O surfe apareceu na vida de Ricardo aos 14 anos de idade, mas antes disso o menino de Copacabana já se aventurava de jacaré de peito nas ondas. A prática do bodysurf já era bem popular, mas Ricardo levava a sério, lançando-se de pé-de-pato sobre as ondas grandes da praia famosa.
Um dia ele chegou à praia e viu dois surfistas sentados sobre seus longboards de fibra de vidro. Ricardo ficou vendo os dois surfando, até que um deles perdeu a prancha que veio parar fora da arrebentação. O garoto correu pro mar e teve seu primeiro contato com aquela nave futurística. O encanto foi imediato.
Ricardo Baerlein dos Santos Lima, nascido em 17 de outubro de 1954, dividia o tempo entre surfar de jacaré e assistir aos surfistas que chegavam em um número crescente. Ele morava na rua em frente ao Posto 4 e ali tornou-se seu lugar de vigília. Qualquer vacilo dos surfistas ele se jogava no mar para tocar no objeto sagrado.
De tanto aparecer ficou conhecido pela galera mais velha e numa certa vez, entre uma queda e outra, um surfista deixou a prancha para ele se divertir nas ondas. Ricardo ficou quase uma hora com a prancha e pirou quando ficou de pé pela primeira vez.
O próximo passo foi conquistar seu próprio equipamento. Para isso convenceu seu pai e a surpresa veio na Semana Santa de 1969, com uma inovadora mini model shapeada por Dentinho do Posto 5, uma das duas geradas a partir da mini model havaiana do Penho. A prancha foi parar com um surfista, o Oscar, que não se adaptou ao modelo e vendeu ao Ricardo.
Ele passou os quatro dias da Semana Santa dentro d’água na altura do Posto 5. Dias depois conheceu Roberto Marques de Souza, o Betão. Ricardo ficou alucinado pelo surfe do Betão no Posto 4. Descobriram-se estudando no mesmo colégio, o São Fernando, em Botafogo, e ficaram muito amigos, fissurados no surfe. Acordavam de madrugada para pegar onda e depois seguiam de ônibus para a escola. Foi no São Fernando que nasceu o apelido que o acompanharia por toda a vida, tornando-o famoso como Ricardo Bocão.
Na sequência ele começou a pegar onda com a turma do Arpoador. O gosto pelas ondas grandes levou Ricardo Bocão para atrás do Pontão. Assim o jovem surfista ia ganhando o respeito e a admiração de todos.
Em dezembro de 1973, Ricardo Bocão e Betão fizeram uma viagem ao Havaí. Ricardo ficou um ano e meio nas ilhas havaianas e quando voltou reencontrou com Betão, feito o primeiro campeão do Festival Nacional de Saquarema de 1975, num mar enorme, épico. Os dois foram morar em Saquarema e criaram a fábrica Bocão e Betão Surfboards. Não foi seu primeiro empreendimento. Ele já tinha se associado ao Ricardo Wanderbill, numa união que durou pouco, mas o suficiente para pegar gosto pela produção de pranchas.
As surftrips começaram cedo, nos picos distantes dentro do Rio. Quando conseguia carona, Bocão se juntava ao Paulete e Ceceu até a Prainha. Fora da capital, chegou a Itaúna e Cabo Frio, onde acampavam.
Aos 16 anos ele fez sua primeira viagem internacional para o Peru, atraído pela ideia do fundo de pedra. A empolgação com o tamanho e a perfeição das ondas de Punta Rocas e Pico Alto fez Bocão sonhar mais longe: o Havaí. De 1973 em diante, durante toda a década de 1970, ele foi todos anos passar a temporada de ondas no paraíso internacional.
As viagens seguiram nas décadas seguintes, para Bali, Austrália, África do Sul e Japão, competindo, cobrindo os eventos da WQS, ou criando empreendimentos de comunicação e entretenimento, como a Revista Realce, Ombak da MTV e canal Woohoo.
Na última semana, o surfista de 68 anos de idade escreveu mais um capítulo da sua gloriosa história ao dropar uma direita gigante de Nazaré, em direção as pedras. A onda pode ter chegado a 60 pés, talvez a maior da temporada. Um feito inédito na incrível jornada de mais de meio século sobre as ondas.
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