci na Júnior e fiquei em segundo na categoria Open. Neste mesmo ano fui Top 10 do circuito australiano. Ainda em 1970 competi com minha primeira prancha Pink, que com o tempo veio a ser minha cor de prancha tradicional. Como acabei entre os 10 melhores juniores naquele ano e nos anos seguintes continuei entre os Top 10, fui incluído na equipe australiana internacional que em 1972 foi disputar o Mundial da ISA em San Diego. Era uma super equipe com: Mark Richards, Michael Peterson, Simon Anderson, Ian Cairns. Fiquei em terceiro e o havaiano Jimmy Blears venceu.
Qual foi a sua primeira viagem de surfe e o quanto isso influenciou a sua vida?
Foi para a Califórnia em 1972, quando competi no Mundial ISA. Foi a minha primeira verdadeira surf trip. Logo após fui morar em Topanga Canyon (Malibu), com o filmmaker Hall Jepsen, que me apresentou o ator Jan Michael Vincent (Big Wednesday). Por conta desta relação fui apresentado a John Mills (diretor de Big Wednesday), pois Jan queria que eu o dublasse no filme Big Wednesday, mas John acabou me pedindo para dublar outro ator, William Katt, ele achava que éramos mais parecidos.
Neste mesmo ano tive minha primeira temporada no Havaí, quando competi no lendário campeonato Duke Kahanamoku em Sunset Beach e acabei em segundo lugar. Mais tarde, em 1979, mudei para Huntington Beach, onde me casei com uma garota local. Em 1980 nasceu minha filha. Vivo em HB desde então.
Quando realmente nasceu o movimento Bustin’ Down The Door?
Na verdade começou na Austrália em 1975, através do circuito da APSA (Australian Professional Surfers Association). Ficávamos discutindo como faríamos o ranking, a partir daí e seguindo o mesmo sistema de ranking da F1, montamos um ranking somente na Austrália, mas que tinha também alguns poucos surfistas de outros países e deu muito certo na época.
Já em 1976, no meio do ano na África do Sul, mostramos este ranking para o organizador Randy Rarick, que gostou e convenceu Fred Heminngs do Havaí, que era o homem forte e dirigia os campeonatos nas temporadas havaianas, porém não tinha uma visão muito profissional do circuito naquela época. Fred inicialmente queria criar um ranking a partir dos valores recebidos nos campeonatos, após conversarmos com ele gostou e seguiu o mesmo modelo da F1/APSA e nascia assim a IPS (International Professional Surfers).
Houve uma certa resistência por parte dos havaianos no começo, que viam o surfe mais como um estilo de vida do que algo que se pudesse imaginar virar uma profissão. Eles têm a cultura Polinésia, mais soul. De qualquer maneira Fred anunciou que naquele ano (1976), após o final da temporada e incluído um ou outro campeonato de outros países declarariam o primeiro campeão mundial. Eu fui o campeão por ter tido a melhor média entre todos os campeonatos. No ano seguinte, Shaun Tomson foi o campeão mundial, seguido por Rabbit Bartholomew e Mark Richards.
Você e Ian Cairns criaram uma empresa de eventos e consultoria para o surfe, qual foram as principais ações desta empresa?
O nome desta empresa era Sports and Midia. Nossos principais trabalhos e de muito sucesso foram dirigir a equipe norte-americana que venceu tudo durante dois anos e que tinha nomes como o tricampeão mundial Tom Curren, além de Mike Parsons, Scott Farnsworth e muitos outros. E outro sucesso de nossa consultoria foi o campeonato OP Pro, que depois mudou para US Open e tem este nome até os dias de hoje.
Como você vê o surfe brasileiro hoje, e quais são os nomes que devem figurar entre os melhores do mundo?
Bem, há muitos anos eu previa algo muito parecido com o que está acontecendo hoje. Uma vez falei em uma entrevista para Adrian Kojin (antigo editor da revista Fluir) que o Brasil cedo ou tarde seria uma potência, que estavam no caminho, e teriam um campeão mundial.
Vejo o Gabriel Medina como um surfista acima da media nas competições é um “animal” e acredito que vencerá mais alguns títulos mundiais. Filipe Toledo, eu o chamo de “Flip Toledo” (risos), é sem duvida o surfista mais rápido do mundo na atualidade, e também deve ser campeão do mundo cedo ou tarde, Filipe é muito diferenciado.
Gosto muito do Italo Ferreira, surfista com um backside incrível e manobras progressivas fora do contexto, ele sempre nos surpreende. E claro não posso deixar de mencionar o “guerreiro” e competentíssimo Adriano de Souza, que foi campeão mundial trabalhando forte, um exemplo de surfista profissional.
Como você vê a evolução do surfe na China e até aonde eles podem ir?
Comecei meu trabalho do zero na China. Imagine nos dias de hoje você pegar esses garotos e lapidá-los do nada? Não posso pegar onda por eles, o que faço é mostrá-los a melhor forma de aprender. Alguns já entendem melhor, mas tudo isso é muito novo na cultura chinesa. Estou bem feliz com este desafio, tenho 65 anos e estou em forma graças a esta nova experiência.
Meu trabalho é formar surfistas – e mais ainda – formar seres humanos de muito caráter, além de implantar o surfe definitivamente na China. Estamos evoluindo bem, o governo dá um forte incentivo e agora com o surfe nas Olimpíadas o investimento intensificou ainda mais, pois para os chineses esporte olímpico é coisa séria.
Acredito que é um trabalho a longo prazo, mas que talvez poderemos ver alguns chineses futuramente disputando competições internacionais. Já para as Olimpíadas em Tóquio 2020 nossa meta é fazermos um bom trabalho e principalmente entender o mecanismo das competições.
Qual é um pico com boas ondas na China?
Hainan Island tem boas ondas. Água quente e cristalina, clima tropical.
E o mercado de surfe chinês, como anda?
Bem, os chineses gostam do estilo praia, mas o engraçado que não necessariamente vão às praias. Eles vão às cidades praianas, mas ficam em clubes. Os chineses não compram imóveis como nos outros lugares do planeta, eles têm condição de gastar mais no consumo de roupas e acessórios de surfe. Se as Olimpíadas derem certo e trazerem um pouco mais da cultura surfe/praia à China, sem dúvidas será um dos maiores mercados do mundo.
Hoje em dia as únicas marcas que tem significativa força na China são Vans e alguns boardshorts da Hurley.
Particularmente, você gostou da entrada do surfe nas Olimpíadas?
Achei bem interessante. Para a indústria será um passo muito importante. Para o esporte será muito forte, uma vez que países que não tem a cultura surfe agora conhecerão melhor. Hoje você tem Olimpíadas de inverno, onde o snowboard é muito reconhecido, e você encontra atletas de snowboard na caixa de marcas famosas de cereais. Provavelmente se os EUA ganharem as Olimpíadas veremos surfistas nestas caixas também, o que significara um salto enorme para a indústria do surfe.
Você já teve a oportunidade de conhecer a pororoca chinesa Black Dragon?
Claro! Inclusive sou um dos organizadores do campeonato anual do Black Dragon, que tem sido uma competição incrível. As ondas são perfeitas e com uma força surreal.
Você que já foi infinitas vezes ao Brasil, o que você pode me dizer, tem boas memórias?
Sim, ótimas memórias, além de ter grandes amigos por lá. Sempre que vou ao Brasil sou muito bem recebido. Os surfistas brasileiros são apaixonados por surfe, isso sempre me encantou. Nas competições tive alguns bons resultados como o Waimea 5000 de 1978 no Arpoador (Diabo). Cheyne Horan venceu e fiquei em segundo. Em 2011 fui participar do Master na categoria Grand Master também no Arpoador, que foi minha última competição. Aprecio a cultura do surfe brasileira.
Você vem de uma geração onde o estilo era muito importante, como você enxerga os estilos atuais?
O surfe mudou muito. Na minha opinião, hoje em dia com todas as manobras progressivas e uma velocidade incrível, o estilo passou a não ser tão importante como antes. Os estilos atuais são mais próximos, hoje não dá para ter os dois juntos. Antigamente tínhamos mais estilos e você sabia a quilômetros de distância quem era cada um.
Estilo continua importante para mim e meu favorito surfista atualmente é o Mick Fanning, mas também gosto bastante do Griffin Colapinto. De todos os tempos Tom Curren é um dos meus favoritos, dentre tantos outros.
Não poderia deixar de perguntar, quais são suas bandas musicais prediletas?
Sou eclético, estou no mundo todo! Amo uma banda australiana chamada Goanna, meu álbum favorito chama-se Spirit of the Place. Além de Crosby, Still, Nash & Young, Sergio Mendes (Garota de Ipanema), Santana, Beatles, Psychedelic Furs e muitas outras.