Museu do Surfe

Cisco Araña, o professor

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O espanhol Francisco Araña Perez emigrou das Ilhas Canárias para o Brasil fugindo da
repressão do governo do ditador fascista Francisco Franco e encontrou nos ares libertários da cidade de Santos a jovem funcionária concursada dos correios, Iris Gonçalves Alegre.

Nos idosndos anos 1940, Francisco mantinha correspondência com sua família de origem, quando o envio de uma carta o aproximou de Iris, sua futura esposa.

Dessa união nasceu Francisco Alfredo Alegre Araña, o Cisco, em 22 de fevereiro de 1957, e seu irmão Tato. Sua relação com a praia veio desde muito cedo por influência do pai, oriundo do arquipélago no Atlântico, um exímio nadador e intimista do mar.

Cisco conheceria o surfe através do primo Fausto Osni, um beatnik pra época. Ele voltou de uma temporada de três anos nos Estados Unidos, cheio de novidades, incluindo o fiberglass para a fabricação de pranchas na casa da avó.

Vivendo ali, na Floriano Peixoto, Cisco lembra que o primo ensinava a laminação
para outros fabricantes, como o José Geraldo, um amigo próximo, referência entre eles.

Cisco tinha menos de 10 anos quando desejou uma prancha. Fausto, mais velho, participava de uma geração mais antiga que se reunia no Olímpia, como os surfistas Orlandinho e Célio.

Influenciados pelos Beatles e sua moda dos anos 1960, de jaqueta de couro, gel e óculos
escuros. Fausto se recusou a fazer a prancha para Cisco e o presente acabou dado pela sua
mãe, uma Barland Roth Surfboards comprada do Jô, da tradicional família Hirano.

Algum tempo depois veio uma kneeboard da Orca Surfboards, do Edinho.

O surfe de Cisco evoluiu e o incentivo para a competição partiu da Turma da Sonora, todos
amigos surfistas, que se reuniam na discoteca Sonora, do Canal 1. Eles esconderam a inscrição de Cisco no Campeonato Cavalo de Totora, realizado na Praia das Astúrias, até eles chegarem a pé na praia, naquele histórico fim de semana de outubro de 1972.

O mar estava enorme, Cisco precisou da ajuda do Elyseu Andrade para atravessar a arrebentação pelo canal e apesar de todo o medo e pressão, venceu o campeonato.

No ano seguinte, Cisco participou do Festival Brasileiro de 1973, em Ubatuba, e terminou em quinto. Era o início de uma longa e vitoriosa trajetória, com conquistas inesquecíveis, como o Campeonato Colegial, representando o Colégio Oswaldo Cruz, num mar enorme na Praia de Pernambuco, elevando seu status para um garoto destemido e talentoso, conquistando o respeito e a admiração entre mais velhos.

Daí vieram outros títulos estaduais, como o primeiro em 1975 e outros de nível nacional. Cisco foi o primeiro surfista profissional do estado de São Paulo ao receber um patrocínio, o da loja Dhemy, em 1977.

Porém, os títulos marcantes vêm carregados de significados e quebra de paradigmas. Assim como a vitória no Torneio Colegial, a conquista do primeiro Campeonato Universitário de 1982 representou uma mudança na mentalidade da sociedade: surfistas ingressos do meio acadêmico disputavam um campeonato de surfe. Cisco, pela FEFIS (Faculdade de Educação Física de Santos), venceu o primeiro universitário, seguido de Taiu, representando a FMU.

Ao longo da sua história, muitas pessoas influenciaram na sua formação, como Oracio Moraes, Santana e Carlos Mudinho. Nos anos 2000, Cisco resolveu parar o surfe de competição. Sua última e inédita conquista foi o título que faltava, o Super Master de 2008, o Circuito Brasileiro Petrobras de Longboard.

Pai de família, casado com Paula, Cisco decidiu deixar um legado para sua filha Nicole e transferiu seu know-how para projetos sociais de grande abrangência nacional e internacional. Ele usou da criatividade e do conhecimento acadêmico para desenvolver projetos, escrever livros e participar de documentários.

Em 1991 Cisco foi convidado para elaborar um projeto esportivo para a cidade. O nome
sugerido por ele foi Cidade Radical, pois o festival congregava várias modalidades como surfe, bike, street bike, patins inline, skate, skate half pipe, durante os 45 dias de atividades. A partir do sucesso da Cidade Radical, abriu-se o processo para a construção da sede da Escola Radical sob a sua coordenação a partir de 1992, num desdobramento da Escola Pública de Surf que já existia.

Neste ano, a Escola completa 32 anos, ampliada para um lindo e inclusivo projeto de surfe às pessoas com deficiência, com a primeira prancha adaptada para cegos do mundo, cujo brilho refletiu na abertura da Escola de Surf Adaptado, a primeira do mundo, onde orbita o projeto Sonhando sobre as Ondas, com a distribuição de pranchas adaptadas para todo o mundo, oportunizando na melhoria de qualidade de vida para pessoas com deficiência, abraçado pela SEMES.

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Coordenador de pesquisas históricas do surfe @diniziozzi – o Pardhal