Leitura de Onda

A décima vitória

Tulio Brandão fala sobre a vitória de Gabriel Medina em Teahupoo e a corrida pelo título mundial.

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Um tubo na última onda deu a Gabriel Medina o inesquecível presente da décima vitória na elite, em seu palco predileto.

O surfe dribla quem tenta compartimentá-lo na lógica cartesiana. Gabriel Medina estava prestes a amargar mais uma derrota em finais, o que igualaria perigosamente o número de nove vitórias e derrotas dele em baterias decisivas.

Cairiam em cima, claro, os bons críticos de plantão.

Na última volta do relógio, quando muitos de nós na América do Sul praguejavam diante da calmaria, Deus, o acaso, ou mesmo apenas um providencial pulso extra de ondulação mudou toda a nossa narrativa e tratou de fazer justiça ao surfista mais completo do evento. Um tubo deu ao atleta de lycra número dez o inesquecível presente da décima vitória na elite, em seu palco predileto.

Até aquele momento, eram nove vitórias e oito derrotas em finais. Um leitor apressado há de pensar, sobretudo na comparação com as assustadoras sete vitórias sem qualquer derrota em finais de Filipe Toledo, que muitos vices querem dizer algo.

Sim. Significa que o garoto de Maresias já tem 18 finais no currículo. Um amigo costuma dizer que os melhores times de futebol da Europa são montados para sempre chegar às fases decisivas. Uma vez lá, ganhar ou perder, em ambientes competitivos de ponta, muitas vezes é o detalhe, é uma bola na trave ou um gol de bola parada.

No surfe, é uma onda que veio no último minuto. Ou uma calmaria. O importante, diz ele, é estar muitas vezes lá, em condições de vencer.

É o que Gabriel faz, notadamente, em Teahupoo, onde tem um assombroso percentual de vitórias em baterias, na casa dos 80%, e uma cabalística sequência de excelentes resultados de prova, nos últimos cinco anos: 1, 2, 3, 2, 1.

É bom lembrar que que o último “1” antes de 2018 foi em 2014, ano de seu título.

Sempre faltou a Medina essa tal regularidade de bons resultados na primeira metade da temporada, mas, este ano, ainda que sem muito brilho, ele conseguiu um terceiro e três quintos lugares para compor seus pontos.

O garoto de Maresias já tem 18 finais no currículo.

Na água, numa Teahupoo sem pulso, com poucos tubos e espaço para manobras progressivas, Gabriel mais uma vez confirmou seu favoritismo e esteve na lista dos melhores, ao lado de Owen Wright e os dois semifinalistas, Filipe Toledo e Jeremy Flores. Aliás, é bom dizer, os juízes jogaram na decisão os quatro melhores surfistas do evento – qualquer um ali, beneficiado pelo acaso, poderia vencer.

Owen, o quase vencedor, é uma excelente notícia para a elite. Parece ter voltado ao auge da forma, com um surfe afiado e incisivo. Domina amplamente os tubos do Taiti, e só não venceu porque a segunda onda da série veio melhor que a primeira, a um instante do fim do evento. Pelas apresentações em Teahupoo, inclusive com potência nas manobras, não será surpresa se ele fizer outras finais na temporada.

Jeremy, que foi derrotado para Gabriel, está no primeiro corte da lista restrita dos melhores surfistas de tubo do mundo. Eufemismo para o colocar no top 3 atual desse quesito. Perdeu sem chance de reação porque os tubos achataram durante parte do dia. Nas manobras, está muito atrás dos melhores, mas é um dos casos de surfista que se mantém na elite sustentando pelas melhores ondas do circuito. A única ressalva é a boba mania de reclamar acintosamente, com gestos para todos os lados, sempre que sua nota não sai a contento. Segue o jogo.

Filipe foi, por algumas razões, também um vencedor. A terceira posição, somada ao esforço público de treino pré-evento, quando se machucou no coral de Teahupoo, significa muito mais que respeitáveis 6.085 pontos no ranking da temporada.

Seu trabalho de adaptação a um pico em que ele historicamente tinha dificuldades foi reconhecido publicamente pela WSL – com diversas menções ao longo da transmissão.

Embora tenha competido em mares sem potência, evoluiu nitidamente no complexo jogo dos tubos de costas para a onda. E demonstrou isso, pelo menos naquelas condições, para alívio de quem quer vê-lo se tornar campeão mundial.

Filipe Toledo foi, por algumas razões, também um vencedor.

Chegará ao rancho de Kelly Slater, para a oitava parada da temporada, com números espantosos numa temporada de resultados inconstantes para a maioria dos surfistas. Filipe tem, até agora, duas vitórias, um terceiro e três quintos lugares. Está tão bem que seu segundo descarte é um quinto posto (o outro é um 13º).

A julgar pelo encaixe do resto do ano, Filipe pode chegar à decisão de Pipe tendo que ir além das quartas-de-final para somar algum ponto. Nada indica que ele cairá antes disso no Rancho, em Hossegor ou em Supertubos. Nem a França, onde estranhamente só fez uma semifinal, em 2013, parece ser obstáculo para o Toledo de 2018.

Chegamos, então, ao que parece ser o principal confronto ao título de 2018, no terço final da temporada: Filipe x Gabriel. O jogo começa forte numa arena em que os dois estão nitidamente acima da média, o rancho de Slater, que, agora, segundo dizem, tem ajustes técnicos para tornar a onda mais propícia também a aéreos.

Filipe defende um ano incrível, o status de fora de série, a absurda série histórica sem derrotas em finais e, ao que tudo indica, a maturidade técnica e emocional. Gabriel defende o primeiro título mundial do Brasil, um histórico avassalador nas etapas restantes e a capacidade de estar entre os melhores em todas as ondas.

Por fora, correm Julian Wilson e Italo Ferreira. Os dois estão no jogo, mas dependem um pouco de uma aproximação na etapa de onda artificial da Califórnia. Para isso, terão que lutar contra os dois dos melhores surfistas do rancho – Filipe e Gabriel – por acaso acima deles na tabela. Tarefa difícil. A ver.

Em tempo, ainda sobre o Taiti: não desanime, Jessé. Avance com ainda mais potência.