Leitura de Onda

Quase um algoz

Colunista Tulio Brandão analisa etapa de Portugal e destaca o surfe competitivo do californiano Griffin Colapinto, vencedor da prova.

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Griffin Colapinto afasta Gabriel Medina do título e se torna quase um algoz dos brasileiros no CT.

Você pode, sim, não gostar de Griffin Colapinto. Eu mesmo tenho reservas em relação a alguns de seus movimentos, embora o considere um grande surfista. Não importa: o californiano é, hoje, o surfista do tour mais bem preparado para extrair boas notas de juízes e vencer brasileiros favoritos em eventos. Quase um algoz.

O orgulho de San Clemente só ainda não foi capaz de confirmar o apelido em casa. Tudo indica que terá mais uma chance este ano, talvez a última em Trestles.

Em Portugal, antes de vencer o evento na final contra um pouco combativo Ethan Ewing, Griffin derrotou mais uma vez um brasileiro favorito. Gabriel Medina vinha assombrando os portugueses com um surfe renovado depois da conquista da vaga olímpica, mas parou na semifinal, diante do encaixado surfe do californiano.

Noves fora todos os desajustes de notas de sempre, no confronto das duas melhores ondas de cada um, deram ok para Griffin. Desta vez não quero carregar um longo texto com polêmicas. Ando cansado desse infinito looping de subjetividade do surfe.

Posso falar, sim, primeiro do que gosto no surfe de Griffin. É moderno, busca sempre zonas críticas, inverte a rabeta em boa parte das manobras. Surfa muito bem diversos tipos de onda. É dono, ainda, de uma linha limpa, bem desenhada. Dito isso, agora o que não me encanta: falta pressão em algumas manobras e, em outras, há um nítido abuso do uso do fundo da prancha. Isso curiosamente torna o surfe do californiano mais elétrico e vertical, mas menos completo.

Gabriel Medina é barrado na semi apesar de toda a magia das manobras no mundo da lua.

A partir do round de 32, Gabriel foi o melhor surfista do evento. Deu claras mostras de que ainda é, sim, o mais assustador surfista do mundo. Empilhou notas altas em todas as fases, seja através de aéreos rotacionais gigantes ou nas manobras convencionais, fazendo, até então, as melhores médias do campeonato.

(Griffin, na final, tratou de praticamente igualar a melhor média de Gabriel, com dois tubos, sendo um deles acompanhado por um tailslide)

Só que, na semifinal, também vi com ressalvas o surfe do brasileiro tricampeão do mundo. Em ondas mais verticais que nas fases anteriores, ele usou a força para atacar as esquerdas, com manobras sempre para frente, diante de ondas corridas. O formato da parede não o favorecia muito, mas gostaria de tê-lo visto com uma extensão maior da borda da prancha encaixada na cunha. A despeito de seu surfe gigantesco, ainda há espaço para esta evolução, especialmente em alguns formatos de esquerda.

Gabriel ainda teve a chance de virar no final, com uma onda à altura de seu surfe, mas não conseguiu converter em vitória. Faltou algo realmente grande, ainda que fosse sem o recurso da manobra aérea, na borda da prancha.

Sobre as possibilidades de borda de Gabriel: não me esqueço de uma manobra, no round 1 da etapa de Saquarema da temporada passada, quando acabou avançando em segundo na bateria, mas produziu um estrago enorme numa ordinária esquerda de Itaúna. Manobra de almanaque, ou melhor, de cartilha, de como enterrar bordas.

O juízes desta vez parecem ter acertado as notas do tricampeão – acho até que foram generosos na última onda – mas, na minha visão, têm falhado historicamente em medir as deficiências do californiano e convertê-las em décimos a menos.

Ethan Ewing derrota Italo Ferreira e também Crosby Griffin, irmão do vencedor da etapa.

Ethan, o vice, fez uma etapa honesta, sem sua conhecida profusão de hi-scores, mas com surfe suficiente para tirar da prova o sempre favorito em Peniche Italo Ferreira. Na semifinal, passou pelo irmão de Griffin, Crosby, que surfou de forma bem convencional para alcançar seu melhor resultado na elite.

Quem chamou mais atenção foi o bom marroquino Ramzi Boukhiam, com o melhor ataque de backside dos primeiros dias de evento. Perdeu nas quartas para Ethan, em bateria que não encontrou as soluções das fases anteriores.

Depois da etapa de Peniche, a temporada se desenha especialmente favorável à dupla de desafiantes de brasileiros em Trestles, Griffin e Ethan. O surfe de ambos se encaixa bem na perna australiana e os juízes valorizam seus movimentos.

Mas, ao mesmo tempo, até agora ninguém se descolou no ranking. John John Florence e Jack Robinson seguem logo atrás, prontos para buscar a liderança.

Italo Ferreira ocupa 12o lugar no ranking.

Entre os brasileiros, num ano ainda bastante dramático, o pelotão de frente ganhou finalmente a presença de Gabriel, que deve escalar mais posições até o fim do ano.

Mas a coisa está tão assustadora que o surfista mais bem colocado é Italo, o campeão mundial de 2019, em 12º lugar. Yago Dora e Miguel Pupo completam a lista de nativos por enquanto livres do corte do meio do ano.

Pela frente, ainda temos a Austrália, nação que faz tempo está louca para acabar com a farra de Pindorama, e desta vez sem o apoio de nosso bicampeão Filipe Toledo.

Ninguém disse que seria fácil para sempre, mas assim pode ser muito melhor.

Que toquem a sirene em Bells. O sino por enquanto está sem dono.