Em meados dos anos 90, conheci um cabra do Maranhão em algum evento de surfe no nordeste, creio que em Maracaípe. Já cheguei na curiosidade, perguntando para Alvaro Bacana se na terra dele havia onda. Franzino e simpático, Bacana respondeu dizendo que em São Luis davam umas boas.
Ainda moleque, ele se jogou pro Sul do Brasil com a cara e a coragem de um cabra que sabia exatamente o que queria. Aportou em Floripa e a sua evolução foi nítida. Ótimo competidor e exímio tube rider, Alvaro veio à tona. Há alguns anos, volta e meia tocávamos no assunto “ondas no Maranhão”. Aliás, ondas nos Lençóis Maranhenses.
Estar em meio às maravilhas daquela natureza – o que já era sonho pra mim – ficou ainda mais convidativo com a possibilidade de pegar onda no local. Claro que mais cedo ou mais tarde iria para aquelas bandas, afinal, jamais quero deixar de conhecer nosso “Brasilzão”.
Mas as conversas foram se estreitando quando surgiu na pauta uma segunda temporada de nosso programa no canal Off: “A Onda é se Divertir”, com uma expedição para os Lençóis. Com a pandemia, nossos sonhos iam sendo adiados – e o fato de não termos fechado naquele momento uma segunda temporada de nossa série nos impossibilitava de efetuarmos a empreitada.
Mas, embaixador de sua terra que é, Alvaro não desistiu e fez esforços para tudo acontecer. A Federação Maranhense de Surf vem em uma escalada organizacional e mostra estar no caminho certo para colocar o estado de uma vez na rota do surfe, não apenas em pororoca, mas em água salgada. Com os seus integrantes – não digo “diretoria” pelo fato de deixarem bem claro que ali todos tem o mesmo papel (elevar o surfe do estado) – a @femasurf.oficial correu em busca de parceiros e, aos 45 do segundo tempo da temporada propícia para o surfe (dezembro a maio), estávamos lá.
Saímos de Floripa, eu, Bacana e o fotógrafo / videomaker Renato Tinoco. Nos bastidores, nosso produtor Luciano Burin alinhava tudo com Gleydson Lima, lá da Ilha de São Luís. Madrugada e manhã nos ares adentro, aterrissamos na capital maranhense para irmos direto ao shopping local visitar o primeiro de nossos parceiros, a Overall Surf.
Apresentações, fotos e com os buchos devidamente cheios, pegamos a estrada com nosso recém-conhecido amigo, Eduardo Lobato. Na parada para abastecer, encontramos o resto da equipe para a expedição. Uns cinco veículos 4×4 alinhavam umas 12 cabeças para as três horas de estrada até Santo Amaro, cidade onde ficaríamos hospedados.
Com os tanques cheios, apoiados pelo Posto Roma Truck, seguimos viagem. Chegamos ao anoitecer para descansarmos para o dia seguinte. Na Pousada Izabelle, a ansiedade durante a noite era tremenda. Mas logo ao clarear, encontramos o restante da galera na pousada Nosso Recanto para tomar um café e fazer os ajustes finais. Seca pneus, mede calibragem e, juntamente com nossos guias, seguimos nas duas Toyotas apelidadas carinhosamente de “Pitbull” e “Talibã”.
Visual incrível, quando subíamos a primeira duna e logo avistávamos a primeira lagoa azul-turquesa. Fiquei alucinado, pois meu sonho estava sendo realizado. Com um certo receio, vi a primeira travessia de uma lagoa. Com água pelas portas, as irmãs pickups passaram bem sob a destreza da pilotagem dos guias. Que visual! Cabras, jumentos, cavalos e porcos iam batendo perna quando nos avistavam. A fauna era incrível, garças e mais garças até o nosso primeiro avistamento do mar – após uma hora de travessia.
Aportarmos no primeiro pico e estava pequeno, mas com vento terral. “Galera, vamos seguir até o pico da ‘Boia’ mais ao leste”, disseram os legends locais Marcelo Piu Piu e Lobato, que encabeçavam os palpites. A Boia era uma referência vinda do mar, que na real era uma parte desprendida de um atracador de navio vinda sei lá da onde. Até filmei e bati fotos para pesquisar, mas até o momento não consegui muita informação. Mas o pico estava ali. Marolas com formação triangular deram as boas-vindas.
Cheios de gás e ansiedade, a turma toda partiu pro surfe. A primeira impressão foi boa, mesmo pequena, a onda empurrava e a formação estava legal. Ao final da manhã, o vento começou a apertar e resolvemos sair. A surpresa foi grande quando vi parte da turma se banhar em uma lagoinha logo atrás do pico: “Oxê, é agua doce, é?”, indaguei. Com sorriso no rosto, um dos amigos disse: “com certeza!”.
De rango batido, rumamos ao oeste em direção à Barra da Baleia, onde o litoral faz uma leve curva e deixa o vento “ladal”, com menos intensidade. Fiquei muito curioso quando constatei linhas para direita, lambendo um banco de areia. A maré já estava seca e logo após o descanso demos uma boa caminhada para a água. A onda se mostrava com boa formação e possibilitava várias manobras a partir do outside. Diz a galera que em dias maiores as séries vêm mais ao fundo e já fiquei imaginando um surfe de troca de bordas.
Com a enchente da maré, as ondas ganharam força e a turma aproveitou até o sol rachar para depois fazer o trajeto de volta, já pensando no banho nas lagoas dos Lençóis. Naquele dia, o sonho foi realizado. Que lugar paradisíaco! O jantar tradicional, com aquela carne de sol, também foi consumado. Dormimos feito crianças! Mas às 4:30 da matina já tinha despertador disparando, afinal, o trajeto era longo e queríamos chegar para o terral.
Ao chegarmos, na primeira visão da praia já havia um ventinho, então logo decidimos passar direto para o pico do dia anterior. As condições estavam similares, meio metrinho e maré secando. Conseguimos aproveitamos toda a manhã. Nesta altura, fui conhecendo melhor a galera e vendo a turma surfar. Rapaziada mandou bem e me chamou a atenção Flavio Marão, um goofy de velocidade e manobras fortes, que de acordo com Alvaro Bacana, era o seu principal rival no estado. Eduardo Lobato também me pareceu um rapaz bem aplicado, com boas batidas e snaps chutando a rabeta.
Neste dia, aproveitamos para conhecer o povoado de Travosa, vila sem estradas pavimentadas que me remeteu mais ainda às minhas surf trips de adolescente. Umas quatro galinhas de capoeira, com feijão e farofa raiz, regado ao guaraná Jesus, deixaram a turma de bucho cheio. “Ô ‘garaaapa’! Traz o café, por favor, moça!”. Na volta fomos explorar a foz do Rio que passa por trás do pico da Ponta da Baleia. Maré quase no talo e as marolas que corriam para a direita rente ao banco de areia mostraram potencial para um dia propício. E nessa, a imaginação ia longe!
Por conta da Super Lua que estava por vir , tínhamos que ser muito cuidadosos. Aliás, os guias eram muito cuidadosos , pois até mesmo os mais experientes passavam roubadas com as tais “areias movediças”. E nossa primeira experiência deu-se no dia seguinte. Como a previsão era de mar pequeno, desta vez despertamos às 3:30 horas da matina. Quando o despertador do Alvaro disparou, parecia que nem tínhamos dormido. Mas a real era que teríamos de lidar com a maré certa para podermos explorar o lado leste dos Lençóis.
Passavam-se duas horas de viagem praia adentro quando, ao passarmos um córrego, a Talibã atolou. Foi aquela correria para pisotear o terreno (para que a areia endurecesse) e a pickup conseguisse sair. Não teve jeito, a bichinha sentou-se! Para sair precisaram uns 15 machos empurrando e outras duas pickups fazendo uma fila indiana com as cordas amarradas. Ali a experiência da galera falou alto e seguimos por mais um bom tempo até chegar ao destino, o Rio Negro.
Maré seca no talo e ondas pequenas. Estudamos a bancada e mais uma vez constatamos que ali há muito potencial para o surfe, mas como a maré mudaria, não poderíamos correr mais riscos na volta. Apenas fizemos a checagem para uma outra oportunidade em dia mais propício. Após passar pelo córrego onde atolarmos decidimos cair em frente a uma plataforma desativada, batizada de “Alienígenas”. Ondas pequenas, mas deu para ver mais uma vez que o local tem potencial. Picos espalhados por valas consecutivas. Aliás, em toda a costa, mesmo em sua maioria sendo orla perpendicular, bancadas triangulares apresentam-se constantemente. Talvez fruto de um extenso manguezal soterrado há mais de 300 anos (dizem por lá) e que ainda preserva parte de seus caules e sedimentos.
Nos dias seguintes, o mar foi oscilando entre dias melhores com vento, pouco vento, terral e, às vezes, “ladal”. Enfim, a área é bem suscetível a mudanças, mas sempre achávamos algo pra brincar. O visual continuava tremendo e entupi geral a memória do meu celular. Devo ter feito fotos e vídeos para um ano (risos). Pôr do sol com Super Lua nascendo, nascer do sol com Super Lua se pondo, esse era o cenário daquela semana de virada de mês nos Lençóis.
Nossa expectativa para os dois últimos dias estava alta, pois o período do swell iria aumentar. Um churrasco falado durante toda a semana acabou consumado com um tal molho de “chimichurri”. Rapaz, esse nome não saía de minha mente. E o bicho tava era gostoso! Alan Kardek foi o responsável e se garantiu, fez jus a propaganda. Sim, rapaz, outra coisa que “deu a bixiga” e não saía de nossas mentes foi aquela musiquinha “Pega o Pato”. Não sei que “fui”, mas alguém botou essa música na roda e virou hit, tanto no despertador matinal como na batida de uma caixa “estrambólica” chamado “boombox”.
Antes que me esqueça, no decorrer da nossa semana também recebemos reforço de um grommet, Kadu Paquinha. “Boy” muito simpático e inteligente. É a nova geração do surfe maranhense e que receberá esforços para seguir a trajetória do seu conterrâneo Alvaro Bacana. Com apenas 12 anos, o surfe ainda está meio cru, mas nada como um start para que faça prevalecer um surfe forte e de borda. Fico na torcida!
Voltando a ansiedade para a saideira, no penúltimo dia já tivemos um terral depois de uma chuva repentina, que literalmente molhou tudo. E depois, meu amigo, pernas para que te quero! Quem não fosse para água seria comido vivo pelos maruins. Rapaz, fiquei com cada “lapa de pereba da bixiga” de tanto coçar a herança deixada pelos bichinhos (risos). Naquela caída começamos a ver as condições que os Lençóis prometem. A tal onda de rolamento apareceu para alegria de todos. Surfamos até a maré baixar e ótimas ondas foram surfadas.
A galera se empolgou geral e nesse dia até abdicamos da sessão vespertina, pois precisávamos descansar para o dia derradeiro, que prometia. Dito e feito: vento paradinho quando os galos começaram a cacarejar. O visual era lindo e as ondas estavam iradas! “Hoje tem rolamento! Youhou!”. Com a maré ainda cheia, fui até o canto direito do pico, a fim de pegar o tubo mais quadrado. Foi incrível o visual de uma esquerda quadrada que entrou. Bacana e Tinoco, que veio capturar as imagens da água, já chegaram eufóricos.
Bons drops de Paulo (Oião Right) e de André Leite. Bons tubos do Bacana de backside e o melhor do dia foi do Flavio Marão. Peguei uns dois bons, mas os dois melhores acabei ficando deep e não saí. Fiquei profundo e a lapada foi grande, com certeza deu pra sentir o potencial da onda. Isso nos deu as provas necessários do potencial do surfe que pode ser realizado por ali.
A semana havia sido puxada, nos despedimos dos Lençóis e da Pousada Água Doce em Santo Amaro para atender a alguns compromissos em São Luís. Na capital, um almoço de confraternização no Restaurante do Seu Nonato foi oferecido para encontro dos legends do estado e uma bela homenagem para o próprio Seu Nonato, falecido um mês antes.
Foi emocionante participar da cerimônia na água, onde fizemos um grande círculo entoando seu nome. As ondas na Praia do Olho D’Água estavam marolas, mas a galera bem adaptada andou muito bem. Nos despedimos de todos e, antes do nosso embarque, tivemos um breve encontro com o Secretário de Esporte e Lazer, Rogério Cafeteria, em pauta encabeçada pela diretoria da FEMASURF e seus representantes: Ricardinho, Hamilton e Alvaro Bacana. Bons frutos virão para o surfe do estado do Maranhão!