Pressionado por um ano que se anunciava exclusivamente brasileiro, o australiano Julian Wilson deixou de lado a segurança de seu bonito surfe de linha para decolar, literal e metaforicamente – na onda de Hossegor e no ranking da WSL.
A opção do aussie pelo risco dos aéreos, que não teve sucesso na etapa do rancho, desta vez foi justamente recompensada, servindo como inquestionável carimbo de vitória nas quartas, na semi e na final. Nada como a corda no pescoço.
Julian ganhou na França sendo o melhor da água, sobretudo no dia decisivo.
Chegou à etapa ameaçado e saiu colado no pelotão da frente da disputa do título da temporada, que agora, com as derrotas precoces de nomes como Italo Ferreira, Jordy Smith e Owen Wright, consolida-se apenas entre os três primeiros do ranking.
Dispensados os arroubos de torcedor, o resultado da etapa francesa fez um bem danado à temporada de 2018.
Depois de um início de ano brilhante e de uma perna intermediária apenas constante, o australiano, agora terceiro do mundo, voou para alcançar o máximo de seu surfe no terço final e dividir o topo com o novo líder, Gabriel Medina, e com Filipe Toledo.
Os três vivem fases excepcionais. Estão maduros, consistentes, mortais. Quem gosta do esporte sabe que estamos diante de um encerramento épico de temporada. Os três já venceram em Portugal, e dois dos três – Medina e Wilson – costumam brilhar em Pipeline. Filipe só tem um quinto, mas quem lembra de como Adriano de Souza chegou desacreditado à última etapa de 2015 sabe que isso não vale muita coisa.
A pouco mais de 4 mil pontos do líder, Julian é uma ameaça maior que faz supor seu belo surfe de linha e, agora, o seu recuperado pacote de manobras progressivas.
Ele é querido. Vejam, não há qualquer drama nisso – preferidos existem em todos os esportes, em todas as circunstâncias. Julian reúne um conjunto de atributos que se encaixa perfeitamente no que o mundo espera de um surfista.
Tem boa imagem, tem histórico de heroísmo no incidente de Mick Fanning com o tubarão, é embaixador da Fundação Nacional do Câncer de Mama da Austrália (inspirado pela doença enfrentada pela mãe), virou pai e marido e, como se não bastasse, é um legítimo representante velha e boa escola australiana de surfe.
Não acredito que ele será grosseiramente empurrado para o título. Não acho que a WSL cometeria, depois de um ano tão brilhante dos três surfistas, erro tão primário.
Por outro lado, Gabriel e Filipe têm todas as ferramentas para vencer, mas convém trabalhar para ampliar, assim como o australiano, a imagem junto ao mainstream.
Fanning, em entrevista recente, disse que Gabriel é um cara “mais atacado do que merece”. Filipe, depois da suspensão do ano passado pela reclamação acintosa no Brasil, mudou nitidamente de postura. Ambos ainda têm espaço para avançar.
Sorte que o que importa, no frigir dos ovos, é o momento, o surfe.
A França mostrou isso ao legitimar o talentoso Ryan Callinan, o wildcard que vinha de vitória no QS de Portugal, que lhe garantiu a classificação ao CT de 2019, e só parou, em disputa apertada, para Julian, na final. Ryan tem linha, surfe de borda, backside preciso e potente, além de um belo estilo.
Estava tão forte que eliminou precocemente Filipe, surfista que tinha sobrado no round 2 e acabou sendo derrotado com a melhor nota, até então, do evento. Aliás, se Filipe fosse adiante possivelmente brigaria pelo título da etapa. Está super afiado.
Como não foi, Ryan merecidamente ficou com o vice – ele foi, com sobras, o segundo melhor surfista do evento. Para vencer o compatriota Julian, faltou apenas uma última manobra aérea mais impactante.
A Austrália sai da França feliz, com um surfista de volta à briga do título e a novidade da tempestade Callinan, garoto de Newcasttle que parece ter explodido aos 26 anos, depois de uma sucessão de dramas familiares (mortes da mãe e do pai em anos consecutivos durante sua luta no QS), e promete chegar faminto à elite em 2019.
Até parar em disputa acirrada com Julian, Gabriel vinha surfando forte, com pressão e constância, deixando clara a intenção de roubar de Filipe, como de fato aconteceu, a camiseta amarela. Perdeu por pouco para o australiano, mas a liderança neste momento do ano, a duas etapas do fim, tem o valor de uma vitória.
Se o julgamento não se atrapalhar, Gabriel me parece ligeiramente em vantagem na disputa do título da temporada. Mas qualquer um dos três pode levar.
Na outra chave da semifinal, quem ficou pelo caminho foi o americano Conner Coffin, que surfou bem algumas baterias, mas em nenhum momento esteve entre os melhores do evento.
Nas fases anteriores, vale um destaque, desta vez negativo, para o julgamento de algumas baterias, entre as quais a que eliminaram Italo Ferreira e Tomas Hermes. Não sei bem qual foi o ajuste de critério, mas foi difícil de entender esses resultados.
Julian ainda deve estar de ressaca pelo título, mas nesta segunda, dia 16, já começa a janela da etapa de Portugal, onde as cores do próximo campeão mundial devem ficar ainda mais definidas. Em terras lusas, que vença o melhor, pelo bem do surfe.