A janela está aberta para a grande final da temporada de 2021 idealizada pela World Surf League: um dia de prova, com um máximo de seis baterias, disputadas entre os cinco melhores da temporada na onda-café-com-leite sem pressão de Trestles.
Falemos sobre o formato, por partes.
Eu adoro Trestles. Sim. Sou um cabra à beira dos 50, que se satisfaz com ondas afeitas a amadores, em pranchas volumosas, ao alcance de meu peso e de minha idade. A onda mais célebre de San Clemente é divertida e propicia bons momentos a surfistas comuns, que conseguem dialogar bem com o lip amigável do pico, mas nem de longe é uma arena apta a definir o melhor da temporada no topo do esporte contemporâneo.
A evolução do esporte passou a praticamente exigir concavidade de onda, seja para os cada vez mais técnicos tubos, seja para servir como rampa aguda para movimentos aéreos de rotação, seja para ampliar a dificuldade do sempre necessário carving. Não à toa, na etapa do Brasil, o Point de Itaúna cede cada vez mais espaço à Barrinha; não à toa, entre os tops, é crescente a insatisfação com a onda de Bells Beach.
Não se trata, aqui, de desqualificar essas ondas como parte de um circuito mundial heterogêneo. Todas elas, na minha visão, ainda têm espaço importante, mas não como palco único da decisão de um título mundial com o surfe praticado em 2021.
Agora, o formato. Aprendemos, com a própria WSL, e antes, com a IPS, com a ASP e mesmo nas praias do mundo, que um campeão mundial é o surfista capaz de lidar com a imprevisibilidade, a enorme variação de condições de surfe, os diferentes formatos de onda e, por último, mas não menos importante, um contingente de surfistas com especialidades distintas aptos a vencer a qualquer momento.
A decisão de entregar o troféu ao vencedor de Trestles enterra essa lógica histórica.
Temos ainda o escandaloso abismo da pontuação. O líder Gabriel Medina abriu, em apenas sete provas disputadas no ano, exatos 11.740 pontos para o vice-líder, Italo Ferreira, sem sequer precisar disputar a cancelada prova do Taiti, onde é sempre favorito. Para o quinto colocado no ano, o rookie Morgan Cibilic, que estará na final, a distância é de 18.130 pontos – que não seriam alcançados nem se o australiano tivesse em sua pontuação mais uma vitória e uma segunda colocação.
Em outras palavras, no mundo dos justos, Gabriel Medina é o campeão mundial da temporada de 2021. Foi, de longe, o melhor surfista. Qualquer outro resultado, diante de todas as circunstâncias, será infame. O campeão do WSL Finals, se não for o garoto de Maresias, terá também um título legítimo, mas, pelo menos na minha praia, será acompanhado de um asterisco. Os dois surfistas estarão na lista.
Dito isso, é preciso dizer que não condeno a WSL Finals como evento. A ideia de reunir os cinco melhores do mundo num tira-teima é saborosa e comercial – só não é válida como definidor de campeão do ano. No tênis, como lembrou o amigo e jornalista Diogo Mourão, há o celebrado ATP Finals, disputado pelos oito melhores tenistas do mundo, em evento único, sempre no fim da temporada. O campeão ganha rios de dinheiro e toneladas de prestígio, mas não o título do ano.
Que toque a sirene. Estamos todos à espera deste final.