A história de Barron Mamiya começa nos últimos três segundos de sua bateria das oitavas de final em Pipeline.
Naquele instante, por um golpe do destino, ele viu seu provável protagonismo na onda em que mais se sente à vontade no North Shore escorrer pelas mãos, ao mesmo tempo que testemunhava mais uma odisseia de Kelly Slater.
Um nono lugar parecia mais que satisfatório a um mero convidado havaiano, que, apesar da reconhecida técnica no arquipélago, não tinha sequer uma vitória no circuito de acesso e tentava, sem conseguir, desde 2016, a sonhada vaga na elite.
Nem ele esperava esse brilho de Sunset, como reconheceu na entrevista pós-título. Mamiya saiu da final, este fim de semana, contra o cada vez mais forte Kanoa Igarashi, com a vitória, a liderança na surpreendente temporada de 2022 e a quase certeza de que, no corte do meio do ano, apenas com os pontos acumulados até aqui, estará na lista oficial de classificados do CT na segunda metade da disputa.
O havaiano ainda arrumou uma saia justa para a WSL: ao deixar a condição de surfista convidado para a de líder de 2022, Mamiya força a entidade a convidá-lo a defender o posto em Portugal. E, talvez, a repetir o convite ao bravo Caio Ibelli, que finalizou mais uma vez em terceiro lugar e está em quarto no ranking, colado nos líderes.
Kanoa, favorito na final pela bagagem de circuito e fase técnica, deixou escapar importante vitória para o resto do ano. O japonês da Califórnia era um dos cabeças da lista restrita de surfistas que conseguiram domar a imprevisível onda de Sunset. Além de surfar bem, competiu de modo inteligente – tirou bons surfistas daquela arena, como Imaikalani deVault, Jack Robinson e, na semifinal, o eleito da vez, Ethan Ewing. O australiano parece ter finalmente encontrado um caminho para ser competitivo e, ao mesmo tempo, manter movimentos refinados.
Ethan, aliás, protagonizou a melhor bateria do evento ao lado de Filipe Toledo, nas oitavas de final. O surfista de Ubatuba, depois de voltar a falhar em Pipeline, pareceu ter se reencontrado em Sunset. Filipinho teria seguido sem sustos até a final, não fosse a última onda do australiano. Acabou derrotado com duas ondas no critério excelente e, agora, vai a Peniche tentar resgatar seu evidente protagonismo.
Caio, o verdadeiro brabo
Agora, o Caio. Tento imaginar a cena do paulista, às vésperas do início da temporada, em casa, sem perspectiva imediata de estar na elite, vendo todo o circo sendo montado no Havaí. Longe, fora do lugar que lhe pertence. De repente, graças à decisão de um velho rival dos tempos de amador, Gabriel Medina, de abdicar das primeiras etapas do ano, surge uma oportunidade.
Nem um mês se passou desde a confirmação da vaga, anunciada no fim de janeiro, até a semifinal em Sunset, que lhe deixou com prestígio e uma inédita quarta posição na temporada, a pouco mais de 1.000 pontos do líder, Mamiya. Uma grande história.
O lapso de Caio na semifinal contra o havaiano, quando deixou de bloquear o adversário mesmo com prioridade, a um minuto do fim, não arranha em nada a performance do paulista em Sunset. Assim como fez em Pipeline, ele atacou sem medo nem hesitação Sunset, não puxou o bico para um local chamado indevidamente de favorito, Ezekiel Lau, e atropelou americanos sempre incensados, como Kolohe Andino e Conner Coffin.
Assim como Mamiya, Caio deve entrar para o time titular da elite no corte do meio do ano. Voltará, assim, ao lugar de onde não deveria ter saído.
Os outros surfistas do país ficaram pelo caminho, todos em nono lugar. Além de Filipe, pararam nas oitavas Deivid Silva e Jadson André, perdendo respectivamente para os finalistas Mamiya e Kanoa. Pouco, para a força do time.
Italo Ferreira ainda não estreou na temporada. Seu surfe pede uma volta urgente à simplicidade complexa de Baía Formosa, um tempo nos posts dignos de celebridade de mídias sociais e menos autorreferências no fundo da prancha. O “brabo” – sim, Italo é um surfista brabo – precisa, antes de tudo, escapar das armadilhas do ego. Oxalá ele volte 100% em Portugal, com sua combinação infalível de energia, alegria e talento.
Kelly deveria ter parado após a vitória em Pipe?
Kelly Slater já perdeu a camisa amarela – antes de Sunset, só havia usado a lycra de líder uma vez, na etapa de Fiji de 2014, aquela que Gabriel venceu em ondas pequenas. A odisseia do herói americano não resistiu à onda de Sunset, onde o americano sustenta um assustador jejum de vitórias.
A derrota prematura – o maior estrategista do surfe fez uma interferência primária ao cruzar o caminho de um surfista com a prioridade – não significa muita coisa. Kelly jamais foi bem naquela onda, e não economiza adjetivos críticos, especialmente depois de derrotas. Será um descarte e pronto.
A declarada intenção de disputar uma vaga na WSL Finals por enquanto é legítima. Com etapas em picos afeitos a seu surfe, como Bells, J-Bay, G-Land e Taiti, ele ainda dá sinais de que está apto a tentar seu lugar em Trestles. Mas terá que sobreviver a arenas em que as manobras aéreas têm feito a diferença nos últimos anos.
Sunset não é unânime, mas tem que continuar
Os resultados falam por si: os melhores surfistas do mundo, pelo menos segundo os rankings dos últimos anos, não se conectaram a Sunset. E mesmo quem não esteve na água tem críticas: o tricampeão Gabriel jamais escondeu sua opinião: “onda de velho”, ele costuma decretar, na mesma linha de Slater.
O surfe contemporâneo – do qual o 11x campeão inexplicavelmente ainda faz parte – é profundamente dependente da concavidade da onda, seja para tubos, aéreos ou mesmo para manobras com maior grau de dificuldade. Sunset oferece um espaço bastante limitado para esse modelo de surfe, e exige surfistas sem pressa nos movimentos, dispostos a uma sucessão de longos arcos e, com sorte, uma finalização.
Como o surfe é um esporte dinâmico, a expectativa é ver, depois de alguns anos de submissão daquela onda ao talento da elite, um novo jeito de surfar Sunset. E aí comemoraremos uma nova evolução do esporte numa arena “de velhos”.
A corrida do ouro para as finais
Além de Barron, Kanoa, Caio e Kelly, Seth Moniz largou bem na corrida por um lugar na WSL Finals. As apostas que pareciam certas – Gabriel, Italo, John John Florence e Filipe – não engrenaram ou sequer estrearam. Há bastante espaço para recuperação, mas, agora, não há como negar, há lugar certo também para surpresas. De todos os líderes, quem me parece mais completo entre os top 5 para ocupar vaga na final é Kanoa. Tem um surfe maduro, compete muito bem e sabe como brigar contra os melhores. Agora, vamos a Portugal.
