O mar é insubstituível.
Não seria preciso ir ao extremo de um Rodrigo Koxa em Nazaré para entender que a dinâmica, a imperfeição, a imprevisibilidade e o horizonte visto da água salgada tornam o surfe, para sempre, parte indissociável dos oceanos.
Um dia de Barrinha, palco alternativo da etapa brasileira do CT, foi suficiente. Viu-se de tudo no round 1 completo e num round 2 parcial: o desafio da leitura de ondas distintas entre si, a armadilha da variação de maré, a obrigação da criatividade e o espaço largo para o tal fator X. Isso tudo num dia de ondas não mais que razoáveis.
Na piscina de ondas, pelo menos no formato atual, eu não veria a sapatada que Ian Gouveia acertou na repescagem para eliminar o atual campeão do evento, Adriano de Souza. Ou a incrível sequência de tubo e finalização de John John Florence no round 1, apesar de ter perdido a bateria. Ou, ainda, o surfe arisco em espaços diminutos de Alejo Muniz, dono de uma inteligência competitiva de fazer inveja a muito top 10.
A disputa de ondas, que volta e meia gera polêmica no mar, não existe na piscina. Se bem que, agora, pelo menos neste quesito, o mar se aproximou um pouco da calmaria do rancho. A WSL acabou de sancionar, a partir do episódio da disputa ferrenha entre os havaianos Ezequiel Lau e John John Florence, em Bells Beach, uma lei chamada “Blocking Rule” (“Regra do Bloqueio”), que pune o surfista que impedir a remada livre do adversário no line-up em situações sem prioridade. Corre o risco de ter gente apelidando a nova medida de Lei JJF. Em todo caso, é bom que os brasileiros, especialmente, aqueles com fúria competitiva acentuada, fiquem atentos à norma.
Dito isso, de volta à piscina, o rancho é uma divertida novidade.
Tenho mais curiosidade pelo futuro que saudade do passado. A piscina é, em grande medida, uma importante ruptura na linear história do surfe. Aponta, sim, como um modelo alternativo que tende, com a velocidade exponencial de novas tecnologias, a nos oferecer, em pouco tempo, um variadíssimo cardápio de ondas reais e virtuais, que fará o atual rancho de Kelly parecer um velho Atari diante dos games atuais.
Com a tecnologia do rancho, como diz um amigo, o surfe realiza seu sonho de século XX: candidata-se a esporte com transmissão ao vivo pelas TVs do mundo. Embora não seja uma estratégia, digamos, futurista, se o objetivo é alcançar a massa sem identidade com o esporte, ainda é bom caminho. Por pouco tempo.
De todo modo, eventos em ondas com hora marcada caem bem como alternativa ao “you can’t script this”. Um formato não exclui o outro, apenas o complementa. O surfe, como esporte baseado em efeitos sensoriais, dependerá sempre do mar.
A onda da piscina, já fartamente comentada, não merece muitas palavras. Em alguns momentos, tive a sensação de viver um interminável dia da marmota com participação especial de Dave Macaulay. Uma onda após a outra era surfada de maneira quase idêntica. Basta dizer que quando Filipe Toledo, provavelmente o melhor surfista daquela onda, ousou ser diferente – e estava certo – entregou a vitória.
Pode parecer incoerente, mas ainda assim me diverti bastante vendo o evento, sobretudo no segundo dia. Era outro esporte, bem divertido. A obrigação de acertar, se por um lado torna o surfe mais previsível, por outro aflora o medo de errar. E é curioso ver surfistas buscando a nota, sem margem de erro, no limite da possibilidade daquela onda perfeitinha, mas traiçoeira. Muitas águas ainda vão rolar por baixo dessas locomotivas de onda. E será legal ver a dinâmica da evolução viva do esporte de um evento para o outro. Espero outro surfe da elite na etapa do WCT.
A única ponderação real vai para Kelly Slater. O 11 vezes campeão do mundo é, ao mesmo tempo, sócio e atleta da WSL. Simula contusão para correr apenas etapas que lhe interessam – tirando a vaga de outro surfista como integrante permanente da elite – e, agora, cereja do bolo, tem a chave de uma das ondas. Ali, compete contra adversários que não tiveram um décimo de seu tempo de treino e adaptação às condições singulares da onda, e tudo parece certo.
Admiro muito, além dos infindáveis feitos para o surfe, o genial espírito empreendedor do americano – graças a ele temos piscina no CT. Neste momento, ele e a WSL se esforçam para levar a tecnologia do rancho às olimpíadas, o que é legítimo e seguro, do ponto de vista de espetáculo. Mas é preciso que alguém lhe diga que, pelo menos ali, na sua casa, no seu business, ele é homem de negócios, e não atleta. Misturar os dois mundos é trágico – para o melhor surfista de todos os tempos e para o esporte.
Em outras ondas, está Rodrigo Koxa. Muito já foi dito sobre a montanha d’água que lhe deu o recorde de maior onda surfada na história. Um triunfo merecido, de um cara que batalha faz tempo, e não escondeu traumas superados nem na hora dos louros. Devo encontrar com ele num evento sobre Portugal, no próximo fim de semana, no Rio. Vou tentar ouvir um pouco mais sobre o átimo, o exato momento em que ele soltou o cabo do jet-ski para surfar a onda da vida.
Que formidável mistura de sensações ele sentiu? Será que, um dia, alguma tecnologia de piscina ou realidade virtual será capaz de alcançar isso? O tempo dirá.
Enquanto isso, vamos a Saquarema que está muito bom.