Leitura de Onda

John assistirá à guerra de camarote

Colunista Tulio Brandão comenta vitória do havaiano John Florence sobre Yago Dora nas ondas de Punta Roca, El Salvador, e a disputa muito acirrada por quatro vagas no WSL Finals.

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John John Florence vence El Salvador Pro depois de superar algumas armadilhas em Punta Roca.

El Salvador fez a sua parte com louvor no indigesto papel de ser a primeira etapa pós-Teahupoo em condições excepcionais. Não tanto pela excelência das ondas – ou pela temperatura dentro e fora d’água – e sim pelas rampas de decolagem propiciadas a manobras progressivas. Foi uma etapa refrescante, em pleno calor de Punta Roca.

A final, contrariando o que tem sido recorrente na temporada, reuniu os dois melhores surfistas da etapa: um brilhante Yago Dora e o cada vez mais afiado John John Florence. Eu diria que por uma margem bem pequena, na conta da criatividade, da inventividade e da capacidade de extrair pontos de todas as ondas, Dora levaria vantagem. Mas JJ sai de El Salvador com o título e a única nota 10 do evento.

(Entre os surfistas derrotados em fases anteriores, só Griffin Colapinto talvez disputasse o protagonismo com Yago e JJ em El Salvador. O americano, que vinha bem, tropeçou grosseiramente nas próprias pernas com uma interferência risível em disputa com João Chianca. Já o surfista de Saquarema, com um honesto quinto lugar, fez mais que o esperado no primeiro evento de sua volta à elite, como convidado.)

O campeão, líder e, agora, dono da primeira vaga do WSL Finals, pegou uma chave aparentemente tranquila, mas com algumas armadilhas.

Seu adversário mais difícil foi curiosamente o orgulho local Bryan Perez, derrotado por dois décimos. A pequena margem poderia até sugerir que o havaiano venceu pela benevolência com que costuma ser tratado pelos juízes, mas desta vez não: JJ mereceu a virada com uma onda excelente.

(Perez é o primeiro salvadorenho a passar uma bateria na elite do surfe mundial, ao derrotar não um qualquer, mas sim o campeão mundial de 2019, campeão olímpico e vencedor de Teahupoo 2024 Italo Ferreira. O caminho para a sua vitória está entre os grandes momentos da etapa: um aéreo enorme, voltando na zona de impacto, que lhe tirou do tampão de notas de regulares da etapa. Ousou e deu aos salvadorenhos um grande momento.)

Nas quartas, JJ atropelou Crosby Colapinto, que não se encontrou na bateria mas vinha surfando o fino nas fases anteriores. Crosby, aliás, é uma excelente novidade em 2024. Na semifinal, a vítima foi o base jumper Matthew McGillivray, que vinha encaixado nas ladeiras de Punta Roca e com excelente pegada competitiva. Foi nesta bateria o alley-oop monstro do havaiano, com transição limpa e outras manobras de impacto, num conjunto de movimentos que lhe rendeu merecida nota perfeita – a primeira nas três edições do evento salvadorenho já realizadas. O sul-africano só faria frente se no surfe tivesse a regra do handicap originária do golfe.

Yago Dora fica com vice-campeonato em El Salvador.

Na final, Yago levou nítida vantagem na melhor onda de cada surfista – a diferença, de 1,27 ponto, entre a onda do havaiano, um 8,5, e a onda do brasileiro, um 9,77, poderia ser maior na minha leitura. Faria sentido que fosse de 2 pontos, mas o conhecido gosto dos juízes pelo surfe do havaiano impossibilitou essa distância.

De todo modo, em nada mudaria o resultado. JJ tinha uma boa segunda onda a 10 minutos do fim, quando o mar resolveu simplesmente desligar a máquina de swell. Se houvesse oportunidade, Yago provavelmente faria com muita sobra a nota da virada, mas o bicampeão do mundo também poderia trocar notas.

Yago atropelou sem qualquer cerimônia Jack Robinson pela segunda vez consecutiva e, na sequência, ainda arrumou tempo para deixar o tricampeão Gabriel Medina em combinação. O tricampeão repetiu a semifinal de Teahupoo, mas sem o brilho da etapa anterior. Surfou bem, exibindo o seu reconhecido power preciso de costas para a onda, mas sua linha não estava especialmente encaixada na onda de Punta Roca. Enquanto Yago passeava pelo ar desde o round 1, Gabriel pelejava para encontrar um formato seguro para as manobras rotacionais de backside. Não achou. Nada que tire da rota seu plano de chegar às finais da WSL – está cada vez mais perto.

Yago foi mesmo o melhor da etapa. Ponto. O mais inventivo, imprevisível, dono do surfe mais agudo, encaixado e leve. Confirmou mais uma vez seus já conhecidos dotes progressivos e parece pronto para se meter entre os 5 melhores no Finals.

Não se enganem, Trestles também é um palco especialmente afeito a Yago. Se deixarem ele chegar, de minha perspectiva, o jogo muda de configuração.

A temporada pós-corte se consolida como uma tragédia, pelo menos para quem enterrou a turma brasileira antes da hora. Passadas duas etapas, Gabriel, Italo e Yago batem à porta do top 5, respectivamente em sexto, sétimo e oitavo lugares. Logo depois de Margaret River, os três estavam na ponta final da tabela – Yago, por exemplo, estava na última casa antes da degola.

Gabriel Medina parte com sangue nos olhos para etapa do Brasil.

Adiante, temos a etapa brasileira, amplamente dominada pelos surfistas de Pindorama. O último estrangeiro a vencer foi JJ, no distante ano de 2016, quando a arena da prova ainda era o Postinho, na Barra da Tijuca. Yago foi o último vencedor; Italo e Gabriel, que já alcançaram semifinal, têm surfe com muita sobra para encaixar a vitória inaugural em casa a qualquer momento.

A etapa de Saquarema de 2024 vem carregada ainda por uma torcida inflamada com histórico de insatisfação com o julgamento da WSL na temporada, ou seja, com pouco espaço para julgamentos controversos. Para desespero de quem defende o julgamento justo, parece-me um pouco mais difícil eliminar um brasileiro em Itaúna. Uma lástima, comumente vista também a favor de aussies na perna australiana.

E, como o verdadeiro grand finale de 2024, antes do criticado Finals em Trestles, teremos a excepcional etapa de Fiji, amplamente dominada por Gabriel nos últimos anos e, onde Italo e Yago podem, também, vencer a qualquer momento.

Jordy Smith, que saiu da linha ao criticar o surfe brasileiro, está no alvo preferencial. Ethan Ewing precisa abrir os olhos. A briga pelo top 5 está melhor do que nunca.

Enquanto a guerra acontecerá na vizinhança, Florence passeia confortavelmente, protegido por uma liderança robusta, à espera de seus quatro adversários em Trestles. Resta saber se o havaiano conseguirá converter a vantagem em título mundial nas marolas carentes força de San Clemente.

Antes de tudo isso, que toque logo a sirene no Point.