A série “Leitura do ano” chega ao terceiro post, com os surfistas que se posicionaram entre o sétimo e o 12º lugares, segundo o ranking do CT de 2017.
Na ponta final da lista, em décimo-segundo, está o tricampeão mundial Mick Fanning, provavelmente em seu último suspiro na elite. A lista ainda reúne, com boa dose de precisão, alguns dos mais expressivos surfistas do mundo. Estrelas em ascensão, como Filipe Toledo e Kolohe Andino, dividem espaço com surfistas repletos de bagagem, como os campeões mundiais Joel Parkinson e Adriano de Souza.
No próximo texto, daqui a alguns dias, antes do evento de início da temporada, cuja janela de espera começa no dia 10 de março, escrevo sobre os seis melhores surfistas do mundo. Na sequência, publico as minhas apostas para 2018, numa proposta de coluna participativa, ou seja, aberta aos votos de todos os leitores. Depois de apurados os votos, faremos a lista final com as apostas dos leitores do Waves na temporada.
Mick Fanning
“Eu ainda amo o jogo, mas não consigo mais encontrar motivação e dedicação para competir por títulos mundiais”
A frase de Mick Fanning, publicada em seu Instagram dias atrás, é serena e sincera. Revela o caráter de um atleta que, enquanto esteve no jogo, foi um protagonista histórico do esporte. Um verdadeiro tricampeão mundial – não seria exagero ter sido tetra, em algum dos anos que disputou até a última prova.
Mick é o titular absoluto de um modelo de surfe refinado, da melhor escola australiana, de movimentos limpos e precisos, que não pode desaparecer jamais da elite. Sem invencionices, sem novidades. Executa tão bem todas as manobras que por vezes achamos a sua abordagem excessivamente conservadora. Mick é também um gentleman, um exemplo verdadeiro como atleta, uma referência de caráter.
Mas, ano passado, o tricampeão parecia cansado, sem o ajuste fino que seu surfe precisa para alcançar notas que o recoloquem entre os 5 melhores. Não, não se trata de estar ultrapassado. Ele não está. Poderia voltar a vencer, se ainda lhe restasse fôlego competitivo, mas não é difícil entender a razão de alguém se aposentar depois de longos 17 anos de dedicação integral ao circuito.
Só nos resta agradecer pela inspiração de um dos maiores personagens da história do esporte, um verdadeiro exemplo como atleta, uma referência de caráter para todos os surfistas que algum dia desejarem chegar ao topo do mundo. Sentiremos sua falta.
Antes disso, o mundo terá o prazer de ver suas últimas duas apresentações, em casa, como integrante da elite do esporte. E, possivelmente, vai vê-lo vencer.
Pontos fortes: linha limpa, precisão, velocidade, maturidade, caráter
Desafios: seguir a vida feliz fora do circuito mundial
Sebastian Zietz
“Mudei para o Kauai quando eu tinha uns 5 anos. Meus pais eram hippies, e eu era um de nove irmãos. Por algum tempo, não tivemos uma casa, éramos como sem teto. Mas não ligávamos, vivíamos acampados. Coisas materiais nunca importaram, porque quando um dos irmãos tinha uma coisa que realmente gostava, os outros quebravam três dias depois. Você jamais ficava apegado a nada.”
O depoimento, retirado do divertido perfil do surfista no site da WSL, faz a gente entender por que Sebastian Zietz consegue manter o espírito leve, sereno, alegre, mesmo diante do ambiente ultra competitivo da elite do esporte. Seabass, como é conhecido, é fruto de uma família que cultivou a liberdade, e não o troféu, como valor.
Ainda assim, esse filho pródigo do Kauai, que honra a história do conterrâneo Andy Irons, causa alguns estragos no CT. Dono de um surfe potente, que se encaixa especialmente bem em tubos e paredes poderosas afeitas a arcos, como Margaret River, ele tem surfe para surpreender a qualquer momento. Mas, aos 30 anos recém-completos em fevereiro, parece satisfeito entre os 10 primeiros do mundo.
Para se manter ali, com a concorrência furiosa da nova geração, terá que suar a camisa. Sem jamais perder a alegria, é claro.
Pontos fortes: tubos, ondas afeitas ao surfe de borda, especialmente direitas.
Desafios: competitividade, constância
Filipe Toledo
“A final é uma bateria em que me sinto muito à vontade.”
O depoimento, dado a Surf Portugal no ano de sua vitória em Peniche, em 2015, é um retrato fiel do espírito vencedor de Filipe Toledo. Depois disso, o garoto provou sua tese imbatível com outras duas vitórias avassaladoras, em 2017, em J-Bay e Trestles.
Jamais perdeu uma final.
Em 2017, Filipe se tornou um surfista ainda mais letal. Adicionou ao já reverenciado jogo de aéreos, que o fez ser considerado o mais inovador surfista do mundo, uma linha de surfe sólida, com manobras de borda muito velozes e potentes, em ondas bem mais interessantes que as dos fundos de areia brasileiros. Ele venceu em J-Bay clássico – isso diz muito sobre a capacidade de um surfista.
Filipe é, talvez, o mais aguçado surfista do mundo em ondas afeitas ao surfe progressivo – agora, não mais apenas em ondas pequenas. O mundo já sabe disso. O que o mundo ainda não sabe é se ele poderá replicar suas performances em ondas de tubo mais pesadas, como as de Teahupoo e Pipeline, que restaram em 2018.
Minha dúvida particular é outra: se o garoto de Ubatuba não será capaz, em 2018, de alcançar o título mundial ainda que não seja tão decisivo em ondas de consequência. Sempre achei a missão dura demais, não tanto pela possibilidade real, que existe desde 2015, mas sobretudo pela vontade da entidade em premiar um surfista que não é capaz de surfar nas duas melhores arenas do esporte. Mas, nesta temporada, desconfio que o muro será derrubado, um tanto pela provável evolução de Filipinho em condições mais agudas e outro tanto pela inclusão de duas ondas na medida de seu surfe moderno – Keramas e o rancho de Kelly Slater.
Dito isso, não há como negar: Filipe tem enormes chances de ser campeão em 2018.
Pontos fortes: inovação, excelência em manobras progressivas, velocidade, carving.
Desafios: excelência em ondas de consequência, equilíbrio em derrotas.
Joel Parkinson
“Pode ser em um ou dois anos, pode ser em um ou dois eventos. É necessário muito comprometimento para vencer um título e fazer o que tinha que ser feito. E eu fiz isso. Eu só quero voltar a me divertir com o surfe.”
O depoimento, retirado de uma entrevista à Stab ainda em 2016, nos faz perceber que Joel Parkinson já pensa em aposentadoria faz tempo. No início de 2017, não confirmou o que havia dito e, no fim da temporada, declarou que não seguiria o caminho de seus compatriotas Josh Kerr e Bede Durbidge, que se aposentaram ano passado.
A julgar pelas performances nos dias clássicos da Gold Coast dias atrás, Parko realmente tem fôlego para permanecer no trilho da elite, ainda que com brilhos mais esporádicos. Seu surfe terá sempre o selo de excelência do estilo primoroso, da linha bem aplicada, do surfe sem esforço, estético, mas carece cada vez mais de inovação e radicalidade. Se encontrar ondas boas e competir com vontade, estará no páreo.
Resta saber se terá vontade, ou mesmo disposição, para essa avalanche de moleques que quer atropelar a velha geração.
Pontos fortes: excelência na linha e no estilo, arcos perfeitos, tubos
Desafios: inovação, verticalidade
Adriano de Souza
“Estou pensando, comendo, tudo para passar do round 3. Os últimos três eventos (nos quais ele perdeu precocemente) foram uma curva de aprendizado para mim. Eu tenho me dedicado 1000%, tudo o que eu posso, e finalmente as coisas foram bem para mim. Voltei ao ritmo.”
O depoimento, dado a Rosie Hodge logo depois de vencer Josh Kerr no round 3 de Trestles/2017, é uma ideia recorrente para o brasileiro acostumado ao espírito inquebrável de Adriano de Souza. Não para a Stab, que publicou um texto sobre o evento em que dizia que o brasileiro estava deprimido, por seu jeito circunspecto, com pouca margem para as armadilhas da jornalista.
Imagine se ele não fosse campeão mundial.
Pode parecer que sim, com o generoso material produzido lá fora depois do título, mas tenho a sensação de que, no fundo, o mainstream do esporte jamais entenderá todas as dimensões da origem de Adriano. De sua infância realmente pobre, do surfe como redenção para uma família, da necessidade de um espírito inquebrável para lidar com as centenas de pedras no caminho. Não incorporam uma realidade que não vivem.
Acho fantástico o fato de Adriano não esmorecer, não importa o que digam para ele. Do seu jeito, sem mudar um pingo para agradar a ninguém, vai ganhar, vai perder, vai comemorar, vai lutar dentro das regras. E dane-se o estranhamento do outro. Como em 2017, quando alternou momentos opacos com o brilho de uma vitória maiúscula, inquestionável, nas consistentes ondas de Itaúna.
Adriano construiu seu surfe, com muito trabalho, em bases sólidas. Hoje, entuba de modo satisfatório em qualquer onda (já ganhou em Pipe, embora com ondas medíocres, e num evento com ondas clássicas em Portugal); tem um dos melhores botton-turns do mundo; desenha belos arcos em ondas consistentes; e ainda dispõe de algumas manobras aéreas no repertório.
Na temporada que se inicia agora em março, ele tem a vantagem da experiência. Mas, aos 31 anos, sente falta, assim como outros veteranos, da explosão da nova geração, que chega disposta a quebrar o bastão da velha guarda. O sucesso de Adriano depende de uma combinação sensível de um ano feliz tecnicamente, com pranchas mágicas e, sobretudo, de uma arrancada que lhe motive a brigar por título.
A Austrália é um bom ponto de partida.
Pontos fortes: Surfe de borda, botton-turn, foco, competitividade, experiência
Desafios: inovação, criatividade, velocidade
Kolohe Andino
“Não gosto de lhes dar oportunidade de dizerem que são melhores do que eu.”
A frase saiu de uma entrevista ao site Surf Portugal de anos atrás, mas é mais atual do que nunca na vida de Kolohe Andino. Brother, como é chamado, chegou à elite com status de futuro candidato ao título e logo derrapou no jogo mais furioso de alguns contemporâneos e na maturidade dos medalhões.
Em alguns momentos, foi tão impactado pelo ambiente competitivo do CT que chegou a declarar que surfistas como Medina “entravam no cérebro” dele.
Mas quem imaginou que ele não fosse durar perdeu as fichas. O americano de San Clemente se recompôs, ganhou força mental e buscou refinar o seu surfe em ondas que lhe eram desfavoráveis. Há pelo menos três anos, vem surpreendendo com performances cada vez mais consistentes em diversos tipos de onda. Entre os surfistas que ocupam o seleto grupo dos top 10, talvez seja o que evoluiu de maneira mais acentuada, o que significa que pode ir ainda mais longe do que já chegou até hoje.
Em 2016, fez sua melhor temporada, terminando o ano atrás apenas de John John, Jordy e Gabriel. Ano passado, manteve a boa cadência, terminando em sétimo. É um dos aerialistas mais eficientes do circuito mundial, e tem evoluído muito rapidamente em tubos, mesmo nas ondas mais pesadas. A idade – completa 24 anos em março – é um componente a seu favor. Tem bons resultados no presente e um futuro brilhante na elite do esporte. Não duvido que ele cresça a ponto de, em algum momento, chegar a disputar o título mundial. Este ano, parece que ainda não.