Museu do Surfe

A história de Yso da Amsler

Coluna Museu do Surfe, de Gabriel Pierin, apresenta história de Yso da Amsler Surfboards, shaper e pioneiro em eventos no Brasil, como lendário campeonato do Píer de Ipanema, Rio de Janeiro (RJ).

Yso da Amsler Surfboards

Aloysio da Silva Moura era general de Brigada do Exército Brasileiro e engenheiro metalurgista formado pelo Instituto Militar de Engenharia. Quando ainda era cadete de AMAN (Academia Militar das Agulhas Negras), o gaúcho de Pelotas conheceu Antoinette Amsler em um baile na Colônia Finlandesa, em Penedo, no Estado do Rio de Janeiro, um lugar bastante concorrido pelos imigrantes europeus à época. Antoinette era filha de alemães que emigraram de Alsácia – Lorena, alvo de tensão entre as relações germano-francesas.

Nascido no Hospital do Exército do antigo Estado da Guanabara, no dia 11 de abril de 1952, o herdeiro do nome do pai, Aloysio Amsler Moura, conhecido como Yso, foi o segundo dos quatro filhos homens do casal.

Nos seus primeiros anos de vida, Yso morou na Urca, tradicional bairro da Baía da Guanabara, ao pé do Pão de Açúcar, repleto de praias. Apesar disso, sua lembrança mais antiga do mar se deu em Cabo Frio (RJ). Em 1955, após o nascimento do irmão caçula, Sérgio, a família mudou-se para a cidade litorânea da Região dos Lagos, para acompanhar o pai, superintendente responsável pela obra da Companhia Nacional de Álcalis.

Os irmãos Amsler passavam o dia nadando e brincando dentro do Canal de Itajuru, bem em frente à casa onde moraram até 1960. Foi somente em 1965, aos 13 anos, enquanto folheava a proibida revista Playboy, que Yso se deparou com uma grata surpresa. A foto do poster com a playmate do mês lhe chamou a atenção, não apenas pelos atributos da modelo em destaque, mas também pela enorme prancha que ela carregava em seus braços. A paixão foi instantânea e Yso perturbou tanto o pai que acabou ganhando sua prancha no Natal daquele ano, uma madeirite 7’0 fabricada na marcenaria da rua Francisco Otaviano, no Arpoador.

Yso Amsler começou surfando na Praia de Fora, na Fortaleza de São João da Urca, junto com o irmão Sérgio e o amigo Cesinha Chaves, um dos precursores do skate no Brasil. Suas maiores influências foram as revistas importadas Surfer e Surfing Magazine e o clássico filme Endless Summer.

A primeira vez que experimentou uma prancha de fibra de vidro foi durante o ginásio do Colégio Andrews, reduto de diversos surfistas, entre eles Carlos Eduardo Miranda, o Cadu, que emprestou sua Surfboards São Conrado 9’4 para surfar no Posto 4, em Praia Cobacabana, que mesmo sem passar parafina, manteve Yso em pé.

Antonio Muniz Freire, o Coqueiro, também lhe emprestava a sua “fibra” nas sessões de surfe no Arpoador, na época restritas até às 8 horas da manhã ou depois das 14 horas. Yso compraria sua própria São Conrado de outro colega do Ginásio, o Alexandre “Xuxa”. A partir daí, ele e Sérgio pedalavam a Caloi 10, carregando o pranchão debaixo do braço da Urca até o Arpoador, num lindo trajeto de 9 quilômetros à beira-mar.

No inverno de 1971, em Saquarema, Yso quebrou o bico da sua prancha Sky 6’4 Square Tail, monoquilha shapeada pelo lendário australiano Bob McTavish. Ele fez uma promessa de parar de fumar e de tornar-se um surfista profissional se o irmão trouxesse uma prancha nova na volta da sua viagem de intercâmbio aos Estados Unidos.

No final de julho, Sérgio apresentou ao irmão uma Hobbie 6’0 Diamond Tail, shapeada pelo
californiano Mickey Muñoz. Promessa cumprida: Yso parou de fumar no dia 5 de agosto de
1971 e tornou-se um surfista profissional, disputando campeonatos no Rio e em São Paulo, pela Equipe Ala Moana, conceituada surf shop carioca.

Na primavera de 1971, Yso e seu irmão Sérgio Amsler shapearam um bloco de espuma de
poliuretano adquirido junto ao Coronel Parreiras da Surfboards São Conrado. Eles utilizaram ralador de queijo e lixa calafate para dar forma à monoquilha 6’6, modelo Diamond Tail.

A prancha rosa, a primeira fabricada na casa da Urca, foi um presente ao amigo Humberto
Cesar, o Abacaxi. A logomarca Amsler foi feita em nanquim sobre o papel manteiga. A partir de 1972, com Yso no shape e Sérgio na laminação, a marca passou para Amsler Surfboards Brasil.

Nesse mesmo ano, Yso participou do lendário Primeiro Campeonato do Píer de Ipanema, onde sagrou-se vice-campeão. Em janeiro de 1973, em sua primeira viagem de surfe ao Peru, ele conheceu Donny Mailer no Torneio Internacional de Tablas Hawaianas. A surfári seguiu pela Califórnia e depois ao Havaí, onde Donny gerenciava a Surline Hawaii Surfboards. A convite do amigo, Yso shapeou e laminou para a fábrica de pranchas havaiana.

No Havaí, Yso surfou Diamond Head, GraveYards, RiceBowl, PublicsReef, AlaMoana,
Makaha, MailiPoint e RockyPoint, Mas foi em Suicides que ele passou seu maior perrengue. Na manhã de 10 de junho de 1973, um domingo, Yso remava sua última onda no inside daquele pico, aos pés do vulcão Diamond Head, em Honolulu. Ao realizar uma batida de frontside, Yso, que estava de pé trocado, falseou na conclusão da manobra e a prancha, empurrada pela força da onda, bateu com o bico contra o seu rosto, rasgando o olho esquerdo.

Yso foi rebocado pelo amigo Bill até a areia, onde esperou a chegada do pronto-socorro. O som da sirene foi o último que ele escutou antes de desmaiar e passar pela operação. Cego do olho esquerdo, Yso ainda desafiou a mesma direita de Graveyards, a fatídica onda do inside de Suicide, antes de voltar ao Brasil.

Com seu plano de vida radicalmente alterado pelo acidente, Yso reabriu a matrícula trancada e voltou ao Brasil para estudar e se formar engenheiro civil na Faculdade Nuno Lisboa, no Rio de Janeiro. Naqueles anos da década de 1970 e 1980, ele, o irmão Sérgio e o primo Ico fabricaram mais de 550 pranchas Amsler. Yso seguiu as competições pelas praias do Rio, nos lendários Campeonatos da Loja Ala Moana no Quebra-mar e em Saquarema, da Loja Magno, da Loja Waimea, do Smirnoff Brasil, os Festivais Brasileiros de Ubatuba e o Façanha Sobrinho, no Guarujá. O irmão Nando fotografava Yso, contribuindo para o aprimoramento das suas manobras.

Em 1987, Yso começou a trabalhar e por isso se afastou do surfe e o shaper. O despertar dessa hibernação ocorreu no segundo semestre de 1996. Na ocasião, o orçamento estava apertado e o anúncio da chegada da sua filha fez da necessidade do ganho extra, uma urgência. Yso procurou o Robertinho Valério, proprietário da Neutron Surfboards e, durante seis meses, todos os sábados, ele shapeava para a sua fábrica de pranchas.

Em 2008, depois de um outro longo período longe das pranchas, Yso recebeu um inusitado
telefonema do campeão mundial e senador pelo Havaí, Fred Hemmings. Quando esteve no
Havaí, Yso namorou Heidi, irmã do surfista, e estabeleceu uma amizade com ele. Os dois
mantiveram contato e Fred aproveitou sua visita ao Brasil, no histórico Legends de Maresias para deixar seu livro The Soul of Surfing is Hawaiian com Helmo Carvalho aos cuidados de Yso, estendendo o convite para um reencontro no arquipélago havaiano.

O convite do surfista campeão do mundo foi a gota d’água para Yso voltar a surfar. Em grande estilo, nas ondas dos ancestrais do surfe moderno, o carioca decidiu seu retorno às competições e produção de pranchas. Ao lado dos filhos, Yso correu o Peru, Equador, Panamá, Costa Rica, El Salvador, Nicarágua, Havaí, Maldivas, Bali.

Engenheiro e especialista em controle de projetos, Yso trabalhou como um expatriado pelos
quatro cantos do planeta. Começou em missões pela Tailândia, em 1992, passou pela Argentina, Venezuela, Equador, Peru, Estados Unidos, Inglaterra, Itália, Finlândia, Holanda, Mônaco e terminou em Shangai, em 2014.

Aposentado desde maio de 2015, com 36 anos de trabalho e 63 de idade, Yso aprendeu e se divertiu muito trabalhando na sua especialidade profissional. Em 2019 a morte do inseparável irmão, amigo e companheiro Sérgio, Yso guardou o surfe para sempre no coração e na memória.

Hoje, próximo de completar 73 anos, o pai de Olivia e Andre, vive em Cabo Frio, no Rio de
Janeiro, e se dedica aos prazeres da leitura, da caminhada à beira-mar e da boa culinária.

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Coordenador de pesquisas históricas do surfe @diniziozzi – o Pardhal.

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