A origem do patriarca Elias Manzur é a distante Vila Beino, distrito libanês de Akkar. O
comerciante, casado com Radah Attie Manzur, mantinha negócios na América do Sul,
especialmente na Colômbia, onde nasceu Alberto Manzur Attie, o filho do casal, na cidade de Manizales, no dia do Natal de 1925. Três anos depois eles fizeram o caminho de volta ao
Líbano.
Alberto cresceu e ingressou na Faculdade de Medicina. Quando estava próximo de se formar, deixou o curso e retornou à Colômbia. Ele escolheu a cidade de Pereira para viver e montar sua fábrica de lingerie.
Alberto conheceu Celina, natural de Aguadas, departamento de Caldas, casaram-se e logo tiveram três filhos: Elias Manzur López, o mais velho, nascido em 9 de março de 1955, Wadih em 10 de junho de 1956 e Fuad, em 26 de junho de 1957.
Nessa época a Colômbia vivia um período de intensos protestos e desordens, conhecido como La Violencia.
Alberto pilotava carros GT, participava de alguns eventos de corrida pela Cordilheira dos Andes e gostava de caçar patos selvagens. Conhecido pelos camponeses que lutavam pela reforma agrária, foi orientado sobre os perigos que se avizinhavam pela região.
Diante dos acontecimentos e da instabilidade do país, Alberto e Celina fizeram as malas e
saíram de lá com as crianças ainda pequenas com destino a Madri, capital da Espanha. De Madri tomaram um avião e foram para as Ilhas Canárias, na África espanhola. No arquipélago espanhol, Alberto trabalhou para seus irmãos, mas a dificuldade de adaptação com o clima desanimou a família.
O caminho da felicidade veio pelo mar. Os Manzur embarcaram num navio com destino ao
Brasil, e chegaram a Santos, em 1958. Os tios viviam em São Paulo e recepcionaram a família na Capital Paulista. Alberto alugou uma casa no encontro das ruas Bresser e Joli, onde montou uma confecção.
Tempos depois, Alberto recebeu um convite de um “brimo” para cuidar de uma grande
confecção em Arapeí, na divisa de São Paulo com o Rio. Uma cidade pequena, bonita e
folclórica, onde as crianças aprenderam a ler e desenvolveram os princípios cívicos.
Em 1963 Alberto e Celina voltaram a São Paulo. Moraram na rua Capote Valente, em Pinheiros, e se mantiveram na confecção. Foi quando veio o convite do Silvio Chaddad para tomar conta da oficina na rua João Pessoa em Santos.
A cidade portuária era um encanto. O bonde passava em frente a oficina, as pessoas se vestiam bem, os homens usavam ternos de linho branco. Na recepção, Elias ficou na casa dos Chaddad.
Maria Amélia, esposa de Silvio, tomou conta dele, enquanto Alberto conhecia a oficina. Foi
quando Elias descobriu a praia pela primeira vez, na companhia do filho do casal, o Silvinho.
Ele ficou eufórico pelo mar.
Silvinho levou uma pranchinha de isopor Planonda e ensinou Elias a se agarrar nela e se lançar sobre as ondas. Foi um êxtase. Quando Alberto voltou do trabalho sentiu o maravilhamento no semblante do filho. A história com o surfe começa aí. Com a mudança para Santos.
Quando se fixaram na cidade, dona Celina matriculou os filhos no Colégio Independência, na Avenida Conselheiro Nébias com a antiga linha do trem. Eles moravam em frente ao Colégio Canadá, no Edifício Soraia, da família Chaddad. Depois de alguns anos, Alberto alugou uma casa na Avenida Washington Luiz 392, entre as ruas Luiz Suplicy e Goiás, onde funcionou sua fábrica de bonés e chapéus de praia.
Dona Celina trabalhava junto desenvolvendo os modelos femininos, como as saídas de praia atoalhadas que ela via na Burda, uma revista internacional de moda. As publicações importadas se encontravam em aeroportos e na livraria Martins Fontes da Praça da Independência.
A mudança para o Canal 3 veio acompanhada pela nova escola, o Tarquinio Silva. Foi no
Tarquínio que Elias fez grande amigos, entre eles o Orlando Mariani. Em 1965, os dois
cabularam uma aula para surfar. Elias, aos 12 anos, ficou empolgado com o esporte, novo e
desconhecido. Era um lindo fim de tarde e Orlando apareceu com uma prancha de madeira tipo caixa de fósforo, azul com um tubarão desenhado no bico, em frente ao edifício São João. Nesse dia mágico, Elias desceu sua primeira onda de pé, uma emoção que ficaria marcada para sempre na sua vida.
Tempos depois, Orlando ganhou um Surfboard São Conrado de fibra novinho com as cores do Brasil, que lhe rendeu o apelido de Patriota. A prancha caixa de fósforo foi oferecida pelo valor de $30 cruzeiros ao amigo. Elias ganhava $5 por dia para ir ao colégio, custear sua passagem do bonde e um lanchinho. Pelas contas poderia pagar $2 por dia, economizando no lanche e no transporte.
No décimo dia, o pai passou por ele de carro indo ao colégio a pé, parou e pediu uma explicação. Elias contou a verdade. A confissão foi recebida com um abraço e o resto do dinheiro que faltava. Elias ganhou o apoio e a confiança para remar cada vez mais longe no surfe.
A vontade de surfar para sempre criou a ManSurf. O jovem e estudante Elias passou assinar suas provas e trabalhos no Colégio Tarquínio Silva como ManSurf.
Em 1968 a família deixou a casa na Washington Luiz que deu lugar a um prédio cheio de
andares para morar na Rua Embaixador Pedro de Toledo com a rua da Paz, no Edifício Santa Adelaide, um reduto da geração mais antiga de surfe em Santos, um lugar mágico como outros que o surfe conduziria os Manzur. Era a Califórnia de Santos.
Nessa época os irmãos usavam jeans cortados pelo joelho para surfar e o pai, Alberto Manzur, dono de confecção, viu a necessidade e bolou um modelo em helanca, um tecido novo e moderno quando ainda não existia a lycra. O modelo serviu até o amigo Ronaldo Mesquita apresentar uma bermuda de nylon, tecido leve e de secagem rápida. Alberto percorreu os potenciais fornecedores e comprou alguns metros para produzir cinco bermudas para apresentar aos amigos surfistas dos filhos. Elias fez mais do que isso: vendeu as 5 bermudas por 50 cruzeiro cada uma e voltou para casa com 250 cruzeiros no bolso. Alberto vislumbrou bons negócios e o surfe nunca mais saiu das vossas vidas.
No dia seguinte eles foram até Americana, cidade referência na indústria têxtil, entupiram a
Variant de rolos de tecido e começaram a produção de bermudas para o surfe, provavelmente tornando a recém-criada ManSurf a primeira marca a abraçar esse nicho em escala industrial em todo o Brasil.
Nesse ano de 1969, a primeira loja e fábrica ManSurf foi instalada no centro de Santos na Rua General Câmara 124, com inúmeras costureiras, diversas máquinas de bordar e estampar camisetas, vendidas para todo o Brasil por reembolso postal através da Revista Pop, uma publicação dedicada aos jovens, com matérias de surfe, skate, hippie, etc, no tempo em que não existiam revistas especializadas em surfe.
Na Baixada, a ManSurf atendia diretamente clientes e amigos como o Homero em sua loja e fábrica de pranchas, a Twin dos queridos irmãos Argento, Carlinhos e Eduardo, a Dhemy, a Roni Surf, além de outras em Sampa e Litoral Paulista.
No ano de 1970 a família morou no José Menino, entre a Ilha Urubuqueçaba e a Pedra da
Feiticeira, de frente às melhores ondas de Santos, lugar mais constante e consistente para surfar, além do visual de botos, arraias, tartarugas e cardumes prateados de peixes surfando ao lado.
O apartamento em que moravam tornou-se a Embaixada da Turma do Canal 3, onde muitos amigos deixavam suas pranchas para surfar aquelas ondas fortes e longas, integrando os surfistas do Canal 3 e da Turma da Zona do Agrião, dos prédios Pé na Areia.
No ano seguinte, Celina Manzur ficou grávida do caçula Antônio Alberto, o Tuca, e escolheu
mudar para um lugar mais isolado e tranquilo: a Porta do Sol, do outro lado da Ponte Pênsil. As casas acessavam o mar pela sua longa escadaria, de onde era possível remar até as ondas que quebravam de lado na prainha, em suas longas e perfeitas direitas, ou simplesmente contemplar os golfinhos perseguirem as manchas prateadas de sardinhas depois de uma chuva de verão.
O ano de 1972 chegou e buscando um lugar mais seguro para criar o Tuca, a família Manzur voltou para Santos, mais precisamente em cima do Cine Roxy, no Gonzaga. Nesse mesmo ano ocorreu a viagem ao Rio de Janeiro para conhecer a loja Magno, referência em loja de surfe no Brasil, à época. O gerente ficou bastante interessado na compra dos Manzur e atendendo à solicitação de Alberto sobre lojas para alugar, indicou um ponto que ficava ao lado. Alberto pegou o telefone e marcou uma hora para fechar o negócio.
Era o início da loja ManSurf do Rio de Janeiro, entre Ipanema e Copacabana, na Gomes Carneiro 138. Essa rua levava até o Píer de Ipanema, um lugar onde quebravam ondas ao estilo North Shore, esquerdas buracos, super rápidas.
Em 1975 conquistaram um imenso público com as camisetas e bermudas da marca Internacional Bolt.
Na loja do Rio, os irmãos Wady e Fuad trabalhavam junto com a mãe, Celina, vendendo no
Atacado e no Varejo. Elias e Alberto ficavam na loja e fábrica de Santos. Toda semana eles
pegavam a Via Dutra e faziam a estrada indo e vindo ouvindo Santana, Led Zepellin, além de boleros, tangos e orquestras.
Na década de 1980 Wady iniciou a marca Black Trunk no Brasil. Além das vendas, dedicou-se como surfista competidor, com ótimos resultados. Fuad continuou o seu trabalho de pesquisas nas parafinas para as pranchas, tornando a Fu-Wax, a melhor parafina do mundo, exportada para os diversos paraísos do surfe do planeta.
Em 1972 Elias abriu, em parceria com a Sandrinha, sua namorada na época e hoje esposa há mais de 40 anos, uma loja ManSurf na Galeria 5ª Avenida. Ele continua surfando, produzindo leashs e imprimindo camisetas.
Guiados pelos sonhos, criatividade, coragem e esforço, os Manzur continuam vivendo no
universo alternativo e mágico do surfe.
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Coordenador de pesquisas históricas do surfe @diniziozzi – o Pardhal