Leitura de Onda

Um Filipe consciente

Tulio Brandão conversa com Filipe Toledo sobre os altos e baixos de 2019 e a expectativa para mais uma temporada no Championship Tour.

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Em 2019, Filipe chegou mais uma vez a Pipeline vivo na disputa do título.

“Em Pipe, eu percebi o que estava faltando.”

Começo a entrevista com uma afirmação tão segura quanto óbvia: Filipe Toledo é um dos mais talentosos surfistas da história do esporte. Está, nesta geração, no seleto grupo dos atletas que podem ser campeões do mundo a qualquer momento.

E isso não é pouco.

Ao mesmo tempo, entre os brasileiros candidatos imediatos ao título, é o único ainda sem um caneco da WSL na estante de casa. Isso motivou, claro, meu interesse particular na história de Filipe para esta temporada. Por todas as circunstâncias de sua carreira, por todos os dramas e conquistas, 2020 pode, sim, ser o ano deste filho de Ubatuba.

Em 2019, ele chegou mais uma vez a Pipeline vivo na disputa do título, apesar dos tombos e obstáculos vividos na temporada. Surfou em pelo menos três etapas fortemente contundido nas costas. Em uma delas, o Rancho, chegou ao vice, depois de atravessar o evento entre sucessivas sessões de quiropraxia. Na França, deixou a água a 10 minutos do fim do round 1 e, na fase seguinte, mal conseguia se mover. Em Portugal, conseguiu surfar com a dor e alcançar o quinto posto.

Passou, ainda, por tombos emocionais, alguns de ordem particular e outros públicos, como a derrota para Jack Robinson no dia em que The Box, a onda assustadora de Margaret River, mostrou seus dentes.

Mas, em 2020, o tempo está a seu lado, e a energia, ao que parece, também.

Filipe tem uma equipe fiel. Além da companheira Ananda Marçal, que, segundo o próprio, “desacelera um pouco as coisas”, o surfista conta, nesta temporada, com o técnico e pai Ricardo Toledo, que estará presente em algumas etapas, e, agora, com o apoio extra do manager Luiz “Pinga” Campos, que revelou dois dos três campeões mundiais nascidos no Brasil – Adriano de Souza e Italo Ferreira. Completam o time Toledo o shaper Márcio Zouvi, videomaker Bruno Baroni, o assessor de imprensa Fabio Maradei e a equipe multidisciplinar liderada pelo preparador físico Eduardo Takeuchi, da Personal Boards.

Um Filipe consciente do que precisa fazer para vencer, como revela a entrevista, é um novo surfista – mais próximo que nunca de um título mundial. Confiram.

Top brasileiro conviveu com fortes dores nas costas na reta final da última temporada.

A temporada de 2019 foi de altos e baixos. Quais foram os grandes momentos?

Sem dúvida, a minha vitória em Saquarema, que foi marcante para mim e o vice em Bells, que é um evento histórico e todos querem chegar lá. Acho que também Pipeline, apesar de não ter sido um dos meus melhores resultados. Foi um campeonato que me fez parar, pensar e ver o que não pode acontecer neste novo ano.

Você inclui a etapa de Pipe como um grande momento?

Sim, um momento bom. Porque em Pipe eu percebi o que estava faltando, o que eu precisava para ser campeão mundial.

O que você identificou?

Aquele momento me fez parar e pensar, entender que foi um ano bem difícil para mim, psicologicamente, emocionalmente. Pensei, cara, eu tenho tudo o que eu preciso, tenho família, tenho patrocinadores, eu sei o que está me direcionando a fazer o que mais amo, então eu vou depositar meus 110% agora para ser campeão.

Já houve outros momentos em que você não surfou muito bem ondas de consequência. Mas, em Pipe, ano passado, você não estava mal. O mar estava difícil, e seu adversário acabou ficando deep num tubo depois de um erro no drop e, com isso, conseguiu a nota que precisava. Talvez você não estivesse entre os três melhores do evento, mas estava no trilho da onda certa. O que faltou?

Eu estava realmente me sentindo bem, à vontade, tranquilo. Como tinha sido um ano com bastante turbulência para mim, foi um dos campeonatos em que eu mais me senti tranquilo. A mãe natureza, a gente não consegue controlar. Fiquei 14 minutos com a prioridade e não consegui pegar a onda. Ela até veio no final mas não foi boa. O que estava no meu controle, eu consegui fazer. O que está fora, não tenho como dominar.

Ali, em Pipe, foi mais uma questão pessoal, um momento que me fez parar e pensar, para refletir sobre tudo o que eu tenho, sobre quantas pessoas gostariam de estar no meu lugar. Sem dúvida, foi um ano em que eu não depositei 100% em várias etapas. Parei e entendi que tinha que fazer isso, tenho tudo o que sempre sonhei e que preciso.

Então foi mais uma reflexão em torno do ano, e não da etapa…

Sim, exatamente.

Nas duas primeiras etapas do ano, você perdeu para o John John Florence. Na primeira, nas oitavas da Gold Coast, faltou uma onda; e, na segunda, na final de Bells. Você considerou, no início de 2019, que a distância do havaiano para os demais no ranking refletia a diferença do surfe dele para os demais competidores?

Para mim, o John John é o melhor surfista do mundo. Claro que, lidando com lesões, às vezes fica um pouco a desejar. Mas, no auge, ele é o melhor surfista do mundo, o mais completo. Em algumas etapas, sim, teve muito mais surfe do que qualquer outra coisa, ele foi nitidamente o surfista que mais se destacou.

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Quais?

Em Margaret River, ele dispensa comentários, para mim é o melhor surfista daquela onda. Todo mundo sabe disso. Na Gold Coast, ele estava apresentando um nível de surfe muito alto também, apesar de nossa bateria ter sido bem apertada. No Rio, ele estava surfando bem também, mas para mim ele em Margaret River ele está acima de todos.

Então, de volta, em forma, ele é o favorito destacado? Ou está no bolo?

Acho que todo mundo está no bolo, não dá para isolar o John John. Mas, sem dúvida, ele está no bolo.

Para você, o bolo inclui você e mais quantos? É uma lista restrita?

Um parâmetro bom são os top 5 deste ano. O Italo, o Gabriel, o Jordy… o Kolohe também estará brigando… Esse grupo vai continuar na briga por mais alguns anos, sim.

Sobre Margaret, este ano você fez um dos seus descartes. Não sei se você concorda, mas acho que ali você tem amplo potencial de vitória, com um surfe que pode vir a se encaixar muito bem naquele pico. Em 2019, você perdeu num dia de “The Box” e houve críticas por conta do tamanho de sua derrota, mesmo considerando que Jack Robinson é um local do pico e venceria todas as outras baterias daquela fase com o somatório. Você consegue identificar aquele momento como algo a ser melhorado, como lacuna?

Sem dúvida, foi uma falta de experiência naquele tipo de onda. É uma onda muito difícil, sem dúvida, não tenho desculpas de falar foi isso ou aquilo. Não. Realmente perdi por falta de experiência numa onda que ele surfa desde os 10 anos. Foi falta de experiência em saber escolher a onda certa e usar bem a prioridade. É uma onda no meio do oceano, e você tem que tomar decisões em segundos.

E você pretende compensar essa falta de experiência com mais treino em The Box ou em outras ondas mais pesadas?

Um treino nesse tipo de onda já fará com que seja mais fácil. Claro que um treino específico naquela onda pode fazer mais diferença. Mas, como você sabe, o ano é corrido, é complicado. Tirar uma semana só para The Box é difícil, mas enquanto estivermos lá, posso treinar e evoluir.

Mas está no planejamento do ano um treino específico para essas condições (mais pesadas)?

Sim, sim, sem dúvida.

Já escolheram os picos?

Não temos um local já definido, mas esse treino está no nosso planejamento anual, para buscar esta evolução.

Ricardo Toledo segue sendo o treinador de Filipe em 2020.

Você mais uma vez venceu Saquarema surfando muito bem. Ali, aparece para os torcedores, o Filipinho pleno, imbatível. Qual é a mágica?

A torcida tem grande parte nisso, sem dúvida, mas também o fato de eu poder me sentir em casa, de certa forma. Vou a Saquarema desde moleque, nas categorias de base, dos Hang Loose e dos Grom Search, além do Brasileiro Amador, e conheço todos os locais. Então, é um lugar em que me sinto confortável, tranquilo.

A onda da Barrinha, que é relativamente nova, foi bem recebida pela WSL. E você parece ter se adaptado muito bem ao formato da onda. A Barrinha te favorece?

De certa forma, sim. É uma direita rápida, que pede manobras rápidas. É muito doido porque aquela onda é quase uma “man made wave”, é recente, e muitos gringos também gostam. Posso dizer que é uma de minhas ondas favoritas no tour.

Vamos falar sobre o rancho. Lá, você fez vice em todas as provas realizadas, o que não deixa de ser um grande resultado. É uma onda interessante pela possibilidade de uma medição de evolução. Você acha que em 2020 veremos algo novo na piscina? É possível alterar a rotina de manobras, a linha de onda, um novo limite?

A cada ano, a evolução ali é nítida. A gente nunca sabe o que esperar do evento. Para mim, o grande ponto é poder acertar a esquerda e poder finalizá-la do jeito que eu quero. Ano passado, tive muitos problemas físicos lá, surfei com muitas dores nas costas.

Sua direita, de fato, está resolvida. Você é das poucas pessoas que realiza várias manobras de rotação na onda. O que falta na esquerda?

Acho que uma variação de manobra no meio da onda e uma finalização forte, como um aéreo ou manobra rodando. Já está no planejamento deste ano um treino específico no rancho, antes de a etapa ser realizada lá.

Em J-Bay, você também surfou muito bem. Já venceu a etapa duas vezes e, ano passado, ficou por uma onda com o Italo. Aquela derrota foi importante para a temporada? Te afetou?

Não houve um problema de confiança ali, não tive problema nenhum. Em questão de pontos e direcionamento do ranking, aquele resultado fez diferença. A partir dessa etapa, todos os resultados fazem toda a diferença (para a disputa do título mundial).

Na perna europeia, muita gente diz que você é favorito, por ser um grande surfista de manobras progressivas. Num ano de disputa de título, você fez um décimo-sétimo e um quinto lugar, assim como Gabriel não foi bem. Sabemos também que a Europa é perigosa, porque as condições do mar variam muito e, às vezes, deixam os tops mais expostos a derrotas prematuras. O que aconteceu?

Na França, eu ainda estava com muita dor nas costas. Isso me limitou bastante.

Filipe Toledo é sempre favorito na etapa do Surf Ranch.

Você estava sentindo muita dor na água?

Muita, muita dor. Na primeira bateria, eu saí faltando dez minutos para o fim.

E em Portugal?

Eu já estava me sentindo melhor, com menos dor, mais tranquilo, mas limitado, sem conseguir dar meus 100%, mas consegui fazer um quinto lugar, com muito treinamento e dedicação. Consegui o resultado. A Europa sem dúvida é um lugar em que eu gosto muito de estar, gosto muito de competir. Acho que, em 2020, vai ser uma perna diferente.

Para além da perna europeia, como você está avaliando toda a temporada de 2020?

A expectativa é a melhor possível. Começamos o ano com o pé direito, estou me sentindo muito bem, fazendo um trabalho de base em São Paulo com o Eduardo Takeuchi, da Personal Boards. Este ano será bem exigente no calendário e na agenda, então eu vou dar meu máximo nos treinamentos para que os resultados que eu estou esperando venham. Eduardo trabalha junto à equipe da Personal Boards. Faço exames, tenho ortopedista, otorrino, dentista. Estamos fazendo de tudo.

Como será a sua relação com Ricardo Toledo?

Ele segue sendo meu técnico. Deu uma parada em viagens, deixou de ir a alguns campeonatos, minha mãe estava ficando muito tempo sozinha em casa, e ela estava precisando, na parte médica, de cuidados especiais, então neste último ano ele se dedicou bastante a ela. Neste ano, a gente vai selecionar algumas etapas para que ele me acompanhe, de modo que ele não fique tanto tempo também longe de casa.

Então ele vai a algumas etapas este ano?

Sim, a gente só vai planejar quais serão as etapas.

Para as que ele não for, o Pinga (Luiz Campos, novo manager do Filipe no Brasil) fará um papel de substituto?

Não será transferido assim, como se agora ele fosse meu técnico, até porque ele ajuda a outros atletas. Ele vai estar presente, até por conta dos outros surfistas, e o auxílio com certeza vai rolar, com um toque aqui, e outro ali, enfim, mas nada muito dedicado a isso. Na verdade, o trabalho do Pinga com a gente é cuidar da minha imagem no Brasil e colher mais patrocinadores.

Então, para todos os efeitos, o Pinga será seu manager no Brasil e o Ricardo segue sendo o treinador.

Isso.

Quais é a sua prancha mais usada na temporada?

Eu não mudo muito. A mesma prancha que eu usaria na Gold Coast serve ao beach break da Europa. Normalmente, é uma 5’10”, 18 1/4 e 2 1/4. Claro, quando o mar aumenta eu coloco um pouco mais de massa, uma prancha maior, mas esse é o padrão com o Márcio (Márcio Zouvi, da Sharp Eye, shaper de Filipe).

Top brasileiro sabe o que precisa melhorar para alcançar o sonhado título mundial.

Você pretende ganhar mais peso na preparação física ou a ideia é manter o peso?

A gente está trabalhando para que eu possa ganhar um pouco de massa este ano, nada muito exagerado e radical, mas vamos dar uma mudada nisso.

Como estão os treinos de pré-temporada? Viagens?

A gente tem algumas opções, tem um planejamento traçado, e os locais serão definidos.

Você já surfou em G-land?

Nunca surfei em G-land.

Sobre a Hurley, houve rumores de que a equipe de surfe seria reduzida. Isso te afeta de alguma forma ou você segue firme com a marca?

Apesar dos rumores, estou bem colocado, meu contrato foi renovado ano passado até 2024, então eu estou bem tranquilo quanto a isso.