Icaro Cavalheiro

Brasileiros manterão o domínio?

Em sua coluna de estreia no Waves, Icaro Cavalheiro lista motivos que fizeram o Brasil vencer seis das últimas 10 edições do CT.

0
Será que teremos mais um título para o Brasil no CT em 2023?

A temporada 2023 do circuito mundial de surfe já começou. O australiano Jack Robinson levantou o troféu do Pro Pipeline, na primeira etapa e o brasileiro Filipe Toledo em Sunset, no Havaí. Então, você vai apostar em algum gringo para vencer os brasileiros no circuito mundial?

Nos últimos dez anos o Brasil levou seis títulos mundiais. Se olharmos para os últimos cinco anos, esse índice aumenta para 100%. Foram só brasileiros, sem falar na medalha de ouro olímpica. E mais, caso não fossem as trapalhadas dos árbitros da entidade que rege o esporte, o brasileiro não teria perdido aquela bateria polêmica de Trestles em 2016.

No ano seguinte, na etapa final de Pipeline, o australiano também não teria perdido a bateria para o atleta campeão da temporada. Mais uma vez os surfistas brasileiros foram prejudicados pelas análises dos juízes e o surfista havaiano conquistou o seu bicampeonato. Não fossem estas ocorrências, os brasileiros teriam conquistado oito títulos em sequência.

Então eu pergunto: o que pode ter mudado na fórmula de produção dos surfistas brasileiros para termos alcançado resultados tão surpreendentes? Sem falar nomes, o que essencialmente diferenciou o surfista brasileiro dos anos 80 e 90 e 2000, para os espetaculares surfistas desta última década? Para essa resposta proponho olharmos o passado para entendermos o presente.

Gabriel Medina venceu primeiro título mundial para o Brasil em 2014.© WSL / Kirstin
Gabriel Medina venceu primeiro título mundial para o Brasil em 2014.

Acesso a picos internacionais: os meios de transporte ficaram mais acessíveis, permitindo que nossos jovens pudessem ter mais experiências em picos internacionais, enquanto os surfistas das décadas passadas tiveram muitas dificuldades para dominar ondas grandes de points e reef breaks.

Dinheiro: o surfe ganhou expressão como esporte e cultura ao longo dos anos, conquistando apoio de marcas até mesmo de fora do surfwear. Isso permitiu que cada vez mais surfistas brasileiros pudessem se dedicar ao esporte, viajar e treinar em ondas mais desafiadoras.

Iniciação em ondas pequenas: muitas vezes escutei que surfista brasileiro nunca seria campeão mundial porque no Brasil não tem onda “boa”. A meu ver esse foi um grande engano! O surfista brasileiro é desafiado desde pequeno a encontrar a energia da onda, só assim conseguimos dar velocidade à prancha para encaixar as nossas manobras. Surfistas australianos e havaianos, por exemplo, que surfam ondas de períodos maiores, com muita energia, sempre tiveram dificuldades para encontrar o ponto de energia das ondas pequenas, quando o mar baixava.

Talento para manobras inovadoras e progressivas: Quando eu olho para linha de evolução das manobras do surfe, as manobras que nos desafiavam na década de 70, 80 e 90 eram as que assistíamos nos vídeos de surfe dos gringos. Problema é que tínhamos poucos dias com ondas iguais às dos vídeos durante o ano. Onde treinar longos tubos e grandes carvings base-lip nas ondas do nosso litoral? Mas nossos surfistas atuais, ao invés de imitarem o surfe gringo, voltaram-se para as manobras do skate, perfeitamente adaptáveis às nossas ondas. Agora eu quero ver os gringos correndo atrás de ondas para treinar os aéreos reverses, alley-oops e full rotations.

Italo Ferreira é o primeiro campeão olímpico da história do surfe.

Profissionalização: O surfista brasileiro se tornou um atleta realmente profissional, modelo criado nos últimos anos. No mês passado entrevistei no meu canal do YouTube um médico que trabalha com medicina do esporte, me contou que faz programas preventivos customizados para vários surfistas profissionais e amadores.

No último mês entrevistei um empresário da indústria de suplementação, que também relatou que trabalha suplementação de pré-treino e pós-treino com muitos competidores. Recentemente Miguel Pupo, que teve sua melhor performance no circuito após os 30 anos, foi perguntado sobre o que mudou. Respondeu que foi a elaboração de um programa de preparação física que implementou.

Transmissão ao vivo: Outro ponto importante a ser levado em conta é de que as transmissões ao vivo dos eventos fizeram com que muitas das injustiças ocorridas nas competições do passado deixassem de ser minimizadas. Pois quando temos os eventos ao vivo, as discrepâncias nas notas ficam visíveis, podendo ser contestadas e obrigando os árbitros a se prepararem mais para as suas análises, sem beneficiar nomes ou países.

No passado, cansamos de ver baterias em que os brasileiros foram superiores aos gringos, e mesmo assim perderam nas notas. Com os eventos ao vivo aos quatro cantos do mundo, está cada vez mais difícil de os gringos superarem os brasileiros.

Também dou os méritos aos técnicos e empresários dos atletas que efetivamente vêm mostrando ser um diferencial em favor dos atletas brasileiros, e até mesmo para alguns gringos que hoje contratam técnicos brasileiros.

Filipe Toledo é um dos melhores do Tour nas manobras aéreas.

Os estrangeiros continuam viajando mais, para os melhores picos, com os melhores patrocínios, mas agora nossa nova geração de surfistas inverteu a ordem das coisas, os gringos estão assistindo os vídeos dos talentosos brasileiros. Agora eles precisam dominar as ondas de baixa energia, precisam evoluir nas manobras inovadoras e progressivas.

Bom, a última e polêmica etapa do calendário 2023 já está definida, será novamente na onda de Lowers, na Praia de Trestles, região de San Clemente, Califórnia (EUA). Você vai apostar em algum gringo para vencer os brasileiros?

Icaro Cavalheiro
Com mais de 40 anos de atuação no surfe profissional, exerce a função de árbitro e head jugde desde o ano 2000 em competições nacionais e internacionais, incluindo o Circuito Mundial da WSL, do qual também foi comentarista da transmissão em língua portuguesa. Atualmente reside nos EUA e atua como head judge no Circuito Norte-Americano. Como surfista é o único brasileiro campeão estadual (SC) em todas as categorias do surfe competitivo: Mirim, Júnior, Amador, Profissional e Master. Bicampeão paranaense profissional em 1988 e 1989. Campeão Catarinense Profissional 1988. Fez parte de competições da elite mundial, entre outras façanhas como competidor.